Processo que manteve mandato de Carla Zambelli é longo e depende unicamente do Legislativo – mesmo que haja condenação pelo Supremo. Desde 1988, apenas 29 deputados foram cassados pelo Plenário da Câmara.A manutenção do mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), cuja cassação foi rejeitada pela Câmara dos Deputados nessa quinta-feira (11/12), somou-se a uma longa lista de outros parlamentares que se safaram de perder o mandato, mesmo sob fortes denúncias ou condenações pela Justiça.

Zambelli está presa na Itália, depois de ter fugido para o país para se tentar se livrar de uma condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ter invadido o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A Corte também determinou a perda do mandato da deputada. No entanto, de acordo com a Constituição, parlamentares só podem ser cassados efetivamente se as ações forem acatadas pelos colegas do Legislativo.

Em partes, isso ocorreu com Zambelli, cujo pedido de cassação foi aceito pelo Conselho de Ética da Câmara. Em plenário, no entanto, mesmo recebendo maioria de votos para a perda do mandato (227 dos presentes foram favoráveis, 170 contrários e dez abstenções), a deputada presa na Itália se safou porque a denúncia não foi aprovada pela maioria absoluta (257 votos), já que 105 parlamentares se ausentaram – entre eles, Alexandre Ramagem (PL-SP), também foragido, mas nos EUA, após condenação no STF; e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que é réu e vive em território americano desde março.

Ainda na noite de quinta, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), também tinha pautado outro pedido de cassação, de Glauber Braga (PSOL-RJ). O deputado federal, que foi retirado à força depois de ocupar a mesa diretora no dia anterior para tentar obstruir o PL da Dosimetria, acabou tendo a perda do mandato substituída por uma suspensão de seis meses, essa, sim, aprovada em plenário. Braga foi alvo de uma denúncia na Comissão de Ética, aprovada pelo colegiado, por ter chutado um membro do Movimento Brasil Livre (MBL) no estacionamento do Congresso.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, o plenário da Câmara aprovou a cassação de 33 parlamentares (29 deputados e quatro senadores). O caso mais recente ocorreu em maio de 2024 e determinou a perda do mandato do então deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), que foi preso acusado de ser o mandante da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).

Porém, no caso de Brazão, a medida ocorreu por uma determinação da mesa diretora e por faltas em sessões da Câmara, já que ele seguia preso. A Comissão de Ética chegou a aprovar o relatório pedindo a cassação do ex-deputado, mas o documento não foi a plenário.

A perda do mandato por ausências na Câmara pela mesa direta, prevista na Constituição, gera uma punição mais branda do que pelo plenário, já que não implica na perda dos direitos políticos e possibilita, ao menos em teoria, que Brazão se candidate futuramente, mesmo com as acusações na Justiça. Em agosto deste ano, ele ingressou com uma ação no STF para anular a decisão da mesa diretora e retomar o mandato.

Condenados, mas deputados

De acordo com a legislação atual, há dois motivos que podem levar à cassação de um deputado ou senador ao plenário da Câmara. A primeira é uma condenação criminal transitada em julgado, ou seja, quando não há mais recursos.

Já a segunda que pode resultar na perda de mandato envolve a chamada quebra de decoro parlamentar, quando um deputado ou senador mantém uma conduta incompatível com o cargo, ao praticar, por exemplo, corrupção, abuso de poder, ofensas ou embriaguez reiterada.

Em ambos os casos, no entanto, a decisão de cassação precisa ocorrer no Legislativo, por meio de uma representação que passe pela Comissão de Ética e seja votada em plenário.

Isso significa que, mesmo condenado pelo STF, um parlamentar pode manter o mandato. Esse foi o caso do ex-deputado federal Daniel Silveira, condenado pela Corte, em 2022, a oito anos e nove meses de prisão por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Um ano antes, em 2021, Silveira havia sido preso depois de divulgar um vídeo fazendo apologia ao AI-5 e ameaçando ministros do Supremo.

A prisão temporária foi aprovada em plenário pela Câmara dos Deputados poucos dias depois. Silveira, logo após, teve o uma suspensão por seis meses aprovada pela Comissão de Ética – que acabou não indo a plenário.

No fim de 2022, ele recebeu um indulto do então presidente Jair Bolsonaro (PL), mas a medida foi anulada pelo STF. Ele, porém, já havia voltado a frequentar novamente a Câmara, portando uma tornozeleira eletrônica.

A Câmara, no entanto, nunca analisou uma possível cassação de Silveira. O deputado concluiu o mandato, no fim de 2022, e chegou a se candidatar para senador no Rio no mesmo ano, mas foi considerado inelegível pela Justiça Eleitoral devido à condenação no STF.

Até 2013, a votação para perda de mandato em plenário era secreta, mas passou a ser aberta na esteira da pressão sob o Congresso após os protestos de junho daquele ano.

Quebra de decoro: Flordelis, castelo particular e foto de cueca

Na história recente do Congresso, a maior parte das cassações de parlamentares têm como base a violação conhecida como “quebra de decoro parlamentar”. O termo é amplo e, de acordo com o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, abarca infrações como legislar em benefício próprio, perturbar a ordem e “praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara”, revelar informações sigilosas, receber vantagens indevidas ou praticar irregularidades no mandato que “afetem a dignidade da representação popular”.

Ou seja, a lista é vaga e, por isso, definir como motivos para um processo de cassação a participação em esquemas de corrupção, a prática de crimes como homicídio e até o uso de vestimentas “impróprias”.

Figuras centrais do Mensalão, os então deputados federais José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) foram cassados em 2005 pelo plenário da Câmara por quebra de decoro, em meio às divulgações do esquema de compra de votos de parlamentares durante o primeiro governo petista. Na década seguinte, o mesmo ocorreu com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Outra que perdeu o mandato por infringir o Código de Ética da Casa foi a ex-deputada federal Flordelis, até então do PSD carioca, hoje presa e condenada a 50 anos de prisão por mandar matar o próprio marido, o pastor Anderson do Carmo, assassinado em 2019.

Em 2021, Flordelis foi cassada pelo plenário enquanto ainda era ré por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Os parlamentares consideraram que as acusações indicavam que a colega tinha cometido atos incompatíveis com o cargo. No final dos anos 1990, o então deputado acriano Hildebrando Pascoal, do antigo PFL, foi cassado por quebra de decoro após ser acusado de liderar um grupo de extermínio.

Mas nem todas as cassações por quebra de decoro tiveram crimes graves como pano de fundo. O primeiro caso desse tipo no país ocorreu por causa de uma foto “imprópria” e aconteceu em 1949, na Câmara dos Deputados, atingindo o deputado Edmundo Barreto Pinto (PTB). O parlamentar havia aparecido, três anos antes, na revista O Cruzeiro, de fraque e cuecas, num ensaio intitulado “Barreto Pinto Sem Máscara”, o que motivou a perda do seu mandato.

Outros escândalos, no entanto, não enfrentaram o mesmo rigor por parte da Câmara. Em 2009, o parlamentar Edmar Moreira, então corregedor e vice-presidente da Casa, ficou conhecido como o “deputado do Castelo”.

A alcunha surgiu após a descoberta de que ele tinha ocultado, do seu patrimônio, um imóvel faraônico no valor de R$ 25 milhões, construído num terreno de 8 milhões de metros quadrados no interior de Minas e registrado em nome de um dos filhos.

A notícia do castelo na cidade de São João Nepomuceno (MG) resultou na expulsão de Edmar do antigo partido DEM e foi acompanhada de denúncias sobre uso indevido de verbas indenizatórias. Ainda em 2009, ele foi alvo, no Conselho de Ética, de um processo de cassação, mas foi absolvido, por 9 votos a 3.

Ele não foi reeleito, mas voltou à Câmara em 2014, como suplente de Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O ex-governador de Minas renunciou ao cargo de deputado federal depois de ter virado réu no STF no caso do mensalão tucano, pelo qual ficou preso de 2018 a 2019.