06/01/2022 - 17:19
Na Coreia do Sul, estão em alta as especulações sobre o motivo por que um norte-coreano que fugiu para o Sul em novembro de 2020 já retrocedeu sobre os próprios passos através da Zona Desmilitarizada (DMZ) no primeiro dia de 2022, para voltar ao Norte.
Alguns dissidentes rumo ao Sul relatam que por vezes é difícil para outros entender a pressão que sofrem tentando se adaptar a um novo modo de vida completamente diferente de tudo o que viveram anteriormente.
Um desertor cuja tia também voltou ao Norte contou à DW que as saudades e o desejo de ver a família que deixara para trás foi a maior motivação para a decisão, apesar dos riscos de ser punida pelo regime de Kim Jong-un.
A cobertura da imprensa sobre a “deserção bumerangue”, como vem sendo descrita, se concentrou inicialmente em criticar os militares que vigiam a fronteira mais fortificada do mundo, por não impedirem o homem de chegar à Coreia do Norte. Ele foi identificado apenas com seu nome de família, Kim.
Deserções pela Zona Desmilitarizada são raras. Trata-se de uma fronteira de 248 quilômetros de extensão e quatro quilômetros de largura, armada com minas terrestres, obstáculos antitanque e tropas de combate nos dois lados, além de cercas de arame farpado. O Exército da Coreia do Sul é maciçamente criticado quando alguém passa pela Zona Desmilitarizada sem ser detectado.
Falha “grave” de vigilância
Em resposta às críticas, os militares sul-coreanos se desculparam nesta quarta-feira (05/01) por causarem preocupações públicas sobre o preparo de seu esquema de segurança.
“Sinto realmente por causar preocupações à população devido a esse incidente”, disse o diretor do Estado-Maior Conjunto da Coreia do Sul, general Won In-choul, a deputados. “Prometo não poupar esforços para que não haja recorrência de incidentes dessa ordem.”
O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, classificou o ocorrido como “grave falha” de vigilância, que o Exército não deveria repetir. Ele ordenou uma investigação especial da disposição geral de segurança dos militares.
Além das condenações ao Exército, há questionamentos sobre o motivo para o desertor escolher retornar a um país onde a vida parece ser muito mais difícil, pelo menos da perspectiva de alguém de fora.
Batalha na sociedade
Há relatos de que ele só conseguira trabalho como faxineiro e estava lutando para sobreviver. O Ministério da Unificação, cuja tarefa é administrar cursos a todos os desertores para familiarizá-los com a vida no Sul, declarou que o homem recebeu assistência financeira, ajuda para encontrar acomodação e trabalho e também assistência médica.
Mesmo assim, dos mais de 30 mil norte-coreanos que realizaram a perigosa jornada para o Sul, pelo menos 30 escolheram voltar ao país de origem na última década.
“As razões são diferentes para todos que voltam”, diz Chan-yang Ju, que fugiu de Chongjin, no extremo nordeste da Coreia do Norte, em 2010. “Alguns têm muita dificuldade em manter um emprego, outros têm problemas de adaptação às diferenças culturais, alguns se sentem discriminados.”
Enquanto Ju, de 30 anos, diz não se esforçar para esconder seu forte sotaque norte-coreano, outros desertores afirmam que essa característica os transforma em objeto involuntário da curiosidade alheia.
A tia de Ju já foi expulsa de um táxi quando o motorista a questionou sobre o sotaque e ela o informou de que era uma desertora do Norte. Sobretudo os sul-coreanos mais idosos manifestam reservas profundas sobre o Norte, já que muitos lembram da Guerra da Coreia (1950-53), explica Ju.
A decisão de “redesertar”
O incidente com o motorista de táxi, no entanto, não foi a razão de a tia de Ju voltar para o Norte, apesar de membros da família que também se estabeleceram no Sul terem pedido que ficasse.
“A irmã mais velha do meu pai chegou ao Sul por volta de 2015, mas deixou a única filha para trás no Norte”, explica a desertora. “Ela era médica e, portanto, uma pessoa importante na sociedade norte-coreana, e sua filha também se tornou médica e não queria deixar o Norte.”
A tia de Ju teve dificuldades iniciais de se estabelecer no Sul. Para trabalhar como médica, teve que obter novas qualificações, mas fracassou e acabou sendo obrigada a trabalhar num restaurante. Em 2018, havia decidido voltar, mesmo com o próprio irmão pedindo que reconsiderasse, lembra Ju.
“Não sabemos muito sobre ela desde que voltou, porque seria perigoso para ela se tentássemos contatá-la. Mas ouvimos que está sendo obrigada a participar de reuniões para contar que desertou para o Sul, mas que a vida lá era terrível e que, por isso, voltou. É propaganda, mas agora ela não tem escolha.”
Razões para voltar
Casey Lartigue é cofundador e copresidente do Freedom Speakers International, um grupo com sede em Seul que ajuda desertores a aprenderem inglês para terem melhores oportunidades de trabalho. Ele diz conhecer incontáveis histórias sobre as dificuldades enfrentadas pelos desertores, depois de alcançarem o que lhes parecia uma espécie de paraíso, quando ainda estavam no Norte.
“Mesmo entre refugiados norte-coreanos que escaparam e estão felizes com isso, algumas vezes há questões de família no Norte que podem motivá-los a voltar”, explica Lartigue.
“Alguns refugiados foram presos na China depois de voltarem para ver como estavam os filhos ou parentes, por não confiarem nos mediadores, ou voltavam para ajudar um parente com problemas ou até para trazer outros que tinham medo de fugir sozinhos.”
“Alguns se perguntam porque alguém voltaria para a Coreia do Norte, mas poderia ser porque os novos problemas no Sul são vistos como mais uma coisa ruim que acontece em suas vidas”, observa o ativista. “E para alguns, a resposta é voltar para algum lugar que, pelo menos, pareça familiar.”