Temor de invasão russa fez países repensarem a natureza como arma de proteção. Iniciativa de renaturalizar pântanos não é benéfica somente para o setor militar, mas também no combate às mudanças climáticas.No início de março de 2022, uma bomba explodiu ao norte de Kiev, na Ucrânia, impactando toda a região e a conjuntura militar local até os dias de hoje. A detonação destruiu completamente a barragem de Kozarovychi, no reservatório de Irpin, alagando quilômetros de várzeas logo abaixo.

Vilarejos inteiros foram cobertos pela água, que também espalhou minas e explosivos não detonados. Assim, surgiu um pântano, que se tornou uma barreira intransponível para os invasores russos, ajudando a impedir a tomada da capital ucraniana.

A Polônia e a Finlândia, que fazem parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), adotaram uma estratégia semelhante em suas fronteiras externas. Pântanos fazem parte de um plano de defesa diante do receio de uma possível invasão russa. Ambos os países estão considerando restaurar pântanos e brejos que haviam sido drenadas, usando-os como barreiras naturais. A iniciativa também pode beneficiar o meio ambiente.

Pântanos vivos e úmidos armazenam grandes quantidades de CO2. Já os pântanos secos liberam muitos gases de efeito estufa. Recuperar esses ecossistemas, portanto, é crucial para alcançar as metas climáticas da União Europeia (UE). Grandes partes dessas regiões úmidas na Europa foram drenadas para o uso agrícola. Isso faz com que elas liberem muito carbono, impulsionado o aquecimento global.

Pântanos para fortalecer capacidade de defesa

O governo finlandês está atualmente analisando as áreas no leste do país, próximas à fronteira com a Rússia. São pântanos, áreas úmidas e florestas com madeira morta, que formam barreiras naturais.

“Pântanos renaturalizados podem servir como obstáculos naturais, que possivelmente limitam o movimento de equipamentos militares e melhoram a capacidade de defesa da Finlândia”, afirmou o Ministério do Meio Ambiente finlandês em nota. Segundo a pasta, está sendo formada uma força-tarefa para avaliar planos concretos e a extensão da renaturalização com fins defensivos.

Os benefícios estratégicos e militares em caso de defesa serão discutidos por especialistas militares. Também fazem parte do grupo de trabalho os ministérios da Defesa e da Agricultura. O plano inclui ainda o fortalecimento da biodiversidade, a redução de emissões e a melhoria da qualidade do ar e da água.

No geral, os pântanos e solos turfosos da Finlândia não estão em boas condições. A renaturalização de áreas alagadas e florestas também deve ajudar a reduzir enchentes e o escoamento de nutrientes para os corpos d’água. Em tempos de paz, essas áreas renaturalizadas também poderiam ser utilizadas para lazer e atividades recreativas, aponta o Ministério do Meio Ambiente finlandês.

Uma ideia antiga

Pântanos, lamaçais e áreas úmidas sempre fizeram parte de estratégias de guerra e defesa. Por volta do ano 1500, por exemplo, camponeses do norte da Alemanha derrotaram o exército dinamarquês no pântano de Hemmingstedt, que conheciam bem e souberam usar a seu favor.

Pântanos intransponíveis também desempenharam um papel importante na derrota do exército francês comandado por Napoleão Bonaparte durante a campanha na Rússia em 1812. Tanto na Primeira quanto na Segunda Guerra Mundial, pântanos e áreas alagadas também formaram grandes obstáculos para tropas alemãs e aliadas.

“Não existe equipamento militar que consiga atravessar facilmente um pântano encharcado”, afirma Franziska Tanneberger, diretora do Centro de Pântanos de Greifswald, uma parceria entre a Universidade de Greifswald e a Fundação Michael Sukkow.

Ela estima que, com um investimento entre 250 e 500 milhões de euros, cerca de 100 mil hectares de pântanos e áreas alagadas poderiam ser renaturalizados em toda a Europa. Seja na filtragem e armazenamento de água em tempos cada vez mais secos e quentes, ou na retenção de grandes quantidades de dióxido de carbono, “os pântanos fazem isso de graça para nós, se os deixarmos”, acrescenta Tanneberger.

A drenagem de pântanos elimina a capacidade de armazenamento desse ecossistema. Cerca de 7% das emissões de gases de efeito estufa da Europa vêm de solos turfosos drenados e de antigas áreas úmidas. Atualmente, os pântanos representam apenas cerca de 3% da superfície terrestre mundial. No entanto, eles armazenam quase o dobro de CO2 do que todas as florestas do planeta juntas.

A iniciativa “East Shield” da Polônia

A Polônia também pretende reforçar significativamente sua fronteira oriental, na divisa com Belarus e Rússia. A iniciativa East Shield (Escudo Oriental) tem como objetivo, até 2028, dissuadir um possível ataque por meio da ampliação da vigilância, da infraestrutura e da construção de barreiras físicas contra uma invasão.

“A natureza perto da fronteira é uma aliada evidente do East Shield”, informou o Ministério da Defesa da Polônia. Parte da iniciativa inclui a renaturalização de pântanos e o reflorestamento de áreas fronteiriças. As fronteiras da Polônia e da Finlândia com a Rússia também são fronteiras externas da Otan, o que as torna especialmente críticas para toda a aliança.

“Nesse caso, os objetivos ambientais e de defesa se sobrepõem”, afirma o comunicado do ministério. “As obras devem ser realizadas onde as barreiras naturais se mostrarem insuficientes como obstáculo.”

A estratégia da Finlândia e Polônia ainda não ganhou adeptos entre os países da Ota. A Alemanha, por exemplo, não tem planos de restaurar pântanos com fins defensivos, segundo o Ministério da Defesa. No plano de defesa da aliança militar, a Alemanha é considerada uma “plataforma de trânsito”, ou seja, um país estratégico para o deslocamento de tropas.

O ministério alemão ressalta, contudo, que pântanos e áreas alagadas têm impacto direto na mobilidade tanto de forças inimigas quanto das próprias tropas. A recuperação dessas áreas alagadas pode, portanto, trazer vantagens e desvantagens para as Forças Armadas alemãs. A pasta avalia que, no momento, os prejuízos superam os benefícios na questão de defesa.