De pagode a sertanejo, navios musicais são o destaque da temporada 2025/2026, que registrou um aumento de 20% na venda de cabines.Mais de 125 artistas , divididos em 14 palcos, durante 43 dias. Traduzindo em números, até parece um festival de música, como o Rock in Rio, o The Town ou a Lollapalooza. Mas, é a temporada 2025/2026 de cruzeiros temáticos musicais, que começa no dia 15 de novembro, com o Navio ChX, da dupla Chitãozinho & Xororó, e termina no dia 14 de janeiro, com o Navio do Zezé, do cantor Zezé di Camargo.

Serão 14 cruzeiros musicais (um a mais do que na temporada anterior): de Gilberto Gil a Ana Castela, de Leonardo a Wesley Safadão, de Belo a Gusttavo Lima. “O segredo do sucesso está na experiência. Na conexão entre o artista e seu fã, uma imersão com conforto e segurança”, afirma Bruno Ribeiro, vice-presidente da PromoAção, empresa referência no segmento. “Em terra, o público vai ao show e, depois, volta para casa. No navio, não – ele vive o universo do artista por 24 horas.”

O show que abre a temporada é o de Chitãozinho & Xororó. Será a primeira vez da dupla em águas brasileiras. Em 2023, eles comemoram 50 anos no Caribe. Foram três noites, de 13 a 16 de julho, a bordo do MSC Seaside, entre a Flórida, nos EUA, e Nassau, nas Bahamas. “Não somos mais marinheiros de primeira viagem”, graceja Xororó, de 68 anos. “Um dia tinha que ter 30 horas para aproveitar tudo o que tem a bordo – 24 horas são pouco.”

Quando não está no palco fazendo a segunda voz de alguns dos clássicos da dupla, como Fio de Cabelo, No Rancho Fundo e Evidências, Chitãozinho, de 71 anos, gosta de curtir a paisagem. “Estar em alto-mar é inspirador”, suspira ele. “Um momento de descanso e gratidão.” Com embarque e desembarque no Porto de Santos, o Navio ChX vai levar a bordo, entre outros convidados, os cantores Fábio Jr. e Daniel.

Roleta musical

O line-up dos cruzeiros musicais pode ser dividido entre iniciantes e veteranos. Fazem parte do primeiro time, entre outros artistas, o cantor Gilberto Gil, a dupla Jorge & Mateus e o grupo Sorriso Maroto. “Alguns integrantes já fizeram turismo em cruzeiro. Mas, show mesmo será a primeira vez”, explica Bruno Cardoso, de 44 anos, o vocalista do Sorriso Maroto. “Vou aproveitar ao máximo”, promete ele, contando os dias para o embarque.

Cada artista tem uma estratégia diferente para conquistar o público. No caso do Sorriso Maroto, o grupo pretende fazer dois shows a bordo: Sorriso Eu Gosto no Pagode, com músicas de outros artistas, e Sorriso As Antigas, com sucessos do próprio repertório. Não bastasse, ainda convocou bambas de diferentes gerações, como Péricles, Ferrugem e Fundo de Quintal, para embarcarem no autointitulado “O maior navio de samba e pagode do Brasil”.

Já o cantor Zezé di Camargo, de 63 anos, resolveu mudar de tática: convidou músicos de outros gêneros, como rock (Jota Quest), axé (Durval Lelys) e forró (Limão com Mel). “Quanto mais você diversifica o repertório, melhor. Tem mais chance de agradar ao público”, explica o sertanejo de 63 anos, que se prepara para o sétimo cruzeiro, o segundo solo – antes, fez cinco com o irmão, Luciano. “O meu navio será o mais alegre da temporada”, avisa.

Um dos convidados de Zezé di Camargo é Alexandre Pires, de 49 anos. Mas, antes de participar do cruzeiro do sertanejo em janeiro, o pagodeiro zarpa no próprio navio no início de dezembro. Para ele, o que muda de um show em terra firme para outro, em alto-mar, é a proximidade dos fãs. “Não tem grade separando o palco da plateia. É muito gostoso”, afirma o cantor que, nas horas vagas, tira selfie e dá autógrafo para todos que estão a bordo.

Os Paralamas do Sucesso ainda não têm um navio para chamar de seu. Mas, é como se tivessem. Um dos mais requisitados da temporada, fazem show nos cruzeiros de Gilberto Gil, Alexandre Pires e Roupa Nova. O baterista João Barone, de 63 anos, “desglamouriza” o cruzeiro musical. “Lembra da música Melô do Marinheiro? Então, é mais ou menos assim: o artista acha que vai tomar drinque no convés, mas vai descascar batata no porão”, brinca.

O sucesso dos cruzeiros musicais é tanto que, a longo prazo, Bruno Ribeiro, da PromoAção, planeja expandir a temporada de shows em alto-mar de novembro a abril para janeiro a janeiro. “Atribuo esse fenômeno à combinação de três fatores: a força do turismo experiencial, a credibilidade de projetos de alta qualidade e, claro, a presença de grandes artistas. Foram eles que transformaram esse formato no sonho de consumo de muitos fãs.”

Navio real

Este ano, Roberto Carlos, o pioneiro dos cruzeiros musicais desde 2005, não participa da atual temporada. Em compensação, seu “cover” oficial, Carlos Evanney, embarca no dia 14 de dezembro, na Marina da Glória, às 11h. O saveiro, com capacidade para 145 passageiros, navega pelas águas do Flamengo, Botafogo e Urca, e regressa às 17h. “Quando o Roberto tá em casa, ele dá tchau para a galera!”, brinca Evanney, reproduzindo a risada do ídolo.

A ideia, conta Evanney, partiu de uma fã, em 2008. Naquele ano, ele alugou um barco para 200 pessoas. O projeto Emoções no Mar da Guanabara, título emprestado do Emoções em Alto-Mar, de Roberto Carlos, fez tanto sucesso que Evanney chegou a fazer quatro edições por ano. Diminuiu o ritmo em 2015, por recomendação médica. “Já fui três vezes no cruzeiro do ‘Rei’. Acredita que muitos acharam que eu era o próprio Roberto Carlos?”, diverte-se.

No balanço do mar

O cruzeiro musical é apenas um dos muitos existentes. Há outros tipos, como o dançante, o literário e o religioso. “Faz sucesso porque junta tudo em um só lugar: você viaja, vive sua paixão, conhece novos lugares e, ainda, se conecta a uma comunidade que gosta das mesmas coisas que você”, afirma Paulo Papoy, CEO da Krooze, a maior plataforma de cruzeiros do Brasil. “Alguns navios são verdadeiros ‘resorts’ flutuantes.”

Segundo pesquisa da Krooze, o setor registrou um aumento de 20% nas vendas de cruzeiros temáticos na temporada 2025/2026 em relação à anterior. “Os cruzeiros musicais são hoje o nicho mais procurado pela combinação de três fatores: proximidade com o artista, experiência imersiva e senso de comunidade”, explica Papoy. “Enquanto os jovens vão ao show, os avós se divertem no teatro e os pais jantam no restaurante. Tudo em um só lugar.”

Um dos cruzeiros temáticos mais longevos do Brasil é o Dançando a Bordo. Em sua 21ª edição, zarpa de Santos no dia 15 de março e retorna no dia 22. No percurso, passa pela Argentina e Uruguai. Serão 15 aulas diárias e 7 bailes simultâneos, das 21h às 4h. “A procura é tão grande que muitos hóspedes fazem a reserva do ano seguinte quando ainda estão a bordo”, explica Ruy Ribeiro, diretor comercial da Costa Cruzeiros no Brasil.

“É o maior e mais respeitado cruzeiro de dança de salão em alto-mar do Brasil.” Não por acaso, ganhou o Krooze Awards, o “Oscar dos cruzeiros”, na categoria Melhores Cruzeiros Temáticos. Ao todo, a Krooze premiou 38 vencedores em 17 categorias.

A bailarina Ana Botafogo, de 68 anos, já participou de cinco ou seis edições do projeto. Ora, se apresentando ao lado do dançarino Carlinhos de Jesus, de 72 anos; ora, dando aula para os participantes do cruzeiro. “Manter o equilíbrio é sempre um desafio”, acha graça. “Às vezes, o balanço do mar atrapalha um pouco a coreografia. O Dançando a Bordo é um ambiente de confraternização maravilhoso. É lindo ver o quanto a dança une as pessoas.”

Para ter uma noção do tamanho dos navios, o Costa Diadema, que abriga a 21ª edição do Dançando a Bordo, mede 306 metros de comprimento, pesa 132,5 mil toneladas e tem capacidade para 4.947 passageiros. Só de bares e restaurantes, são 23. O MSC Preziosa, palco dos shows de Wesley Safadão, Gusttavo Lima e Ana Castela, entre outros, não fica atrás. O transatlântico tem teatro, cinema, toboágua, boliche e cassino a bordo.

Banho de cultura

Outra opção de cruzeiro é o literário . No Brasil, o projeto Navegar é Preciso, uma parceria da Livraria da Vila com a Auroraeco, está em sua 14ª edição. Para o ano que vem, já estão confirmados, entre outros autores, os nomes de Itamar Vieira Júnior, Tatiana Salem Levy e Antônio Prata. Além dos encontros literários – um pela manhã e outro à tarde –, a viagem inclui, ainda, caminhada na mata, avistamento de botos e passeio por igarapés.

“Sempre tivemos uma boa adesão: nos últimos anos, viajamos com lotação plena”, avalia o livreiro Samuel Seibel, o idealizador do projeto. “Atribuo o sucesso a dois fatores: a navegação numa embarcação super confortável pelas águas tranquilas do Rio Negro e a química entre público, escritores e músicos em plena Floresta Amazônica”, avalia. Desde 2012, já participaram do cruzeiro, entre outros artistas, Chico César, Zélia Duncan e Mônica Salmaso.

“Gostei tanto que voltei nove vezes”, faz as contas o escritor búlgaro Ilko Minev, de 79 anos – a primeira, em 2014, como escritor, e as demais como leitor. “Nesse cruzeiro, junto o útil ao agradável. Além de encontrar os maravilhosos Pedro Bandeira, Humberto Werneck e Carla Madeira, ainda tomo banho no Rio Negro”, gaba-se Minev. A próxima edição do Navegar é Preciso, a propósito, acontece entre os dias 27 de abril e 1º de maio.

Retiro em alto-mar

Quando os executivos do setor dizem que há um cruzeiro temático para cada tipo de público, não estão exagerando. Em alto-mar, o passageiro pode fazer de tudo um pouco: assistir ao show de seu artista favorito, aprender um novo passo de dança ou, ainda, pedir autógrafo para o seu escritor predileto. Ou, simplesmente, participar de uma missa, rezar o terço ou ouvir uma pregação. São os cruzeiros religiosos.

Há duas saídas agendadas para a temporada 2025/2026. A primeira é do Cruzeiro Católico, no dia 25 de janeiro. O roteiro inclui Argentina e Uruguai. A segunda é do Cruzeiro Gospel, no dia 29 de março. Nos dois casos, o fretamento do navio não é total. Em outras palavras: passageiros de outras denominações religiosas poderão participar do cruzeiro. Cada grupo recebe pulseiras invioláveis que dão acesso exclusivo às atividades religiosas.

Como todo cruzeiro que se preza, há também convidados especiais. No caso do Cruzeiro Católico, o Padre Antônio Maria e os cantores Dunga e Suely Façanha são alguns deles. No caso do Cruzeiro Gospel, o cantor Fernandinho. “A cada ano que passa, registramos um aumento de 10% no número de navegantes peregrinos”, estima Edson Durães, o fundador do grupo Cruzeiro Católico. “É como se fosse um retiro em alto-mar, com direito à missa, louvor e pregação.”