23/02/2024 - 18:30
O primeiro-ministro polonês Donald Tusk está determinado a continuar apoiando a Ucrânia, mas também se equilibra para tentar acalmar os fazendeiros poloneses que protestam contra importações agrícolas ucranianas.O primeiro-ministro polonês Donald Tusk não fez questão de esconder sua irritação quando falou com a imprensa na última quinta-feira (22/02). Seu governo de centro-esquerda está atualmente fazendo um grande esforço para restaurar o Estado de Direito, que foi corroído pelo governo anterior, liderado pelo ultranacionalista do Partido Lei e Justiça (PiS), que comandou a Polônia entre 2015 e 2023.
Um pouco de calma em questões domésticas seria bem-vinda após tantos anos de tensão no país. Mas os agricultores poloneses têm outros planos.
Após uma pausa, os agricultores poloneses começaram a bloquear novamente, na última terça-feira, as estradas em todo o país e as vias que levam aos postos de fronteira com a Ucrânia. Em alguns casos, a situação, já tensa, se agravou.
No posto de fronteira de Medyka, por exemplo, grãos armazenados em um caminhão ucraniano foram espalhados sobre a estrada. Na Silésia, no sul da Polônia, um trator foi visto com exibindo uma bandeira soviética e uma faixa com os dizeres “Putin: Coloque ordem na Ucrânia, em Bruxelas e em nossos governantes”.
O Ministério das Relações Exteriores polonês condenou veementemente o incidente, e o Ministério Público abriu uma investigação contra o fazendeiro responsável pela bandeira e faixa por propaganda totalitária e incitação ao ódio.
A Ucrânia é um dos maiores produtores mundiais de grãos e sementes oleaginosas do mundo. Até 2022, a maior parte das exportações tinha como destino regiões fora da UE.
No entanto, o bloqueio dos portos do Mar Negro pela Rússia a partir de 2022 isolou a Ucrânia das suas rotas de exportação tradicionais, forçando o país invadido pela Rússia a recorrer a vias trânsito terrestre através da Polônia, Eslováquia, Hungria e Romênia, onde muitas vezes a produção passou a ser vendida nesses países, gerando protestos de produtores locais.
Tusk busca acalmar a escalada
Para evitar uma nova escalada, Tusk está tentando conciliar os interesses de ambos os lados. Ele reiterou seu apoio à Ucrânia, mas também expressou compreensão em relação aos agricultores, insatisfeitos com a entrada de produtos agrícolas ucranianos.
“Devemos manter as duas questões separadas nos debates nacionais e internacionais”, disse ele. “Não há dúvidas sobre o apoio à Ucrânia em sua luta contra a Rússia. Isso não é negociável. No entanto, também devemos proteger os agricultores poloneses e o mercado polonês contra as consequências negativas da abertura das fronteiras para produtos agrícolas.”
Ao mesmo tempo, Tusk condenou veementemente as provocações pró-russas: “Não podemos permitir que aqueles que servem ativamente à propaganda do presidente russo Vladimir Putin explorem os protestos dos agricultores na fronteira ucraniana. Qualquer apoio desse tipo à narrativa de Putin é traição”, disse ele.
O primeiro-ministro acrescentou que pretendia designar as passagens na fronteira entre a Polônia e a Ucrânia como “infraestrutura crítica” para garantir o fluxo ininterrupto de produtos militares e ajuda humanitária para a Ucrânia – uma medida que garantiria uma melhor proteção das passagens no caso de um bloqueio.
No entanto, uma reunião na fronteira sugerida pelo presidente ucraniano Volodimir Zelenski não ocorrerá. Zelenski havia proposto que os primeiros-ministros e presidentes de ambos os países e representantes da União Europeia se reunissem em curto prazo.
“Não precisamos de simbolismo em nossas relações, nem de gestos bombásticos de solidariedade”, disse o primeiro-ministro polonês. Em vez disso, os governos polonês e ucraniano se reunirão em Varsóvia no dia 28 de março.
Tusk também disse que pretende abordar a “necessidade de corrigir a política da UE em relação à Ucrânia” em uma reunião com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Um ano de protestos sobre a importação de alimentos
O conflito sobre as importações de alimentos da Ucrânia já dura cerca de um ano. Os agricultores poloneses alegam que uma grande parte dos grãos ucranianos que passam pela Polônia a caminho da Ásia e da África fica na Polônia, com consequências devastadoras para os agricultores do país.
Os preços despencaram e os agricultores poloneses não puderam vender seus produtos porque seus custos de produção são mais altos do que os de seus concorrentes ucranianos. Eles também veem o Acordo Verde da UE como um fardo adicional.
Após a primeira onda de protestos no ano passado, o governo polonês impôs uma proibição à importação de grãos ucranianos em abril de 2023. Bruxelas respondeu à pressão dos países da Europa Central e Oriental – incluindo a Polônia – dando um aval para restrições temporárias às importações agrícolas da Ucrânia.
Quando o embargo expirou em 15 de setembro e não foi prorrogado, a Polônia, a Hungria e a Eslováquia impuseram restrições unilaterais às importações de grãos, que permanecem em vigor até hoje.
A oposição no parlamento polonês está agora pedindo uma prorrogação da proibição de importação. Krzysztof Bosak, do partido nacionalista e anti-Ucrânia Confederação, chegou a exigir um embargo de qualquer produto agrícola da Ucrânia.
Quem sofreria mais com um embargo prolongado?
Mas especialistas alertam que, se esse embargo prolongado entrar em vigor, qualquer resposta retaliatória prevista da Ucrânia prejudicaria mais a Polônia do que beneficiaria o país.
O ministro da Agricultura da Polônia, Czeslaw Siekierski, disse ao parlamento que, embora o superávit comercial do país com a Ucrânia tenha sido de 6,9 bilhões de euros em 2023, a Polônia teve um déficit comercial de 650 milhões de euros quando se trata de produtos agrícolas.
A Polônia exporta veículos, máquinas, combustível, armas, produtos farmacêuticos, laticínios, vegetais e bebidas para a Ucrânia.
Resistência crescente
Autoridades do governo polonês anunciaram que se reunirão com os agricultores insatisfeitos na próxima semana. Por sua vez, os agricultores estão planejando um protesto em Varsóvia na terça-feira.
“No momento, estamos planejando vir em ônibus, não com tratores”, disse o líder do sindicato dos agricultores, Slavomir Izdebski. Ele espera a participação de 20.000 pessoas, incluindo agricultores da Alemanha, França e Holanda.
Os agricultores estão determinados a não recuar. “Nosso espírito de luta cresce a cada dia. Mais e mais pessoas estão se juntando a nós”, disse Andrzej Sobocinski, porta-voz de um bloqueio na rodovia S7 entre Gdansk e Varsóvia, à rede TVN24.
“Estamos recebendo um grande apoio. Ficamos com lágrimas nos olhos quando as pessoas nos trazem comida e nos desejam sucesso”, disse ele. Os agricultores da região querem continuar bloqueando as estradas até 10 de março. “Só voltaremos para casa quando percebermos alguns resultados concretos”, disse Sobocinski.
Deterioração das relações bilaterais
O conflito em andamento também está tendo um impacto nas relações bilaterais. A mídia polonesa divulgou recentemente os resultados de uma pesquisa realizada pelo grupo Rating, sediado em Kiev, que indicou uma clara queda nas atitudes positivas em relação à Polônia na Ucrânia. De acordo com a pesquisa, 79% dos ucranianos atualmente veem a Polônia como um “país amigável”, em comparação com 94% há um ano. Apenas 33% dos ucranianos veem a Polônia como “claramente amigável”, em comparação aos 79% de um ano atrás.
A situação na Polônia é semelhante: Uma pesquisa realizada no verão passado indicou que 26% dos poloneses têm agora uma atitude mais negativa em relação à Ucrânia do que há um ano.