Ex-piloto de Fórmula 1 Sebastian Vettel viajou ao Brasil para acompanhar o GP de Interlagos, mas antes sobrevoou a Amazônia e se encontrou com indígenas Kayapó. Em entrevista à DW, Vettel compartilhou suas impressões.Antes de chegar a São Paulo, onde acontece a 21ª etapa do Mundial de Fórmula 1 no circuito de Interlagos neste fim de semana, o ex-piloto alemão Sebastian Vettel fez um desvio. Na rota, adicionou uma parada na região amazônica, onde realizou um sobrevoo pela floresta a convite do Greenpeace Brasil.

Apesar de soar contraditório unir a pauta ambiental ao meio automobilístico, Vettel defende que não, em discurso alinhado às atuais políticas anunciada dentro da Fórmula 1 para torná-la mais sustentável.

Em 2019, a F1 anunciou uma estratégia de sustentabilidade que pretende tornar todos os seus campeonatos neutros em carbono até 2030. Com uma meta que se propõe a abranger da fábrica às escuderias, a F1 anunciou que utilizará combustível 100% sustentável até 2026 em todos os carros.

A estratégia, além de atender às demandas do próprio mercado, também pretende atingir os fãs de corrida, já que segundo relatórios da própria F1 75% dos fãs acreditam que o plano de sustentabilidade anunciado há cinco anos é fundamental para a longevidade do esporte e 65% deles passaram a ver os campeonatos de maneira mais positiva em função dessa estratégia sustentável.

As mudanças ocorrem também num momento em que a própria F1 vem sendo impactada pelos eventos extremos. Em 2023, o circuito de Emilia Romagna, em Ímola, precisou ser cancelado após fortes chuvas e inundações que deixaram mortos no Norte da Itália. No mesmo ano, a corrida do circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, foi ameaçada pelas queimadas no Canadá.

Além da passagem na Amazônia, Vettel também terá uma agenda dedicada à memória do piloto brasileiro Ayrton Senna, tricampeão da Fórmula 1 e falecido há 30 anos durante o circuito de Ímola. Em maio, o alemão se uniu a outros ídolos do esporte, como Lewis Hamilton, Max Verstappen e Fernando Alonso, para realizar uma caminhada em homenagem a Senna. Vettel também foi o responsável por pilotar o MP4/8, último carro de Senna na McLaren.

“Ayrton Senna ainda é um herói nacional no Brasil, e vamos continuar a fazer algo neste fim de semana e usar a plataforma para aumentar a conscientização sobre a pessoa e o legado que ele deixou não apenas na pista, mas principalmente fora dela, tentando combater a pobreza e tentando lutar por uma educação justa em seu país”, disse Vettel.

Em entrevista exclusiva à DW, o ex-piloto alemão afirmou que não pretende voltar às pistas, compartilhou as impressões do sobrevoo e o encontro com indígenas Kayapó na Amazônia, e também o que pensa sobre as medidas de ESG na Fórmula 1.

DW: Como você descreveria o que viu voando sobre a floresta? E qual foi o objetivo desse voo?

Sebastian Vettel: Não foi apenas um voo. Nos últimos dois dias, visitei a Amazônia e os povos indígenas no coração da floresta. Nunca tinha estado na Amazônia antes, portanto, foram muitas primeiras vezes para mim. Eu sempre li sobre a floresta tropical, as pessoas que vivem nela e seus espíritos. Agora, eu realmente tive a chance de ter um encontro, conhecer e conversar com elas. O voo foi muito impressionante. No início você vê muita floresta, muita árvore, no horizonte.

Mas também é muito preocupante, porque há muitas fazendas de soja, muita terra que parece já ter sido mexida e tirada da floresta. Você vê onde há um corte claro entre a floresta e as fazendas, seja pela pecuária, seja pela soja. No voo de hoje, também pudemos ver a mineração de ouro que está destruindo a floresta. Então, por mais que tenha sido uma inspiração, também foi um choque. Houve coisas muito positivas, conhecer as pessoas, passar tempo com elas, mas também negativas, em termos de ver como os humanos estão mudando a paisagem e não é para melhor.

Isso era algo que você já esperava ver ou achava que seria algo diferente?

Sim. Obviamente me preparei um pouco, dei uma olhada no que poderia esperar. Mas ainda assim é chocante quando, por um lado, você vê árvores no horizonte e um verde exuberante. E então você vê como as cores mudam e como a paisagem foi alterada por seres humanos, escavadeiras e máquinas. Além da contaminação da terra, com elementos que estão poluindo as águas e também as pessoas e os animais. Eu poderia imaginar, mas sim, é uma surpresa quando você o vê. É muitos mais impactante ver do que apenas ler sobre.

E você disse que já havia pesquisado sobre isso antes. O que exatamente desperta seu interesse na floresta amazônica e nos povos indígenas agora?

Bem, eu tenho um interesse geral pelo meio ambiente. Cresci em uma região muito privilegiada na Alemanha, onde você tem educação gratuita e pode escolher se tornar o que quiser, onde as portas estão abertas, não importa para qual direção você esteja olhando. E eu venho de uma experiência muito diferente com as corridas.

Mas uma coisa que as corridas me permitiram, e acho que é um privilégio, é viajar pelo mundo, conhecer pessoas diferentes, ter uma visão de culturas diferentes. E isso nos ensina muitas lições, desde que estejamos atentos. Acho que esse é o maior desafio de nossas vidas, e provavelmente o maior desafio que os seres humanos já enfrentaram, garantir que tenhamos um futuro e um futuro que permita e possibilite às próximas gerações desfrutar tanto quanto nós desfrutamos. Acho que isso é justo. Portanto, estou disposto a usar minha plataforma, minha voz, para causar um impacto positivo e conscientizar as pessoas. E esse também é o objetivo da viagem.

Você falou sobre corridas e, em outras entrevistas, já abordou como a Fórmula 1 poderia fazer e o que outros pilotos poderiam fazer a mais pelo meio ambiente. Como essas duas realidades podem se encaixar?

Há muitos assuntos que, à primeira vista, não se encaixam. Mas acho que esse é exatamente o desafio que estamos enfrentando. Há tantas coisas que não se encaixam e temos que encontrar uma solução entre elas. As corridas são minha paixão, e eu gostaria muito que elas existissem no futuro também. Mas, para isso, elas precisam mudar, precisam se adaptar. Nesse sentido, talvez sejam um bom exemplo de como isso pode ser feito.

E o que você acha que os países desenvolvidos, como a Alemanha, podem fazer para ajudar na proteção das florestas e das populações tradicionais que vivem nelas?

Essa é uma pergunta difícil, mas acho que conscientizar as pessoas e ajudar outros países, sejam eles quais forem, a tomarem a direção certa. A Alemanha tem muito dever de casa para fazer. Todos os países têm muito dever de casa para fazer. Mas acho que esse também é um problema que não resolveremos apenas olhando para nossos próprios problemas, dentro de nossos próprios países. É algo que temos que analisar globalmente.

Primeiro, precisamos ouvir os verdadeiros especialistas, que são as pessoas que vivem dentro das florestas há milhares de anos. Elas estabeleceram um estilo de vida de acordo com a forma como a floresta precisa ser para ter um futuro. Então é justo proteger suas terras e interromper o desmatamento, assim como devolver parte da terra que foi retirada delas ilegalmente. E como os países, especialmente os ricos, podem ajudar? Precisamos encontrar uma maneira de realmente apreciar o valor da floresta e também monetizar esse valor para poder protegê-la. Porque protegê-la é caro, e o interesse de curto prazo das empresas privadas, obviamente, levou à exploração de terras. Mesmo que você nunca viaje para o Brasil, você será prejudicado se a Amazônia desaparecer.

Você acha que as pessoas na Alemanha ou em outros países têm essa noção da importância da floresta amazônica para todo o meio ambiente e o planeta?

Não, e acho que não se pode esperar que cada indivíduo, sabe, se conscientize e aja. É preciso que a política e a governança entrem em cena e que os líderes do mundo se reúnam e elaborem políticas públicas e soluções. Não estou dizendo que é fácil, mas também estou dizendo que é possível. Já foi feito antes e pode ser feito novamente.

Em nível global, também há motivos para ter esperança. Portanto, por mais devastadora que seja a apropriação de terras e que pareça quando você a sobrevoa e a vê, também é verdade que, globalmente, há muitos projetos, muitas pessoas que estão trabalhando arduamente e se certificando de que estamos indo na direção certa. Só precisamos fazer isso muito mais rápido. É onde acredito que aumentar a conscientização ajuda, pois se as pessoas estiverem pedindo as coisas certas, elas conduzirão as políticas na direção correta.

Você postou no Instagram fotos com os líderes indígenas Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe. Como foi conhecê-los? Quais as coisas mais importantes que aprendeu com eles e com os outros indígenas Kayapó que conheceu?

O fato de que nossos dois mundos não colidem, mas se encontram. Acho que fiquei impressionado com a tolerância e a abertura que eles tiveram comigo e com as pessoas de fora da floresta. Da nossa parte, precisamos agir da mesma forma. Não esperar que eles e as comunidades de dentro da floresta ou os povos indígenas vivam da mesma maneira que nós. Eles têm sua maneira, que é justa, de viver e existir. Há tantas coisas que precisamos e devemos aprender com eles, em vez de tirar-lhes a terra, a base de sua própria existência.

Como você resumiria, em uma frase, essa experiência?

Como os povos indígenas vivem com a terra, não apenas na terra. Tenho a sensação de que, às vezes, vivemos na terra e não com a terra. Portanto, acho que essa é uma grande inspiração.