Estudo revela que comunidades de caçadores-coletores pré-neolíticos no Sudeste Asiático já dominavam a arte de preservar seus mortos muito antes dos faraós egípcios.Um novo estudo identificou as primeiras evidências de mumificação humana entre sociedades de caçadores-coletores pré-neolíticos no sul da China e no sudeste asiático. Segundo os pesquisadores, esses povos já dominavam técnicas de preservação dos mortos há pelo menos 10 mil anos.

De acordo com o estudo publicado na revista científica PNAS, tais enterros eram caracterizados por corpos em posições encolhidas ou acocoradas, às vezes com evidências de desmembramento post-mortem e frequentemente com vestígios de queimaduras – sugerindo técnicas de defumação.

As descobertas remontam ao período entre o final do Pleistoceno e o médio Holoceno (entre 12 mil e 4 mil anos). O próprio estudo documenta um caso com datação direta há cerca de 14 mil anos (Pleistoceno tardio).

Tais práticas funerárias contrastam com os sepultamentos neolíticos posteriores, nos quais os corpos eram colocados de costas com braços e pernas esticados.

Para estudar as práticas funerárias do período na região, uma equipe liderada pela Universidade Nacional da Austrália analisou amostras ósseas de sepultamentos encontradas em 95 sítios arqueológicos pré-neolíticos, do sul da China à Indonésia e ao Vietnã.

Longo processo

As descobertas sugerem que muitos dos corpos passaram por um longo processo de secagem com fumaça no fogo, geralmente “em intensidades relativamente baixas, antes do sepultamento”, diz o artigo.

Esse processo de mumificação se assemelha às práticas funerárias contemporâneas registradas etnograficamente em algumas sociedades indígenas da Austrália e da Nova Guiné.

“Algumas das amostras arqueológicas analisadas representam os casos mais antigos conhecidos desse tipo de mumificação artificial no mundo”, e essas práticas no Sudeste Asiático persistem há mais de 10 mil anos, escrevem os pesquisadores.

Comparado a outras formas de mumificação, o método de defumação “não deve ser considerado menos avançado” do que outros, disse Hsiao-chun Hung, a principal autora do artigo, à agência Efe.

Os restos mortais analisados ​​pela equipe, porém, são meramente ósseos. Isso se explica, segundo a pesquisadora, pois “a principal diferença” com relação outras técnicas de mumificação é que esses corpos não foram selados em recipientes após o processo. “Sua preservação, portanto, durou apenas algumas centenas de anos”.

Com o tempo, “as múmias defumadas foram respeitosamente colocadas em covas, sob abrigos de pedra ou enterradas no solo, de modo que apenas seus restos mortais sobreviveram até os dias de hoje”.

Os restos mortais estudados estavam geralmente em posições muito compactas, e a ausência de desarticulação óssea, que é frequentemente associada à decomposição em alguns sepultamentos, “sugere que os corpos foram enterrados em estado desidratado, e não como cadáveres frescos”, observa o estudo.

Evidências de mumificação parecem indicar que essa prática começou antes das tradições chilena e egípcia, nas regiões úmidas e de clima de monções do leste e sudeste da Ásia.

Nessas condições climáticas, “a dessecação natural não foi possível, e apresentamos evidências sugerindo que os cadáveres foram defumados para curar e mumificar a pele ao redor de seus esqueletos”, observa a equipe de pesquisadores.

Interação entre técnica e tradição

Os resultados, destacou Hung, apontam para “uma interação única entre técnica, tradição, cultura e crenças. Este estudo mostra que as pessoas no passado não apenas desenvolveram essa prática, mas também dedicaram tempo e energia significativos para preservar os corpos de seus ancestrais de forma visível”.

De acordo com registros etnográficos, “a criação de uma única múmia defumada exigia três meses de cuidados contínuos por parte de familiares ou membros da comunidade, um compromisso que só poderia ser sustentado por meio de profundo amor e devoção espiritual”.

Para a pesquisadora, isso reflete “um impulso profundamente humano, evidente desde os tempos antigos até os dias atuais: a esperança duradoura de que famílias e entes queridos possam permanecer ‘juntos’ para sempre”, seja qual for a forma adotada.

“Surpreendentemente”, essa prática persistiu “por um período de tempo impressionante e em uma vasta região, desde o Paleolítico Superior até os dias atuais. O alcance e a persistência dessa prática são extraordinários”, acrescentou.

Uma tradição antiga bem conhecida de mumificação envolvendo dessecação remonta à cultura Chinchorro, ao longo da costa do Atacama, no Chile, há cerca de 7 mil anos, embora tenha sido aparentemente abandonada há cerca de 3,7 mil anos antes desse mesmo período.

No Egito, as primeiras tentativas de mumificação com embalsamamento datam do Império Antigo (há aproximadamente 4,5 mil anos), embora sepultamentos dessecados pré-dinásticos mais antigos também tenham sido preservados no Vale do Nilo.

ip/cn (DW)