14/07/2025 - 8:54
Rotas tradicionais de migração em direção aos EUA pela Colômbia e Panamá agora registram fluxo contrário de imigrantes que desistem da jornada ou decidem deixar o território americano com medo de represálias.A política migratória do presidente dos EUA, Donald Trump, pressiona cada vez mais imigrantes que vivem em território americano e leva muitos a deixar o país por trajetos alternativos e perigosos. O movimento de migração reversa faz com que áreas antes usadas para a travessia rumo ao norte agora passem a registrar intensos deslocamentos em sentido contrário e acumulem violações de direitos humanos.
Migrantes que antes enfrentavam a Selva de Darién, por exemplo, um trecho mortal de floresta densa entre a Colômbia e o Panamá tradicionalmente usado em jornadas rumo aos Estados Unidos, agora percorrem o mesmo caminho, mas em direção ao sul.
Essas viagens de retorno são, em grande parte, invisíveis. Os migrantes não são monitorados, não têm proteção e ficam expostos à violência sexual, tráfico de pessoas, exploração, além de sofrerem com grave escassez de alimentos e água potável ao longo do percurso. Muitas vezes, são obrigados a pagar e fazer o trajeto sob a tutela de contrabandistas e grupos criminosos.
Apesar de os dados públicos sobre esses trajetos raramente distinguirem o movimento reverso das rotas tradicionais rumo ao norte, informações disponibilizadas pelo governo da Colômbia revelam pistas sobre a atual dinâmica migratória no país.
Segundo o think tank americano Niskanen Center, que analisou essas informações, a Colômbia interceptou 4.513 migrantes cruzando sua fronteira norte vindos do Panamá entre fevereiro e março. “Embora esse número possa parecer modesto, ele é praticamente inédito nos últimos anos: Em 2024, foram registradas apenas duas interceptações desse tipo, em um total de 400.612 migrantes contabilizados”, diz a organização.
Nova rota migratória
Ao final de fevereiro, fluxo semelhante foi identificado na fronteira norte do Panamá. Na ocasião, o governo do país registrou a entrada de 2,2 mil imigrantes. O movimento em sentido contrário abriu novas rotas de saída para quem tenta evitar a Selva de Darién e seguir rumo à Colômbia pelo mar.
Segundo reportagem da agência de notícias AP, o colapso da rota tradicional sentido norte fez com que contrabandistas passassem a explorar a migração reversa, cobrando até 250 dólares (R$1,3 mil) por pessoa por uma travessia de barco chamada de “VIP”. Essa rota contorna a floresta e segue pela costa panamenha, ligando a América Central à América do Sul.
À imprensa americana, organizações que atuam nas terras indígenas de onde o novo fluxo se abriu, como a HIAS e a Médecins du Monde também confirmam o fenômeno e denunciam diversas violações de direitos humanos sofridas pela população que decide usar esse trajeto. Em fevereiro, uma criança venezuelana de 8 anos morreu após o barco em que ela estava afundar.
Migrantes documentados são obrigados a deixar o país
Desde o início de seu segundo mandato, Trump lançou o que chama de “a maior operação de deportação doméstica” da história dos EUA. O governo enviou centenas de voos para a América Latina e o Caribe, incluindo o Brasil. As batidas de imigração se intensificaram, e até mesmo uma lei de 1798, chamada Alien Enemies Act, foi invocada para justificar algumas das expulsões.
Mesmo residentes de longa data, filhos de imigrantes, famílias e até portadores de visto que antes acreditavam estar legalmente protegidos agora correm esse risco. Parte dos migrantes que agora se tornaram alvo do governo americano, por exemplo, entrou legalmente no país durante a gestão do ex-presidente Joe Biden, por meio do programa de liberdade condicional humanitária.
Trata-se de uma forma de entrada temporária concedida a indivíduos em necessidade urgente, como aqueles que fogem de violência ou desastres naturais. O modelo foi proposto para diminuir o fluxo de entrada irregular no país e, consequentemente, as violações sofridas por essa população na travessia. Até agora, isso permitiu que milhares de pessoas, principalmente cubanos, haitianos, nicaraguenses e venezuelanos, entrassem legalmente nos Estados Unidos.
Melissa Siegel, diretora de estudos migratórios na Universidade das Nações Unidas, afirmou que a Casa Branca está agora deixando que essas permissões expirem silenciosamente ou até mesmo as cancelando de forma direta. O movimento é referendado pela Suprema Corte dos EUA. “Não é que essas pessoas tenham violado a lei”, afirma a especialista. “É que a política mudou ao redor delas. E agora, de repente, elas são tratadas como se nunca tivessem pertencido.”
O governo americano diz que vai oferecer incentivos de mil dólares para quem decidir deixar o país voluntariamente. Até o momento, 100 mil já foram deportados e outros 113 aguardam em centros de detenção.
Medo impulsiona saída por caminhos irregulares
O clima de medo imposto pelo governo americano impulsiona a migração reversa de quem decide deixar o país às pressas por desespero e falta de oportunidades. A incerteza de como funciona a política de deportação voluntária dos EUA faz com que muitas famílias resolvam realizar o caminho de volta por conta própria, sem se apresentar aos canais oficiais.
Relatos na imprensa americana mostram que há poucos voos disponíveis para o programa de deportação voluntária e muitos receiam que, enquanto aguardam sua vez, sejam presos em centros de detenção.
Como a DW mostrou, imigrantes denunciam tratamento desumano e condições insalubres dentro desses ambientes. A ONG de direitos humanos Human Rights Watch também documentou condições precárias nos centros de detenção, onde pessoas que devem ser deportadas são mantidas.
Fuga obriga retorno a países onde há perseguição
Cidadãos de países latino-americanos antes beneficiados pelo visto temporário de Biden são os que mais decidem pelo trajeto de volta. Em fevereiro, por exemplo, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) reportou um aumento acentuado nos pedidos de Retorno Voluntário Assistido (AVR) de cidadãos de países da América Latina. Muitos voltam a países dos quais haviam fugido por questões políticas ou de sobrevivência.
“Essas são pessoas que estavam fugindo de perseguição”, disse Michael Garcia Bochenek, autor do relatório da Human Rights Watch sobre migrantes presos nos centros de detenção. “Deportá-las para países incapazes de protegê-las não é apenas irresponsável, é perigoso”, afirmou.
Um deles é a Venezuela, país que enfrenta aumento da pobreza e da violência, palco do maior fluxo migratório da América Latina. Em janeiro, Nicolás Maduro iniciou seu terceiro mandato na presidência do país, apesar de evidências generalizadas de fraude eleitoral, o que impulsionou ainda mais a fuga de parte da população.
Segundo os dados analisados pelo Niskanen Center, a grande maioria dos migrantes interceptados na fronteira da Colômbia com o Panamá rumo ao sul é de venezuelanos. Eles representaram 99% dos migrantes em retorno que entraram na Colômbia no início de 2025, diz a organização.
Os dados mostram ainda que o número de migrantes vindos do Equador para a Colômbia se manteve estável nos últimos meses, enquanto o deslocamento em direção ao Panamá caiu drasticamente – a travessia pela Selva de Darién rumo aos EUA teve uma redução de fluxo de 99,7% em abril, segundo o presidente panamenho José Raul Mulino.
Para o Niskanen Center, isso indica que muitos imigrantes estão desistindo de continuar a jornada até os Estados Unidos no meio do caminho. “Eles estão voltando para uma situação ruim”, disse Siegel. “Na maioria dos casos, a mesma instabilidade política, pobreza e violência que os forçaram a fugir no início ainda existem. Nada mudou exceto a política dos EUA.”