19/10/2025 - 17:01
Pequim resiste à disputa com Washington – e encontra novos parceiros no meio do caminho. Quanto mais Trump aumenta as tarifas, mais a confiança do governo chinês parece crescer.Um meme que circula na rede Truth Social resume bem o sentimento de muitos nos Estados Unidos: um broche de uma bandeira americana envolto em um plástico transparente onde se lê “feito na China”.
Quando a bandeira nacional dos EUA é produzida na China, como sugere a imagem, então é porque alguma coisa está errada, disso os apoiadores do presidente americano Donald Trump têm certeza. É por isso que eles conclamam os “patriotas” a boicotarem produtos chineses.
Mas os EUA teriam condições para isso? Será que o comércio bilateral de terras raras e smartphones produzidos na China, de um lado, e de soja e superchips feitos nos EUA, de outro, vai virar coisa do passado?
Dependência mútua
A resposta é “não”, principalmente para os EUA. “A dependência mútua dos dois lados continua a ser bem alta”, explica à DW o especialista em China Scott Kennedy, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês). “Apesar das diferentes preocupações com a segurança econômica, os dois lados ainda ganham significativamente com o comércio bilateral”, afirma ele.
Mas essa relação comercial entre os dois países não é nada equilibrada. Na última década, o déficit da balança comercial americana em relação à China aumentou de 295 bilhões de dólares para 382 bilhões de dólares (de R$ 1,59 trilhão para R$ 2,06 trilhões). Em 2024, a China exportou para os EUA mais que o triplo de mercadorias que recebeu de lá: cerca de 526 bilhões de dólares (R$ 2,8 trilhões).
Uma olhada nas estatística revela que produtos chineses fazem parte do cotidiano dos americanos. Dos 526 bilhões de dólares em mercadorias chinesas importadas pelos EUA, 127 bilhões de dólares eram smartphones e computadores. Tarifas mais altas, portanto, impactariam todos os consumidores americanos.
A reação de Pequim
As tarifas de Trump aborrecem Pequim. Mas diferentemente da Europa ou de outras regiões, a China tem se mostrado confiante, e promete “lutar até o fim”.
“Ameaçar com a imposição de altas tarifas não é o jeito certo de negociar com a China”, informaram diplomatas do país em um comunicado oficial em 13 de outubro. “Os EUA deveriam corrigir sua abordagem.”
Pequim já reagiu com tarifas e restrições a exportações de itens como terras raras – minerais essenciais na fabricação de carros elétricos, smartphones, semicondutores, turbinas e produtos militares. Mais de 90% do que os EUA consomem em terras raras é importado do exterior, e 80% vêm da China, que controla cerca de 60% da produção mundial desses recursos e quase 90% da capacidade de refino.
China passou a comprar soja do Brasil em vez dos EUA
A desavença entre EUA e China vai além dos minerais. Desde maio, Pequim não compra um único grão de soja vindo dos EUA, segundo o Departamento de Agricultura americano. Em 2024, essas exportações chegaram a quase 13 bilhões de dólares (R$ 70,3 bilhões). Agora a China compra do Brasil e da Argentina.
O boicote chinês à soja americana e as restrições à exportação de terras raras são a resposta ao controle de exportações imposto pelos EUA aos microchips, que desde 2022 vem sendo apertado, a fim de frear o acesso da China a tecnologia de ponta e inteligência artificial.
Para a especialista em China Christina Otte, da agência do governo alemão de promoção econômica Germany Trade & Invest (Gtai), a disputa tarifária expõe principalmente os pontos fracos dos EUA.
“Provavelmente os EUA são mais dependentes da China do que o contrário”, explica. “Porque apesar de os EUA ainda serem um mercado importante para os produtos da China, a sua relevância vem caindo continuamente desde o primeiro mandato de Donald Trump.”
Primeiro a Ásia, depois os EUA
Os números são claros. Segundo a agência de notícias Bloomberg, a China conseguiu compensar a queda de exportações aos EUA redirecionando suas mercadorias para outras regiões.
As exportações no período de setembro de 2024 a setembro de 2025 aumentaram 56% para a África, 16% para o Sudoeste Asiático, 14% para a União Europeia e 15% para a América Latina.
“Os EUA estão agora atrás dos países da Asean [Associação de Nações do Sudeste Asiático], mais ou menos equiparados à UE. No primeiro semestre de 2025, o comércio bilateral com os EUA caiu 10,4% em relação ao ano anterior”, diz Otte.
Mas ela também afirma que “empresas chinesas no exterior expandem sua produção para abastecer os EUA”. “Exportações são redirecionadas, por exemplo, pelo Vietnã e pela Malásia.”
Impacto também na dívida do Tesouro americano
Também a venda contínua de títulos do Tesouro americano mostra que a China está dando as costas para os EUA. Segundo dados do Congresso americano e do FED, o banco central americano, a China detinha em 2013 títulos de dívida emitidos pelo governo dos Estados Unidos no valor de 1,3 trilhão de dólares (R$ 7 trilhões).
Em março de 2025, porém, a China tinha apenas 765 bilhões de dólares (R$ 4,1 trilhões) em títulos da dívida – atrás, portanto, do Japão e do Reino Unido, e o terceiro maior credor entre países estrangeiros.
“Chimérica ainda não morreu”
Apesar dessa virada chinesa, os EUA ainda são um parceiro comercial importante para Pequim. “A China continua a depender de produtos americanos em alguns setores, como aviação, chips de alta performance ou semicondutores”, ressalta Kennedy. Ao mesmo tempo, acrescenta, produtos chineses continuam a ser uma parte importante das cadeias produtivas americanas, apesar da guerra tarifária.
Por isso, quando o presidente chinês Xi Jinping e Trump se encontrarem no final do mês na cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), em Gyeongju, na Coreia do Sul, um tema importante será conter os danos dessa espiral de tarifas.
Kennedy está otimista. “As relações entre os EUA e a China continuam a ser bastante robustas. A ‘Chimérica’ está abatida, mas ainda não está morta, e não se deixa erradicar tão facilmente”, brinca, aludindo ao neologismo que descreve a relação econômica simbiótica entre China e EUA.