Num primeiro momento não entendi a violência como uma violência. Tentei agir como se nada tivesse acontecido, mas aquilo estava me corroendo por dentro, afirma Maria Luíza Zabarella Muniz, da UEPB.Na última semana, minha vida mudou completamente: agora fiquei conhecida como “a menina do vídeo”. Pessoas me reconhecem na rua, recebo vários relatos pelas redes sociais, bilhetes são deixados embaixo da minha porta denunciando algum tipo de assédio sofrido.

No começo de outubro, durante uma aula, um professor me acusou de ser uma das ditas “peguetes” do coordenador do curso. Confesso que num primeiro momento não entendi a violência como uma violência, afinal, como um professor gente boa, que trabalha com crianças, se diz desconstruído e atua como palhaço, seria capaz de fazer um comentário tão baixo quanto este? Levei uma semana até absorver o que havia acontecido. Contei para um amigo, que me disse que aquilo não era normal.

Num primeiro momento eu havia decidido que não iria denunciar, afinal, havia sido apenas uma “brincadeira”. Tentei agir como se nada tivesse acontecido, mas aquilo estava me corroendo por dentro. Dias se passaram e o sentimento de que algo estava errado não ia embora, mesmo eu fazendo de tudo para não pensar naquilo.

Depois de duas semanas, tomei coragem para contar aos coordenadores e pedir apoio para o que fazer além de uma denúncia. Num primeiro momento fui acolhida e minha escolha de não denunciar foi respeitada por todos, mas no dia seguinte, ao ir à primeira aula após o ocorrido, presenciei o professor dizer que uma colega o deixava com tesão. Isso foi a gota d'água para mim.

Naquele dia, decidi que se não houvesse uma denúncia, ele não pararia. Pedi ao coordenador adjunto do departamento o contato da ouvidoria, mas ao escrever a denúncia, percebi que o site só recebia sugestões, elogios e comentários, mas não aceitava denúncias. Com isso, procurei o e-mail da ouvidoria e mandei, mas nas três tentativas recebi as negativas. Nestes e-mails, a ouvidoria me exigia algum “documento comprobatório” do que eu estava afirmando, e que apenas poderiam encaminhar a denúncia se eu tivesse provas. As negativas foram como um balde de água fria, me vi sem saída, pois em teoria ninguém teria escutado o maldito comentário.

Depois das negativas, confesso que achei que não teria mais jeito, conversei com uma professora, que já foi advogada, e ela me sugeriu ir ao Ministério Público, mas fiquei com medo e posterguei o máximo que consegui, até que surgiu a ideia: poderia aproveitar o FoMerco (Fórum Universitário do Mercosul), que seria realizado neste ano na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), onde estudo. Foi uma opção que parecia certa, mas fiquei com medo de piorar a situação, então descartei.

A decisão de falar no FoMerco

Quando o FoMerco começou, em 22 de novembro, apresentei um artigo escrito com uma professora intitulado (In)Moralidade do abjeto preceito de “mulher honesta” no Brasil: perpetualidade da reminiscência histórica. Durante a apresentação expliquei o que seria uma “mulher honesta”, segundo definições misóginas e patriarcais, até que, ao final, decidi falar sobre o assédio que ocorre nas universidades e expus minha situação.

Não foi nada planejado, apenas disse, e confesso que me senti menos tensa depois de ter falado em uma sala com trinta pessoas. Minha mãe, professora e amigas estavam na sala, e a maioria dos congressistas que estavam presentes começaram a chorar e aplaudir a apresentação. Naquele momento, senti que deveria contar o que passei durante o evento de abertura, que precisava expor para me sentir melhor.

No final da tarde, fui até o auditório do Centro de Formação de Educadores para organizarmos a cerimônia, e a vontade de subir no palco e expor Paulo só aumentava, ao ponto de que fiquei segurando o microfone desde o momento em que cheguei.

Faltando quinze minutos para o início, o coordenador adjunto e presidente do FoMerco veio até mim me dizer que não julgava adequado qualquer manifestação minha, pois não seria hora, nem lugar. Respondi que era mais que necessário, e a atitude dele foi ir até minha mãe para tentar convencê-la a me silenciar.

Ao início da cerimônia, subi ao palco como cerimonialista. Acho que nunca me tremi tanto quanto naquele momento, assim como nunca senti tanto medo, mas quando subi e vi várias vítimas sentadas naquele auditório, decidi que não iria ficar calada. Comecei a chamar os convidados à mesa e, quando todos sentaram, dei início ao meu relato. Falei sobre o meu caso e de minhas amigas que estavam ali presentes.

Quando terminei, agradeci e só conseguia ouvir as palmas de quase todos ali no auditório. Fiquei tão emocionada que comecei a chorar, e apenas uma pessoa da mesa (uma mulher) foi me acolher. Ao final, desci do palco e fui abraçada por amigas, amigos, colegas e professores, e ali me permiti chorar e ser vulnerável. Ali pude, pela primeira vez em semanas, respirar aliviada de verdade.

“Espero que mulheres não tenham mais medo de denunciar”

Depois de arrancar a máscara do “palhaço”, recebi muito apoio de pessoas com quem nunca falei, mas que se solidarizaram com minha dor, assim como fui perseguida e ameaçada por alunas ligadas a Paulo.

Dois dias depois do desabafo, uma mulher me encontrou na sorveteria próxima da universidade. Num primeiro momento, acreditei que ela fosse se solidarizar comigo, mas, na verdade, ela estava tentando me convencer a não ir na delegacia, pois eu iria “prejudicar muito mais gente do que eu imaginava”, além de tentar me convencer a resolver com ela ao invés das autoridades.

Por hora, espero que ele seja decente de admitir tudo o que fez, ao invés de querer arruinar minha imagem e a de outras mulheres. Espero que a verdade venha à tona por completo, e que mulheres dentro do Campus V não tenham medo de denunciar seus assediadores – até porque não há só o Paulo na Universidade Estadual da Paraíba.

Já tomei as medidas jurídicas necessárias, a ouvidoria foi “acionada”, a reitoria está ciente, fiz um boletim de ocorrência e foi pedida uma medida protetiva. Agora espero apenas que as coisas se resolvam e que as alunas da UEPB não se acanhem ou se sintam intimidadas por ninguém, nem mesmo pela própria universidade, afinal, ela também é conivente com assédios.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto, escrito por Maria Luíza Zabarella Muniz, de 20 anos, estudante de relações internacionais na UEPB, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.