Por que o 1º de abril é chamado de Dia da Mentira?

A história mais frequentemente repetida é que esse dia, em que as pessoas pregam pequenas peças nos outros por diversão, data de 1582, quando a França mudou de calendário, conforme exigido pelo Concílio de Trento, em 1563.

Até o papa Gregório 13 introduzir o calendário gregoriano em 1582, a Europa seguia o calendário juliano, instituído pelo imperador romano Júlio César em 46 a.C. e no qual o novo ano começava com o equinócio da primavera, por volta de 1º de abril.

Os desinformados, que continuaram comemorando o ano novo em 1º de abril, logo se tornaram alvo de piadas e ganharam o título ignominioso de “tolos de abril”.

Desde então, as pegadinhas atravessaram os séculos e foram se modernizando. Nas últimas décadas houve de tudo: de companhias aéreas a museus e zoológicos entram na onda de pregar peças em 1º de abril.

Em 2010, o Museu de História Natural da Dinamarca lançou um folheto com uma versão esquelética da famosa atração turística da cidade, A Pequena Sereia.

Um ano depois, a equipe do Zoológico de Bristol, na Inglaterra, realizou suas tarefas cotidianas sem roupa, como parte de um experimento fictício sobre a “sensibilidade sensorial dos gorilas”.

O Museu de Cera Madame Tussauds de Londres apresentou em 2017 uma instalação especial: “O Homem Invisível”, em que apenas um par de sapatos era exibido.

Até na imprensa – tradicionalmente vista como a guardiã da verdade – era comum, nesse dia, abrir exceções e fazer pegadinhas.

Elas foram mais populares e tiveram mais impacto nas décadas anteriores à internet e ao Google, quando as notícias só estavam disponíveis na mídia impressa, no rádio e na televisão. A verdade, então, era revelada apenas no dia seguinte ou por leitores, ouvintes ou telespectadores perspicazes que detectavam as piadas nas entrelinhas.

Em 2009, a CNN elegeu uma pegadinha da concorrente BBC como “o maior trote que uma empresa de notícias respeitável já aplicou”. No Dia da Mentira de 1957, um dos principais programas da BBC, o Panorama, exibiu um vídeo falso de três minutos que mostrava uma família no sul da Suíça supostamente colhendo espaguete de uma árvore.

Como o espaguete era um produto relativamente desconhecido no Reino Unido naquela época, muitos telespectadores contataram a BBC para saber como cultivar suas próprias “árvores de espaguete”.

Piadas virais ou notícias falsas?

Mas essa época de pegadinhas da mídia ficou para trás. Hoje, com as notícias viralizando nas redes sociais, corre-se o risco de que as piadas sejam confundidas com fatos verídicos e cheguem às manchetes mundiais – e, consequentemente, prejudiquem a imprensa, que é cada vez mais equivocadamente acusada de espalhar notícias falsas.

Por exemplo, o Futurism.com publicou um texto em 2017 com o título “Plutão foi oficialmente reclassificado como planeta!” e creditou a mudança de status à União Astronômica Internacional. Apesar de ser uma piada de 1º de abril, a “notícia” foi veiculada por outros sites sem nenhuma checagem de fatos – e a mentira se disseminou.

Quando a editora do dicionário Collins declarou “fake news” como a palavra do ano de 2017, vários jornais ao redor do mundo abandonaram a tradição de publicar histórias inventadas no Dia da Mentira.

Magnus Karlsson, editor-chefe do diário sueco Smalandsposten, disse que não queria o nome do jornal associado a histórias “potencialmente virais e errôneas”.

“Trabalhamos com notícias reais. Inclusive no dia 1º de abril”, afirmou.

Enquanto isso, brincalhões notáveis, incluindo o Google, têm se abstido da tradição desde 2020, quando as fake news em torno da pandemia de covid-19 já se proliferavam de forma preocupante.

Mesmo que não seja mais um hábito, algumas surpreendentes “notícias de 1º de abril” entraram para história como ótimas sacadas. Confira algumas das pegadinhas mais famosas.

1977: Você conhece o caminho para San Serriffe?

O jornal britânico Guardian noticiou o 10º Dia da Independência da ilha tropical de San Serriffe, um paraíso em forma de ponto e vírgula perto das Ilhas Seychelles. A reportagem de sete páginas tinha até um mapa do arquipélago que apresentava lugares, portos e pontos cujos nomes eram todos trocadilhos de fontes e tipos de letra.

1993: Em defesa dos esquilos

A estação de rádio alemã Westdeutsche Rundfunk anunciou um decreto das autoridades de Colônia de que as pessoas só poderiam correr a uma velocidade máxima de 10 quilômetros por hora nos parques da cidade. Um ritmo mais rápido que isso poderia atrapalhar os esquilos no auge da temporada de acasalamento.

2009: falsos pandas

O Taipei Times disse que “as relações Taiwan-China sofreram um grave revés ontem, quando se descobriu que os pandas do zoológico de Taipei não são o que parecem”.

O jornal informou que os pandas, um presente do governo chinês, eram ursos marrons tingidos para se parecerem com pandas.

Imagine uma pegadinha dessas nos dias de hoje, com as acirradas tensões entre China e Taiwan?

2011: Voos somente para adultos

Um comunicado de imprensa da companhia aérea Ryanair de 31 de março de 2011 dizia que a empresa introduziria voos “livres de crianças” a partir de outubro daquele ano. Embora fosse uma brincadeira de 1º de abril, o boato ganhou força.

Um comentário no site do USA Today dizia: “Todas as companhias aéreas deveriam oferecer voos sem crianças. Se você já voou por seis horas com algum pirralho chutando o encosto do seu assento o tempo todo, então você concorda com isso.”

2016: Sem nudez, por favor

A National Geographic anunciou via Twitter em 2016 que não iria mais publicar fotos de animais nus – uma brincadeirinha de 1º de abril.