Em 2023, país asiático comprou mais do metal precioso do que qualquer outro banco central. Entre os motivos está preocupação com futuras sanções envolvendo o dólar. Aumento da reserva ajudou a disparar o preço do ouro.O preço do ouro bateu um novo recorde histórico essa semana, chegando a 2.300 dólares (cerca de R$ 11,3 mil) a onça, à medida que questões geopolíticas, expectativas de cortes nas taxas de juro nos Estados Unidos e o acúmulo do metal pela China estimulam o interesse dos especuladores.

O ouro é visto por investidores como um porto seguro em tempos de turbulência e uma cobertura contra a desvalorização de moedas, em um momento em que o mundo vive conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia que influenciaram no recente aumento dos preços, juntamente com o pico da inflação pós-pandemia.

A medida do Banco Popular da China (PBC, na sigla em inglês) de comprar grandes quantidades de ouro se refletiu em outros bancos centrais – sobretudo de mercados emergentes. Mas por que, afinal, a China está acumulando tanto ouro?

Aumento da reserva de ouro da China

O PBC tem aumentado as suas reservas de ouro nos últimos 16 meses consecutivos, de acordo com o Conselho Mundial do Ouro –uma associação comercial internacional para a indústria do ouro com sede no Reino Unido. Em 2023, o PBC comprou mais ouro do que todos os outros bancos centrais do mundo.

O Conselho Mundial do Ouro calculou as compras do metal precioso pela China no ano passado em 225 toneladas métricas, pouco menos de um quarto das 1.037 toneladas compradas por todos os bancos centrais do planeta

Só em janeiro e fevereiro, o PBC aumentou as suas reservas de ouro em 22 toneladas, escreveu, na plataforma X, Krishan Gopaul, analista sênior de Europa, Oriente Médio e África do Conselho Mundial do Ouro.

Agora, o banco central da China detém cerca de 2.257 toneladas de ouro nos seus cofres.

Tal como o PBC, os consumidores chineses têm comprado moedas, barras e joias de ouro depois de seus investimentos imobiliários, a moeda yuan e o mercado de ações do país terem desvalorizado devido aos recentes problemas econômicos na segunda maior economia do mundo.

“Desde o início do ano, temos visto enormes compras no varejo chinês, quantidades recordes de compras na Bolsa de Ouro doméstica de Xangai”, disse à Bloomberg TV no mês passado John Reade, estrategista-chefe de mercado do Conselho Mundial do Ouro.

Alternativa ao dólar

A China depende fortemente do dólar americano para o comércio com o resto do mundo. Sendo a moeda de reserva mundial, a maioria das matérias-primas são cotadas em dólares e mais de metade do comércio mundial é realizado utilizando a moeda americana.

Ao mesmo tempo que cresceu para desafiar o domínio econômico dos EUA ao longo dos últimos 30 anos, a China acumulou enormes reservas cambiais, principalmente em dólares. Mas Pequim teme ter-se tornado demasiado dependente do dólar e está empenhada em diversificar as reservas do PBC.

A China vem reduzindo gradualmente suas participações em dólar, que dominuíram em um terço desde 2011, para cerca de 800 bilhões de dólares, segundo dados dos EUA. A queda se acelerou desde a pandemia de covid-19.

O objetivo da diversificação alinha-se com os de outros países do Brics – grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que deve dominar a economia global até 2050.

O Brics até discutiu a ideia de uma moeda comum no futuro, o que poderia potencialmente desafiar o dólar como moeda de reserva mundial.

Por que a China quer diversificar

As nações do Brics, incluindo a China, estão preocupadas com a forma como Washington utiliza o dólar como arma para preservar a sua posição econômica e geopolítica global.

O atual status do dólar permite aos EUA pedir dinheiro emprestado a um custo muito mais baixo. Washington também pode utilizar a moeda como instrumento diplomático, por exemplo, ao impor sanções à Rússia, ao Irã e à Coreia do Norte.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, os EUA e a União Europeia impuseram várias rodadas de sanções a Moscou, incluindo o congelamento das reservas cambiais do banco central russo.

Sob pressão dos EUA, a maioria dos bancos russos também foi expulsa do sistema de pagamentos SWIFT, que facilita as transferências internacionais de dinheiro.

“Penso que [as sanções] fizeram com que muitos bancos centrais pensassem cuidadosamente sobre o que detêm nas suas reservas”, disse Reade à Bloomberg no mês passado.

Os líderes chineses estão preocupados que o país possa enfrentar restrições semelhantes dos EUA se decidir lançar alguma ofensiva militar ou se a guerra comercial com Washington piorar.

O presidente chinês, Xi Jinping, disse que seu país poderia reconquistar Taiwan, uma ilha democraticamente administrada que Pequim considera seu próprio território, pela força, se necessário. Se uma tentativa de anexação de Taiwan vir a cabo, Pequim poderia sofrer fortes sanções americanas, por exemplo.

O analista do Conselho Mundial do Ouro espera que as compras dos bancos centrais continuem durante vários anos, um sinal de que a diversificação está longe de terminar.

Mesmo depois vários meses de compras, as reservas de ouro da China representam cerca de 4% do total do PBC – valor bem abaixo do limite de reserva dos bancos centrais dos países desenvolvidos.

Muitos analistas acreditam que o preço do ouro tenha sido sobreinflacionado pelos especuladores e que a procura contínua por parte de bancos centrais como o da China pode não estimular os preços a subirem muito.

Mesmo assim, ao contrário do papel-moeda, o ouro tem valor intrínseco, pois é uma mercadoria rara e difícil de extrair. Também tem múltiplos usos econômicos, em eletrônica, odontologia, ferramentas médicas e nos setores de defesa, aeroespacial e automotivo.