03/11/2025 - 18:33
Medida que visa combater a violência de gangues tem eficácia questionada, mas encontra adeptos em outros países da UE. Especialistas alertam que redução não impedirá o crime e pode ainda prejudicar a reabilitação.Em setembro, o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, anunciou planos para reduzir a idade de responsabilidade penal na Suécia de 15 para 13 anos para os crimes mais graves, incluindo homicídio e atentado a bomba qualificado.
A reforma é uma resposta ao aumento da violência letal entre gangues. A polícia afirma que as redes criminosas estão recrutando cada vez mais crianças para realizar tiroteios e transportar armas, já que os menores de 15 anos não podem ser processados.
O governo em Estocolmo já havia anunciado a criação de unidades especiais de detenção para jovens de 15 a 17 anos em prisões suecas. De acordo com a nova proposta, o plano está sendo expandido para incluir também unidades prisionais para jovens de 13 a 14 anos. Segundo o Ministério da Justiça sueco, jovens infratores poderão começar a ser enviados para esses centros de detenção já em meados de 2026.
O governo argumenta que a mudança fechará uma brecha explorada pelas gangues. Mas especialistas jurídicos, organizações de direitos da criança e assistentes sociais alertam que a redução do limite não impedirá o crime e poderá prejudicar a reabilitação.
Diferenças entre os países da UE
As idades mínimas de responsabilidade penal na Europa variam drasticamente: de 10 anos na Irlanda a 16 em Portugal e Luxemburgo.
Apesar das diferenças, todos os países da União Europeia (UE) têm sistemas de justiça juvenil separados para menores de 18 anos, onde o foco deve ser a educação e a reabilitação, em vez da punição. No entanto, a linha entre proteger e processar menores tem se tornado cada vez mais tênue à medida que se intensifica o debate político em torno da criminalidade juvenil.
Em países com limites de idade mais altos, como Finlândia ou Portugal, a ênfase está firmemente na reintegração social. Em outros lugares, a crescente preocupação com o envolvimento de jovens em crimes violentos tem alimentado apelos para o endurecimento das regras – uma tendência agora visível na Suécia e na Alemanha, por exemplo.
Alemanha: pressão por leis mais rígidas
A legislação penal alemã estabelece a idade de responsabilidade penal em 14 anos. Infratores entre 14 e 17 anos são julgados em tribunais juvenis que priorizam a reabilitação, o serviço comunitário e o aconselhamento em vez de penas de prisão.
Membros do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), do chanceler federal Friedrich Merz, assim como políticos de extrema-direita, defendem a redução da idade penal para 12 anos, citando o aumento dos casos de violência juvenil. Estatísticas federais sobre crimes mostram que o número de crianças suspeitas de crimes violentos aumentou 11,3% em 2024, embora os níveis permaneçam muito abaixo dos registrados no início dos anos 2000.
Na Alemanha, assim como na Suécia, defensores dos direitos das crianças e especialistas jurídicos se opõem à redução da idade limite. Alguns defendem que se realize primeiro uma pesquisa sobre a possibilidade de a medida reduzir ou não o número de jovens que cometem crimes e qual seria o impacto sobre as crianças.
Até o momento, o governo alemão demonstrou pouco interesse em impor mudanças, mantendo uma abordagem que prioriza a reabilitação e que há muito tempo molda sua filosofia de justiça juvenil. Esse debate, porém, já ressurgiu diversas vezes, e a decisão da Suécia poderá servir de inspiração para os legisladores conservadores.
Irlanda, o limiar mais baixo da Europa
A Irlanda tem a idade de responsabilidade penal mais baixa da UE. De acordo com a Lei da Criança do país, idade de responsabilidade penal para a maioria dos casos é de 12 anos, mas para crimes graves como homicídio, assassinato ou estupro, o limite pode ser rebaixado para 10 anos.
Essa política tem sido alvo de críticas de grupos de direitos humanos, incluindo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Conselho da Europa, que recomendam uma idade mínima de ao menos 14 anos. Ativistas na Irlanda têm instado os legisladores a aumentar o limiar, argumentando que a lei atual contraria os padrões modernos de proteção à criança.
O governo irlandês, no entanto, defende essa política, destacando tribunais juvenis especializados e programas que ficam na educação e na justiça restaurativa. Ainda assim, com a crescente pressão internacional, está sendo discutida uma revisão da legislação.
Por que a Dinamarca mudou de rumo
A Dinamarca oferece um exemplo que pode servir de lição. Em 2010, o governo de centro-direita reduziu a idade de responsabilidade penal de 15 para 14 anos, na esperança de conter a criminalidade juvenil. Dois anos depois, um novo governo reverteu a decisão. Estudos não encontraram uma redução nos delitos entre jovens de 14 anos. Além disso há evidências de que a prisão precoce aumenta a reincidência.
Para muitos em Bruxelas, isso serve como um lembrete de que reformas punitivas podem ter boa aceitação política, mas raramente produzem resultados duradouros.
Em toda a UE, a questão de o quanto uma criança pode ser demasiadamente jovem para ser punida permanece politicamente controversa. A proposta sueca se encaixa em uma tendência mais ampla de se utilizar uma retórica mais dura sobre crimes juvenis. No entanto, pesquisas como um estudo de 2025 da Dinamarca sugerem que a criminalização precoce pode dificultar a reintegração.
Pesquisadores nos EUA também descobriram que a prisão juvenil precoce prejudica o desenvolvimento positivo das crianças e frequentemente tem efeitos negativos a longo prazo.
À medida que os países da UE ponderam entre a dissuasão e a reabilitação, o verdadeiro desafio pode estar não em quão baixa deve ser a idade limite, mas em como as sociedades ajudam as crianças vulneráveis a evitar o crime por completo.
