Gaza se tornou um dos lugares mais mortais para jornalistas, afirmam defensores da liberdade de imprensa. Jornalistas estrangeiros sequer têm permissão para entrar no território palestino.Há um ano e meio, o mundo vem assistindo ao desenrolar da guerra em Gaza. De acordo com o ministério da saúde do território palestino, o conflito já matou mais de 50 mil pessoas, além de ter deslocado quase todos os seus 2,3 milhões de moradores diversas vezes.

Jornalistas palestinos locais são os únicos capazes de fornecer ao mundo insights cruciais sobre o que está acontecendo por lá. Mas o conflito, desencadeado pelos ataques a Israel liderados pelo grupo militante islâmico Hamas em 7 de outubro de 2023, transformou o pequeno território em um dos lugares mais perigosos do mundo para jornalistas, avalia o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), ONG sediada em Nova York e que monitora a liberdade de imprensa.

Segundo o CPJ, mais de 170 jornalistas e profissionais da mídia foram mortos em Gaza desde o início do conflito.

Já a Repórteres Sem Fronteiras, outra organização de defesa da liberdade de imprensa sediada em Paris, estima o número em mais de 200 jornalistas.

Reportar sobre o conflito tem sido desafiador para profissionais locais devido à falta de comunicação e eletricidade. Alguns jornalistas perderam familiares, amigos e lares. Pressões internas em Gaza, que está isolada por Israel e Egito, tornam ainda mais difícil o ambiente em que os jornalistas têm que operar.

“É difícil descrever como é estar em Gaza. O barulho constante dos bombardeios, as explosões, o número de pessoas mortas, é indescritível”, disse à DW Safinaz al Louh, jornalista freelancer em Gaza, antes do recente cessar-fogo entre Israel e o Hamas ser acordado em janeiro. Na guerra, ela perdeu o irmão – um cinegrafista.

Outra jornalista palestina, Salma al Qaddoumi, contou à DW como foram difíceis o deslocamento e a separação da família durante os 15 meses de guerra antes da pausa nos combates.

“Como o deslocamento era frequente, a gente chegava para se firmar em um lugar e tinha que começar tudo de novo, sabendo que nenhum lugar é realmente seguro”, disse Al Qaddoumi via WhatsApp. Ela se feriu durante a guerra enquanto fazia uma reportagem no sul de Gaza, e acabou perdendo um colega.

Com a retomada dos combates após o fim do cessar-fogo, jornalistas voltaram a enfrentar condições perigosas, por vezes mortais.

Jornalistas acusados ​​de terrorismo

Em 24 de março, dois jornalistas palestinos foram mortos em Gaza em dois ataques israelenses consecutivos.

Um jornalista, Mohammed Mansour, foi morto com a esposa e filho em um ataque aéreo em sua casa em Khan Yunis, no sul de Gaza. Mansour trabalhava para a Palestine Today, uma estação afiliada ao grupo militante palestino Jihad Islâmica.

Mais tarde naquele mesmo dia, Hossam Shabat, um correspondente de 23 anos do canal Al Jazeera Mubasher, foi morto em um ataque aéreo em seu carro em Beit Lahiya, uma cidade no norte de Gaza. Em uma declaração, as Forças de Defesa de Israel (IDF) disseram que tinham “eliminado” Shabat, acusando-o de ser um ” atirador terrorista”, uma acusação que ele e a Al Jazeera haviam negado anteriormente.

Após a morte de Shabat, a Al Jazeera, uma rede de notícias sediada no Catar e banida em Israel e pela Autoridade Palestina na Cisjordânia ocupada, condenou fortemente o que chamou de assassinato de seu correspondente. A emissora também apelou à comunidade internacional para condenar o “assassinato sistemático de jornalistas” por Israel.

“Esse pesadelo tem que acabar”

Carlos Martinez, diretor de programa do CPJ, condenou veementemente os ataques de 24 de março: “Esse pesadelo em Gaza tem que acabar”, disse em comunicado. “A comunidade internacional deve agir rápido para garantir que jornalistas sejam mantidos em segurança e responsabilizar Israel pelas mortes de Hossam Shabat e Mohammed Mansour, cujos assassinatos podem ter sido direcionados. Jornalistas são civis, e é ilegal atacá-los em uma zona de guerra.”

O CPJ pediu ainda uma investigação para verificar se os ataques das IDF contra os jornalistas foram deliberados. De acordo com um relatório divulgado em fevereiro pela organização sem fins lucrativos, houve pelo menos 13 casos em Gaza e no Líbano onde jornalistas foram “deliberadamente alvejados” pelas forças israelenses, com outros casos suspeitos sob investigação.

Na época, as IDF rejeitaram as acusações do CPJ em uma declaração à DW, dizendo que “nunca visaram e nunca visarão jornalistas deliberadamente”. As forças armadas israelenses afirmaram ainda que “não alvejam civis, incluindo organizações de mídia e jornalistas como tais”.

Vários grupos de liberdade de imprensa questionaram a rotulação de jornalistas como “terroristas” e a implicação que isso tem para a segurança dos mesmos.

“Em muitos países, há jornalistas que operam como porta-vozes de autoridades, oposição política ou, em alguns casos, grupos militantes”, disse a presidente-executiva do CPJ, Jodie Ginsburg, à DW no final de janeiro de 2025, antes da última ofensiva. “A menos que estejam envolvidos em incitação direta à violência ou sejam realmente parte de atividade militante, isso não os torna alvos para matar.”

Proibição de jornalistas estrangeiros continua

Jornalistas palestinos locais têm sido responsáveis ​​por reportar a guerra para uma audiência global. Isso porque o governo israelense proíbe a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza, apesar dos apelos da mídia e de organizações de liberdade de imprensa em todo o mundo por um acesso irrestrito.

Uma petição apresentada pela Associação de Imprensa Estrangeira em Israel e nos territórios palestinos exigindo acesso independente para a mídia estrangeira ainda não foi avaliada pela Suprema Corte de Israel. Até agora, o exército israelense só permitiu que alguns jornalistas estrangeiros e israelenses entrassem em Gaza como parte de visitas militares acompanhadas, que são rigidamente controladas e não permitem que jornalistas circulem de forma independente no local.

“Esse nível de restrição é totalmente sem precedentes”, disse Ginsburg. “Sem dúvida, quando se fala com correspondentes de guerra que já cobriram de tudo, da Chechênia ao Sudão, não poder ter acesso algum é algo completamente sem precedentes.”

Ginsburg disse que, por causa disso, toda a pressão para relatar o que acontece em Gaza recai sobre jornalistas palestinos locais. “Por serem jornalistas palestinos e locais, eles têm essa suspeita adicional lançada sobre o que estão relatando — além disso, é claro, eles estão trabalhando em condições de guerra.”