Três turistas e um homem com autorização de residência permanente foram detidos por várias semanas pelas autoridades de imigração americanas. Casos acenderam alerta em Berlim para cerco promovido por Trump.Agentes de imigração nos Estados Unidos são conhecidos pela postura rígida, por vezes agressiva, durante os controles de passaporte nas fronteiras e aeroportos. No entanto, cidadãos da União Europeia são autorizados a entrar no país sem a necessidade de visto e podem permanecer por 90 dias, desde que preencham o formulário do Sistema de Autorização de Viagem (Esta, na sigla em inglês) e sejam aprovados em uma verificação de antecedentes.

Então por que quatro cidadãos alemães seguem detidos há semanas pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) desde o começo de 2025?

Os casos refletem o cenário mais amplo do cerco à imigração intensificado após o presidente dos EUA, Donald Trump, voltar à Casa Branca. O republicano chegou a invocar uma lei do século 18 para prender mais imigrantes, mas a manobra foi anulada pela Justiça.

O governo americano também organizou voos para a deportação em massa de imigrantes ilegais para vários países, inclusive o Brasil. Em muitos deles, houve denúncias de tratamento considerado degradante, com uso indiscriminado de algemas e correntes – embora alguns desses procedimentos já fossem comuns antes da posse de Trump.

Alemão com autorização de residência detido sem acusação formal

“Me sinto impotente”, desabafou Astrid Senior à imprensa local em Boston após o filho dela, Fabian Schmidt, ter sido detido no aeroporto de Logan, o principal da cidade, em 7 de março. Senior e Schmidt não são turistas – morando no país desde 2007, eles têm a autorização de residência permanente, o chamado “Green Card”.

Schmidt, de 34 anos, foi interrogado “por horas”, ao retornar de uma viagem à Alemanha e ser informado apenas que o Green Card dele havia sido sinalizado pelas autoridades.

Senior relatou que o filho foi privado de sono, comida e água, e teve a medicação para ansiedade retida. A saúde de Schmidt se deteriorou tanto que ele teve que ser levado para um hospital local.

Embora tenha confirmado a intervenção médica, o ICE disse à mídia americana que não poderia comentar o caso por razões legais. Em declarações à imprensa, o advogado de Schmidt, David Keller, alegou que nem ele nem o seu cliente foram informados dos motivos da detenção.

John Gihon, da Associação Americana de Advogados de Imigração, disse à DW que não há limite legal para o tempo que alguém pode ser mantido em detenção pelo ICE sem ser informado das acusações formais.

“No passado, o ICE tinha uma política de entregar documentos de acusação em 72 horas. No entanto, essa política parece não estar mais em vigor”, explicou.

Em entrevista à rádio pública de Boston WGBH, Astrid Senior confirmou que o filho dela já teve passagens pela polícia por infrações menores, como dirigir sob influência de álcool e uma acusação de porte de maconha, mas nenhuma nos últimos anos.

A acusação relacionada à maconha foi retirada após a legalização da droga na Califórnia, onde o incidente ocorreu. No entanto, ele descumpriu uma intimação judicial em 2022, depois que as autoridades não a encaminharam para seu novo endereço em New Hampshire.

“Fabian me disse que sente muito medo”, lamentou Senior sobre o filho, que é engenheiro elétrico e tem uma parceira de longa data, além de uma filha de 8 anos. Ela acrescentou que Schmidt foi pressionado a renunciar ao seu Green Card, mas que ele não concordou em fazê-lo. Schmidt permanece em um centro de detenção de imigração em Rhode Island, onde vários ativistas e apoiadores começaram a se reunir para protestar contra sua prisão.

O ministério das Relações Exteriores da Alemanha informou à DW que o “nosso Consulado Geral em Boston está prestando assistência à pessoa em questão e está em contato com ele, os membros da família dele e autoridades locais”.

Turista detido por semanas

Lucas Sielaff, um jovem de 25 anos da cidade de Bad Bibra, no leste da Alemanha, contou à revista Der Spiegel sobre uma experiência igualmente angustiante no início deste mês. Ele foi liberado após duas semanas e deportado para o país europeu.

“Eu estava com raiva, triste e com medo”, lembrou, descrevendo o que aconteceu durante enquanto visitava sua noiva americana, que mora no estado de Nevada, no oeste dos EUA, uma das muitas viagens que ele fez nos últimos anos.

O casal decidiu levar seu cachorro doente a um veterinário no México, onde é mais fácil conseguir consultas. Sielaff descreveu um interrogatório tenso na fronteira no caminho de volta, dizendo que suspeitava que o policial da patrulha da fronteira presumiu que ele estava vivendo ilegalmente nos EUA e que estaria tentando contornar a autorização de 90 dias fazendo a curta viagem para fora do país.

Sielaff afirmou ter sido algemado em volta da barriga e dos pés antes de ser levado para um centro de detenção do ICE na Califórnia, onde foi colocado em uma cela com outros 128 homens. Em 6 de março, após duas semanas sem ser informado sobre seu caso, ele foi colocado em um voo para Munique.

O caso é semelhante ao de Jessica Brösche, uma tatuadora de Berlim que ficou detida pelo ICE por duas semanas no início deste ano. Brösche estava tentando cruzar a fronteira doMéxico para os EUA em 15 de janeiro, quando um policial encontrou equipamento de tatuagem em sua bolsa e suspeitou que ela tentasse trabalhar ilegalmente nos EUA. A turista foi deportada para a Alemanha após seis semanas de detenção.

Celine Flad, 22, é outra alemã que se viu em situação complexa quando tentou tirar férias em Nova York e Miami. A estudante universitária revelou à Der Spiegel que, apesar de ter um passaporte válido e uma autorização pelo ESTA, foi informada de que havia um “problema” com seu passaporte. Ela foi mantida presa por 24 horas, durante as quais lhe perguntaram repetidamente por que queria entrar nos EUA. Flad acrescentou que os policiais pegaram seu smartphone e vasculharam suas fotos.

Apesar de mostrar aos policiais reservas de hotel em Nova York e Miami, além de passagens aéreas para Cancún, no México, os agentes disseram que ela seria enviada de volta para a Alemanha o mais rápido possível. Ela nunca foi informada sobre qual era o problema.

Alemanha emite alerta de viagem

Os quatro cidadãos alemães não são os únicos a relatarem situações difíceis com as autoridades de imigração americanas. Turistas de outros países com direito à isenção de visto, como Canadá e França, também denunciam incidentes similares.

Neste ambiente, o ministério das Relações Exteriores em Berlim emitiu um alerta aos seus cidadãos que planejam uma viagem aos EUA, em que enfatiza que ter um visto americano ou um formulário do ESTA não garante acesso para cidadãos alemães.

À DW, pasta disse “estar levando os incidentes que ocorreram nas últimas semanas muito a sério”.