11/06/2021 - 7:53
A necessidade do uso de máscaras para conter a pandemia de covid-19 voltou a ser discutida no Brasil após o presidente Jair Bolsonaro afirmar, nesta quinta-feira (10/06), que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, preparava um parecer para derrubar a obrigatoriedade da proteção facial para já vacinados ou que já passaram por uma infecção pelo novo coronavírus.
Depois da fala do presidente, Queiroga confirmou que será feito um estudo sobre o assunto e afirmou que o ministério quer que o uso de máscara seja descartado o mais rápido possível, mas que, para isso, a vacinação no país precisa avançar.
Especialistas criticaram duramente a proposta do presidente, afirmando que este não é o momento de suspender o uso da proteção no Brasil.
O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), classificou a proposta de Bolsonaro de absurda. “Infelizmente uma declaração como essa é um incentivo para que as pessoas se infectem mais”, afirmou à Folha de S.Paulo, destacando que não se pode garantir que quem já teve covid-19 não será reinfectado e que pessoas vacinadas também correm risco de contrair o vírus.
Ele ressaltou que, em países onde já se retirou a obrigação do uso de máscara para vacinados, como os EUA, o número de imunizados é maior, e mesmo assim a decisão causou polêmica.
Munir Ayub, membro do Comitê de Imunização da SBI e professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, afirmou ao portal G1 que suspender o uso da máscara no estágio atual da epidemia no Brasil seria temerário. “Mesmo a pessoa que já teve ou que já foi vacinada não está livre de se reinfectar. Enquanto estiver circulando o vírus neste nível alto, não existe essa possibilidade [de abolir o uso de máscaras]. É uma orientação apenas política, porque não tem nenhuma justificativa médica para isso”, disse.
A médica infectologista Luciana Becker, no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, de São Paulo, ressaltou, em entrevista à Folha, que as vacinas protegem de casos graves e, “mesmo que o imunizado tenha uma chance enorme de ter desfecho positivo se pegar a doença, pode passar o vírus a outras pessoas”.
O médico Renato Kfouri, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), aponta que, a tendência é que a imunidade se perca com o tempo e que, à medida que a pandemia avança, a probabilidade de reinfecção pelo coronavírus aumenta.
A disseminação de variantes com capacidade de driblar a imunidade induzida por uma infecção anterior, como a detectada pela primeira vez em Manaus, também aumenta a chance de reinfecção, ressaltou em entrevista ao portal Poder360.
Comparação com os EUA
A médica e pesquisadora Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), comparou a situação brasileira com a dos Estados Unidos.
O governo americano anunciou em meados de maio o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras de proteção na maioria das situações para pessoas que já foram completamente vacinadas contra a covid-19, numa tentativa de estimular a vacinação. Vacinados, porém, devem continuar usando máscaras em determinados ambientes fechados, como ônibus, aviões, aeroportos, consultórios médicos e hospitais.
As principais diferenças, ressaltou Dalcolmo ao G1, estão na taxa de transmissão, significativamente mais baixa nos EUA do que no Brasil, e na cobertura vacinal.
Segundo levantamento do Imperial College de Londres atualizado nesta terça-feira, a taxa de transmissão (Rt) da covid-19 no Brasil estava em 0,99 – ou seja, 100 pessoas infectadas transmitem o vírus para outras 99. Quando a taxa ultrapassa a marca de 1, a situação é considerada particularmente grave. Nos EUA, a taxa estava em 0,81.
De acordo com levantamento da imprensa brasileira, 25% da população do Brasil recebeu ao menos uma dose de vacinas contra a covid-19, enquanto somente 11% estão completamente vacinados, tendo recebido duas doses. Nos EUA, 43% da população já foi totalmente imunizada.
“Enquanto não interviermos diminuindo a transmissão na comunidade no Brasil e não obtivermos uma taxa de vacinação que, eu diria, não pode ser menor que 70%, sem dúvida nenhuma ainda estamos sob risco”, afirmou Dalcolmo.
O vice-presidente da SBI, Alberto Chebabo, afirmou que além da baixa cobertura vacinal, alta taxa de infecção e circulação viral, outra diferença entre a situação epidemiológica do Brasil e dos EUA é a estação do ano. “Estamos no inverno, quando as infecções respiratórias aumentam. Exatamente o contrário dos EUA”, disse o infectologista ao G1.
Para justificar a flexibilização da obrigatoriedade de máscaras para vacinados, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) afirmou que dados recentes haviam apontado alta eficácia de vacinas para evitar infecções. No entanto, a proteção contra contágios varia de acordo com a vacina.
Os principais imunizantes usados nos Estados Unidos, são os da Pfizer-BioNTech e da Moderna, ambos com tecnologia de mRNA mensageiro. Dados preliminares coletados em Israel apontaram que a vacina da Pfizer é 89,4% eficaz na prevenção de infecções. O imunizante, no entanto, começou a ser aplicado no Brasil apenas no início de maio.
Proteção individual e coletiva
Assim como outros especialistas, Dalcolmo também ressaltou que mesmo quem já foi infectado ou vacinado pode contrair o coronavírus, e, portanto, transmiti-lo. “Nenhuma das vacinas tem 100% de efetividade. As vacinas não fazem milagre quando a transmissão na comunidade está muito alta”, afirmou. “Então, por favor, usem máscaras, que vão proteger a nós mesmos e àqueles com quem convivemos.”
O epidemiologista Pedro Hallal também enfatizou que a vacinação serve tanto para a proteção individual quanto para a proteção coletiva. “O uso de máscara pelos já vacinados mira na proteção coletiva, porque as vacinas previnem contra infecção e casos graves. Mas não, na mesma medida, contra a transmissão. Então, se os vacinados não usarem máscara, eles podem contribuir para a disseminação do vírus. Essa é a questão central”, disse ao Estado de S.Paulo.
Ele também afirmou que as máscaras podem ser deixadas de lado somente quando a população estiver perto de alcançar a chamada imunidade de rebanho ou coletiva, ou seja, quando cerca de 70% da população tiver anticorpos. “Aqui, no Brasil, a estimativa é que nós não tenhamos nem 30% com anticorpos. Então, estamos muito longe ainda”, disse.
Cientistas estrangeiros também já ressaltaram a importância do uso de máscaras mesmo após a vacinação e infecção. Em artigo publicado em março no site da Universidade Johns Hopkins, dos EUA, referência global sobre covid-19, pesquisadores destacaram que não se sabe ainda se pessoas completamente vacinadas podem transmitir o coronavírus, apesar de o risco ser “certamente menor do que no caso de não imunizados”.
“Para limitar a transmissão o máximo possível, usar máscaras continua sendo algo crítico, mesmo para aqueles que estão completamente vacinados até que a transmissão comunitária diminua para níveis baixos e uma elevada parcela da população esteja vacinada”, afirmaram.