Cirurgia de redesignação sexual visa alinhar características físicas à identidade de gênero e pode envolver diferentes técnicas. País asiático investe na formação de cirurgiões especializados desde 1970.Há sete anos, quando Marcela Bosa, 40 anos, decidiu fazer sua cirurgia de redesignação sexual ela não teve dúvidas, encarou sozinha quase 24 horas de viagem de avião e cruzou o Atlântico com destino à Tailândia. A distância da família e amigos, o idioma, tempo de viagem e o fuso horário não foram empecilhos para ela.

“Os médicos tailandeses são referência nesse tipo de cirurgia. Antes de fazer o procedimento pesquisei bastante, falei com pessoas que já haviam feito, o que me deu segurança em ir para lá. Tem também a questão do resultado estético. O procedimento que eles fazem fica perfeito”, diz Marcela.

A gerente de melhoria conta que, na época, gastou cerca de R$ 50 mil, incluindo a cirurgia, internação e gastos com passagem aérea. Valor menor do que ela gastaria para fazer o procedimento no Brasil, que custaria cerca de R$ 80 mil, segundo Marcela.

“Eu fiquei muito realizada em fazer a cirurgia lá. Desde os primeiros atendimentos até o pós-operatório, as enfermeiras se esforçam muito para que a gente se sinta bem e o resultado compensou tudo”, diz.

A cirurgia de redesignação sexual visa alinhar as características físicas do corpo à identidade de gênero, transformando a genitália para que corresponda ao gênero com o qual a pessoa se identifica, e pode envolver diferentes técnicas cirúrgicas, dependendo do caso e dos objetivos de cada paciente.

Um destino que virou referência mundial

A Tailândia é hoje um dos maiores polos mundiais quando o assunto é cirurgias de redesignação sexual. Desde a década de 1970, o país investe na formação de cirurgiões especializados e desenvolveu protocolos que os tornaram pioneiros em segurança e qualidade no procedimento cirúrgico. Por anos, o país foi um dos únicos lugares do mundo a oferecer esse tipo de cirurgia.

A capital do país asiático Bangkok é considerada a “capital mundial” da cirurgia trans, com clínicas e hospitais que recebem pacientes de mais de 80 países. Segundo dados de clínicas tailandesas, cerca de 3 mil procedimentos de redesignação sexual são realizados por ano na capital do país. As equipes médicas são altamente treinadas, e o sistema privado de saúde local é reconhecido pela combinação de tecnologia de ponta, preços competitivos e atendimento personalizado.

“Os médicos lá têm muita experiência no assunto o que dá uma segurança a mais para ir para o país fazer a cirurgia. Se tiver alguma intercorrência, eles vão saber lidar melhor com o problema, já que fazem várias cirurgias por semana, ao contrário do que acontece no Brasil, por exemplo”, comenta a empresária Mariana (nome fictício), de 28 anos. Por medo de sofrer preconceito, a empresária pediu para ter seu nome preservado.

A Preecha Aesthetic Institute e o Kamol Hospital são alguns dos centros mais procurados pelos pacientes. Segundo as clínicas, o valor atual do procedimento custa, em média, 17 mil dólares, o equivalente a cerca de R$ 79 mil. Com os custos de passagem, o valor pode chegar a R$ 100 mil.

Existe mais de um tipo de cirurgia de modificação corporal que pode ser feita por pessoas trans. No caso das mulheres trans, na Tailândia são cinco tipos de cirurgia genital para a construção da neovagina.

O tempo de recuperação varia de acordo com o procedimento. Na maioria dos casos, a paciente tem alta em dois ou três dias, mas precisa ficar no país por cerca de 20 dias para receber os cuidados pós-operatório. Por isso, os principais hospitais que fazem esse tipo de procedimento, possuem também quartos para a hospedagem desses pacientes.

Diferentes regras

Para fazer a cirurgia de redesignação sexual tanto no Brasil quanto na Tailândia é necessário seguir algumas regras. Algumas diferenças nelas também fazem com que as brasileiras busquem o país asiático para fazer o procedimento.

Enquanto no Brasil a idade mínima é de 21 anos, na Tailândia pessoas acima de 18 anos já podem fazer o procedimento. Apesar da autorização do procedimento para maiores de idade, algumas clínicas tailandesas exigem idade mínima de 20 anos do paciente ou então que ele tenha uma autorização assinada pelos pais.

Além disso, os hospitais tailandeses requerem um ano de tratamento hormonal antes da cirurgia, já no Brasil, o Ministério da Saúde exige que seja realizado ao menos dois anos de tratamento antes do procedimento cirúrgico.

Cirurgias no Brasil

No Brasil, a cirurgia de redesignação sexual é feita tanto por clínicas particulares como pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que incorporou o procedimento em 2008 para mulheres trans e em 2019 para procedimentos de redesignação do sexo feminino para o masculino.

Para passar por esses procedimentos no SUS é preciso seguir alguns passos. O primeiro é procurar uma unidade básica de saúde para começar o tratamento hormonal, disponível a partir dos 16 anos.

Depois, o paciente é encaminhado para fazer acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Esse acompanhamento precisa ser feito por no mínimo dois anos para que então a pessoa possa receber a recomendação médica para a cirurgia.

Porém, por mais que as cirurgias de redesignação sejam gratuitas pelo SUS, os pacientes esbarram em entraves como a fila de espera, que pode demorar cerca de dez anos, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Além disso, só nove estados brasileiros têm hospitais que realizam os procedimentos, sendo eles: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. O estado da Bahia, por exemplo, começou a oferecer o serviço e fez a sua primeira cirurgia de redesignação sexual pelo SUS apenas em 2023.

“O número de centros é insuficiente e como os serviços ficaram suspensos durante a pandemia há muita demanda reprimida. Além disso, ainda há muito preconceito e falta de informação sobre o atendimento à saúde de pessoas trans, fazendo com que muitas se afastem do Sistema Único de Saúde e busquem outras formas de realizar a cirurgia”, explica Bruna Benevides, presidenta da Antra.

A reportagem da DW entrou em contato com o Ministério da Saúde e questionou sobre o tempo de espera para a cirurgia de redesignação sexual e quantos pacientes estão na fila do SUS aguardando o procedimento, porém o órgão não respondeu a essas perguntas.

“De acordo com o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), entre janeiro de 2014 e agosto de 2025, foram registradas 414 cirurgias de redesignação sexual em mulheres trans – ou seja, pessoas nascidas com sexo masculino que realizaram a transição para o sexo feminino – em hospitais habilitados para atenção especializada no processo transexualizador. Já as cirurgias de redesignação do sexo feminino para o masculino totalizaram 22 procedimentos entre 2019 e 2024”, limitou-se a dizer a pasta em nota.

As cirurgias de redesignação também podem ser feitas na rede particular de saúde. Os custos do procedimento no país giram em torno de R$ 70 mil. A Associação Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu há quatro anos esses procedimentos no rol de cobertura dos planos de saúde.