Depois de longas décadas coberto por plantação de cana-de-açúcar e pasto maltratado, o solo do sítio da família Santana, em Boituva, interior paulista, volta ao seu estado original: coberto por Mata Atlântica.

A floresta brota, ganha forma à medida que as 100 mil mudas de árvores nativas crescem. A área em reabilitação desde 2018, que já foi destruída tantas vezes pelo fogo, agora é visitada por onça-parda, tamanduás e veados.

“Eu fico muito feliz, mas está muito aquém do que eu gostaria”, diz Vera Santana, empresária que, junto com a família, adquiriu o sítio vizinho à propriedade onde mantém uma granja e escolheu restaurar a vegetação.

Esses 200 hectares em fase de recuperação fazem parte de um plano maior, o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica. O projeto tem a meta de restaurar 15 milhões de hectares até 2050 do bioma mais devastado do país. É como trazer a mata de volta numa área equivalente à metade da Alemanha.

A proposta, considerada ambiciosa, é modelo para o resto do mundo. O Pacto e a Rede Trinacional para a Restauração da Mata Atlântica, que reúnem 300 parceiros do Brasil, Argentina e Paraguai, foram escolhidos entre as dez iniciativas a serem seguidas em todo o globo. A nomeação foi feita durante a Conferência da Biodiversidade da ONU (COP 15), que segue até a próxima segunda-feira (17/12).

“É um momento importante, principalmente depois de tantos desmandos, em termos políticos, na área ambiental, em que as ações de restauração não eram valorizadas”, comenta Ludmila Pugliese, coordenadora Nacional do Pacto pela Restauração, em entrevista à DW.

Da destruição a um modelo para o futuro

Primeiro bioma brasileiro a ser amplamente ocupado e destruído desde a chegada dos colonizadores, a Mata Atlântica é a que tem maior potencial para a restauração de florestas tropicais destruídas. O dado é científico, apontado por pesquisadores que avaliaram as condições em diversos países e que publicaram a descoberta num artigo em 2019.

Com uma área original que chegava a 1,3 milhão de quilômetros quadrados ao longo de grande parte da costa brasileira, a Mata Atlântica foi drasticamente reduzida a 12,4% de florestas primárias. Ao mesmo tempo, é nesse espaço, que se estende por 17 estados, que vive 70% da população e onde 80% do PIB nacional é gerado.

O desmatamento é acompanhado desde 1990 pela Fundação SOS Mata Atlântica, uma das fundadoras do Pacto, em 2009, que envolve ONGs, empresas, governos e universidades. “Nós também trabalhamos há 28 anos na restauração. Já são mais de 42 milhões de árvores plantadas desde então”, pontua Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de conhecimento da SOS, que acompanha a COP 15 em Montreal.

Dos 15 milhões de hectares de nova floresta prometidos para 2050, cerca de um milhão estão plantados. “Mas a meta é alcançável, temos bastante terra disponível para isso”, afirma Pinto.

Se o Código Florestal for cumprido à risca, que obriga os proprietários a manterem Áreas de Preservação Permanente (APP), 3 milhões de hectares de Mata Atlântica serão restaurados automaticamente.

Terras degradadas, de baixa aptidão agrícola e com pastos abandonados somam mais 4 milhões de hectares. “Só isso garantiria mais um estado do Rio de Janeiro de floresta restaurada”, adiciona Pinto.

“Temos gargalos, mas a expectativa é que a curva de restauração seja exponencial. E que tenhamos investimento financeiro, público e privado, para que consigamos fazer isso”, argumenta Ludmila Pugliese.

A expectativa é que a nomeação feita durante a COP 15 atraia mais apoio técnico e dinheiro. A escolha faz parte das ações planejadas para a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas, movimento coordenado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para frear a degradação da natureza em todo o globo.

Valor da floresta em pé

Flavia Balderi, fundadora da Associação Ambientalista Copaíba, sabe que o trabalho não será simples. “Nós já enfrentamos muitos desafios no processo de recuperação, como eventos climáticos extremos, ataque de formigas, gado solto que pisoteia as mudas. Mas tudo começa com a vontade do dono da terra. Fazer esse trabalho de convencimento, muitas vezes, não é fácil”, detalha.

Na região de Campinas, interior paulista, a Copaíba já ajudou a recuperar nascentes, margens de rios e viu o despertar de muitos para a questão ecológica. “Trabalhamos bastante com produtores de café. Quando eles veem a água voltar a correr depois que a mata cresce, eles incentivam a restauração. E ainda podem agregar essa preocupação ecológica e oferecer um produto diferenciado”, comenta Balderi.

Os custos de recuperar a Mata Atlântica, por outro lado, ainda podem ser um obstáculo. “Hoje existem várias metodologias e buscamos intervenções de menor custo e menor esforço. Temos também áreas prioritárias, que levam em conta a conectividade com outras áreas de floresta, a produção de água, segurança hídrica no geral, e os benefícios para população”, explica Pugliesi.

A fazenda de Patrick Assunção, em Pindamonhangaba, a 150 quilômetros de São Paulo, virou um laboratório. Acostumado ao plantio de arroz e à exploração de eucalipto, o produtor desenvolveu um interesse pelo manejo florestal de árvores nativas da Mata Atlântica que o aproximou da conservação.

“A floresta recuperada está ganhando valor, seja pelo Pagamento por Serviços Ambientais ou pelo mercado de carbono, que está se consolidando como grande aliado da restauração. São mecanismos importantes. O fato de você ser obrigado a recuperar as APPs e Reserva Legal não traz só benefícios ambientais, como a questão da água, mas está mostrando para o produtor o valor da floresta em pé”, analisa Assunção.

Antes que 2050 chegue, Luis Fernando Guedes Pinto, da SOS Mata Atlântica, espera que os benefícios da restauração sejam mais evidentes. “Ela combina a questão da proteção da biodiversidade, a permanência das espécies ameaçadas, a conservação da água, o que diminui o risco de crise hídrica, garante produção nas hidrelétricas e de alimentos”, nomeia alguns exemplos.