26/10/2025 - 11:38
Seja por conta dos hormônios ou de pressões familiares e sociais, muitas mulheres relatam precisar de mais do que oito horas de sono por noite. Tal impressão é corroborada pela ciência.O sono é uma necessidade humana universal, mas fatores biológicos e sociais moldam a forma como ele influencia cada pessoa. Estudos indicam, por exemplo, que as mulheres não apenas dormem de forma diferente dos homens, como também precisam dormir mais.
A DW conversou com mulheres de várias regiões do mundo, que compartilharam histórias de sono defasado e relataram os efeitos da chamada “privação de sono”.
Sana Akhand, por exemplo, chefiava um departamento de recursos humanos no setor de tecnologia de Nova York quando atingiu um ponto de exaustão, percebeu que isso estava afetando sua saúde mental e se sentiu forçada a deixar o emprego.
“Eu costumava tomar uma taça de vinho e desabar na frente da TV todas as noites”, contou à DW. “Eu estava exausta.”
Hoje, o sono é algo inegociável para o bem-estar de Akhand. É também um dos motivos pelos quais ela decidiu não ter filhos. Todas as noites, ela vai para a cama às 22h e dorme por nove horas. “Acordo por volta das 8h. É o que meu corpo quer”, conclui.
O que a ciência diz sobre sexo biológico e sono
Mulheres dormem em média de 11 a 13 minutos a mais por noite do que os homens. Alguns estudos sugerem que elas podem precisar de até 20 minutos extras para sustentar funções complexas durante o dia, como realização de múltiplas tarefas simultâneas, regulação emocional e ciclo menstrual.
Durante a primeira metade do ciclo menstrual, a fase folicular, o aumento dos níveis de estrogênio melhora a qualidade do sono e aumenta o sono REM – fase ligada aos sonhos, à memória e ao processamento emocional.
Mas na segunda metade do ciclo, a fase lútea, o aumento da progesterona pode causar sonolência e, paradoxalmente, piorar o sono – com mais despertares noturnos e até 27% menos sono profundo.
Shantani Moore, coach de inteligência corporal em Los Angeles, disse à DW que organiza sua rotina diária com base no ciclo menstrual e nos padrões de sono.
“É algo que trabalho conscientemente”, disse Moore. “Quando não durmo o suficiente, é como um casamento tóxico entre estar elétrica e exausta. Aí vem a mente confusa, decisões ruins, irritação com o parceiro, dizer ‘sim’ para coisas que não deveria… tudo se acumula.”
O peso da estrutura social
Além da biologia, fatores sociais e estruturais também afetam como e quão bem as mulheres dormem.
Sabrina, que vive em Karachi, no Paquistão, e pediu que seu nome fosse alterado na reportagem, disse que as demandas do dia a dia eram uma grande fonte de exaustão. Ela conta que costumava dormir apenas de seis a sete horas por noite, e que sentia que isso não era suficiente.
“Para me sentir descansada e manter a mente tranquila durante a semana, preciso de 12 horas [de sono por noite]. É mais do que a média de oito”, disse Sabrina.
Quando não consegue dormir tudo isso, ela tenta compensar com cochilos, que às vezes duram horas. “Um cochilo de 30 minutos pode virar quatro horas.”
Ela afirma que não é só o trabalho que a sobrecarrega, mas também o esforço mental e doméstico constante.
“De manhã, passo roupa, preparo o café da manhã e o almoço, limpo a casa e faço o jantar. E quando estou exausta demais para fazer isso, começo a me culpar mentalmente. Me sinto preguiçosa, mesmo que seja algo que leve só 10 minutos”, conta.
Nos fins de semana, quando visita a família, Sabrina dorme de 12 a 13 horas seguidas, sem interrupções.
Especialistas dizem que esse fardo não é apenas anedótico, e sim, sistêmico.
“As mulheres sofrem mais com distúrbios relacionados ao trabalho em turnos, além de trabalharem mais em horários não convencionais, sofrendo mais com os efeitos negativos disso”, disse Emerson Wickwire, especialista em sono da Universidade de Maryland, nos EUA.
“Se considerarmos [o horário] ‘das 9 às 17’ como padrão de jornada, isso significa que, em relação aos homens, as mulheres trabalham até fora desses horários, incluídas as demandas sociais”, disse Wickwire à DW.
Clara Paula, profissional autônoma em Berlim, parece ter encontrado uma solução como freelancer. À DW, ela conta como os horários flexíveis a permitem dormir mais quando precisa.
“Agora durmo sete, oito, até nove horas”, disse Clara. “Ninguém me obriga a ficar na frente do computador. Começo mais tarde, faço pausas e termino mais rápido. ”
Mas não se trata apenas da quantidade de horas, e sim da qualidade do sono. Pesquisas indicam que a fisiologia feminina faz com que as mulheres precisem dormir mais profundamente do que os homens.
“Com isso, nos referimos a mais sono N3, a fase mais profunda do sono não REM, e geralmente mais sono REM também”, explicou Julio Fernandez-Mendoza, psicólogo do sono e pesquisador clínico da Penn State Health, nos EUA.
Mesmo em estudos laboratoriais controlados, onde homens e mulheres saudáveis são monitorados sem estresse ou privação de sono, as mulheres dormem consistentemente mais e de forma mais profunda.
“É daí que vem a ideia de que mulheres talvez precisem biologicamente de mais sono”, disse Fernandez-Mendoza.
Esse conjunto de fatores pode estar ligado à resiliência biológica – um sistema de proteção observado em outras áreas da pesquisa, como saúde cardiovascular e longevidade.
“É natural que quando um corpo tem a capacidade de gerar vida ele precise ser protegido. Uma mulher precisa conseguir dormir e funcionar mesmo enquanto carrega outro ser humano”, pontuou o psicólogo.
Apesar dessa resiliência biológica, as mulheres relatam sintomas de insônia com o dobro de frequência em relação aos homens.
Segundo Fernandez-Mendoza, isso começa já na puberdade. “Por volta dos 11 ou 12 anos, as meninas começam a relatar mais dificuldades para dormir do que os meninos, e essa tendência continua na vida adulta.”
Dormir até mais tarde pode ajudar?
“Dormir até mais tarde [nos finais de semana] pode ajudar a recuperar o sono defasado e fazer com que você se sinta mais alerta”, explica o psicólogo do sono.
Mas isso não significa que o corpo esteja totalmente recuperado.
“Pode aliviar a sonolência, mas talvez não reverta os efeitos acumulados sobre a saúde”, disse ele.
Estudos mostram, por exemplo, que funções cognitivas, como atenção e tempo de reação, demoram muito mais para se recuperar.