21/12/2023 - 13:27
Um novo estudo global mostra como o sucesso educacional não depende de “mentalidade de crescimento” ou “ética de trabalho”, mas sim de fatores socioeconômicos.A pandemia de covid-19 atingiu duramente a educação das crianças. O desempenho em matemática, leitura e ciências diminuiu significativamente entre 2018 e 2022, e a tendência é mundial.
Pesquisas sugerem que crianças desfavorecidas sofreram mais devido a fatores socioeconômicos. As lacunas no desempenho acadêmico estão aumentando entre crianças ricas e aquelas mais pobres. Os pesquisadores afirmam que esse é um movimento global, mas se destaca principalmente nos países mais ricos, como os EUA e a Alemanha.
Agora, um novo estudo pretende explicar por que isso está acontecendo.
“Existe a crença de que alunos de baixa renda não têm algumas das habilidades sociais e emocionais, como mentalidade de crescimento ou perseverança, ou que eles têm uma atitude negativa em relação à escola. E que isso é parte da razão pela qual eles têm níveis mais baixos de desempenho”, disse Rob Gruijters, da Universidade de Cambridge e um dos principais autores do estudo. “Mas não há muitas evidências empíricas sobre essa ideia”, afirmou ele à DW.
O estudo, publicado na revista Sociology of Education, incluiu dados de 74 países, e conclui que é improvável que iniciativas para desenvolver autoconsciência e habilidades pessoais nas crianças reduzam a desigualdade educacional. E essa ideia está encontrando apoio de outros pesquisadores da área.
Antoanetta Potsi, especialista em educação da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, não participou do estudo, mas leu o artigo com entusiasmo: “Esse artigo mostra como o sucesso educacional não é uma questão de mentalidade ou atitude, e que a fonte da desigualdade social e educacional é a pobreza.”
O que causa a diferença acadêmica entre crianças ricas e pobres?
Nos EUA, alguns formuladores de políticas públicas têm apostado na ideia de que as crianças de baixa renda podem aprender “ética de trabalho” e “desenvolvimento de personalidade” como uma estratégia fundamental para reduzir as lacunas de desempenho.
Algo bem diferente do que aponta o estudo, que utiliza dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2018. O Pisa é um teste padronizado aplicado a jovens de 15 anos em todo o mundo para avaliar e comparar o desempenho dos alunos em matemática, leitura e ciências.
O Pisa também avalia competências psicológicas, como mentalidade de crescimento, autoeficácia e domínio do trabalho. O estudo analisou o papel dessas habilidades socioemocionais nas desigualdades de aprendizado.
“Descobrimos que as habilidades sociais e emocionais explicam apenas 9% da lacuna nos resultados de aprendizado entre crianças favorecidas e desfavorecidas”, disse Gruijters.
“A interpretação aqui é que, se pudéssemos criar os mesmos níveis de habilidades sociais e emocionais entre os alunos de renda mais alta e os de renda mais baixa, isso reduziria muito pouco a diferença de desempenho”, acrescentou.
Ensinar “ética do trabalho” provavelmente não funciona
Os autores do estudo argumentam que é improvável que as iniciativas para promover a aprendizagem social e emocional reduzam a desigualdade educacional.
“A desigualdade educacional não pode ser resolvida por meio da aprendizagem social e emocional. A ideia de que as crianças podem superar a desvantagem estrutural cultivando uma mentalidade de crescimento e uma ética de trabalho positiva ignora as restrições reais que muitos alunos sem recursos enfrentam, e corremos o risco de culpá-los por seu próprio infortúnio”, disse Gruijters.
Potsi disse que o verdadeiro problema aqui é a falta de ferramentas e oportunidades de aprendizado para muitas crianças mais pobres no ambiente doméstico.
“Esse estudo nos mostra que estamos caminhando na direção errada do ponto de vista das políticas. Abordar a injustiça no sistema educacional com o aprendizado social e emocional é completamente falso e enganoso. O que realmente precisamos fazer é combater a pobreza para criar oportunidades iguais”, disse Potsi à DW.
Essa questão ficou mais evidente durante a pandemia, quando as crianças mais desfavorecidas tiveram menos acesso a computadores ou livros em casa durante os períodos em que as escolas estavam fechadas.
Uma pesquisa realizada no Reino Unido, por exemplo, constatou que um terço dos alunos de áreas carentes não teve acesso adequado a ferramentas de aprendizagem em casa durante a pandemia.
O que os governos podem fazer para reduzir a lacuna na educação?
Gruijters acredita que os sistemas educacionais precisam ser reestruturados. “Muitas desigualdades no aprendizado surgem antes mesmo das crianças entrarem na escola. Quando as crianças têm de três a cinco anos de idade, já observamos lacunas substanciais em suas competências e habilidades. Se houvesse uma pré-escola de alta qualidade frequentada por todas as crianças, isso poderia combater as desigualdades em uma idade relativamente precoce”, disse.
Outra ideia, disse Gruijters, é redistribuir os melhores professores e recursos para escolas em áreas mais carentes. Mas isso não está acontecendo.
“Em vez disso, o que vemos em muitos países é o contrário, escolas frequentadas por crianças de classe média e alta com mais recursos. Além disso, há pais de alta renda que pagam por educação particular ou aulas particulares extracurriculares. Obviamente, isso fará uma grande diferença.”