27/05/2022 - 8:25
Pistas reveladoras de rios, córregos e lagos do passado de Marte são visíveis hoje em todo o planeta. Mas cerca de 3 bilhões de anos atrás, todos eles secaram, por motivos ainda desconhecidos.
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“As pessoas apresentaram ideias diferentes, mas não temos certeza do que causou a mudança tão dramática do clima”, disse o cientista geofísico Edwin Kite, da Universidade de Chicago (EUA), primeiro autor de um estudo sobre o assunto publicado na revista Science Advances. “Gostaríamos muito de entender, especialmente porque é o único planeta que definitivamente sabemos que mudou de habitável para inabitável.”
Anteriormente, muitos cientistas consideravam que a perda de dióxido de carbono da atmosfera, que ajudava a manter Marte aquecido, causava o problema. Mas as novas descobertas sugerem que a mudança foi causada pela perda de algum outro ingrediente importante que mantinha o planeta quente o bastante para ter água corrente. Qual é ele, porém, ainda não se sabe.
Água espalhada e nem uma gota para beber
Em 1972, os cientistas ficaram surpresos ao ver fotos da missão Mariner 9 da Nasa enquanto ela orbitava Marte. As fotos revelaram uma paisagem cheia de leitos de rios – evidência de que o planeta já teve muita água líquida, embora esteja seco hoje.
Como Marte não tem placas tectônicas para deslocar e enterrar rochas ao longo do tempo, antigos leitos de rios ainda estão na superfície como evidências abandonadas às pressas. Isso permitiu que Kite e seus colaboradores, incluindo Bowen Fan (pós-graduando da Universidade de Chicago), bem como cientistas da Smithsonian Institution, do Planetary Science Institute, do California Institute of Technology (Caltech), do Jet Propulsion Laboratory (JPL) e do Aeolis Research, dos EUA, analisassem mapas com base em milhares de fotos tiradas de órbita por satélites. Com base em quais leitos se sobrepõem a quais e como estão intemperizados (ou seja, desgastados), a equipe montou uma linha do tempo de como a atividade do rio mudou em altitude e latitude ao longo de bilhões de anos.
Então eles poderiam combinar isso com simulações de diferentes condições climáticas e ver qual combinava melhor.
Múltiplas variáveis
Os climas planetários são extremamente complexos, com muitas, muitas variáveis a serem consideradas – especialmente se você quiser manter seu planeta na zona denominada “Cachinhos Dourados” (Goldilocks Zone), onde é quente o suficiente para a água ser líquida, mas não tão quente que ferva. O calor pode vir do sol de um planeta, mas este deve estar perto o suficiente para receber radiação e não tão perto que a radiação retire sua atmosfera. Gases de efeito estufa, como dióxido de carbono e metano, podem reter o calor perto da superfície de um planeta.
A própria água também desempenha um papel; pode existir como nuvens na atmosfera ou como neve e gelo na superfície. As camadas de neve tendem a agir como um espelho para refletir a luz da estrela de volta ao espaço, mas as nuvens podem prender ou refletir a luz, dependendo de sua altura e composição.
Kite e seus colaboradores avaliaram muitas combinações diferentes desses fatores em suas simulações, procurando condições que pudessem fazer com que o planeta ficasse quente o suficiente para que pelo menos alguma água líquida existisse nos rios por mais de bilhões de anos, mas depois a perdesse abruptamente.
Ao compararem diferentes simulações, eles viram algo surpreendente. Alterar a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera não mudou o resultado. Ou seja, a força motriz da mudança não parecia ser esse gás. “O dióxido de carbono é um forte gás de efeito estufa, então realmente foi o principal candidato para explicar a secagem de Marte”, disse Kite, especialista em climas de outros mundos. “Mas esses resultados sugerem que não é tão simples.”
Testes possíveis
Existem várias opções alternativas. A nova evidência se encaixa bem com um cenário, sugerido em um estudo de 2021 de Kite, em que uma camada de nuvens finas e geladas no alto da atmosfera de Marte atua como vidro translúcido de estufa, retendo o calor. Outros cientistas sugeriram que, se o hidrogênio fosse liberado do interior do planeta, ele poderia ter interagido com o dióxido de carbono na atmosfera para absorver a luz infravermelha e aquecer o planeta.
“Não sabemos o que é esse fator, mas precisamos que muito dele tenha existido para explicar os resultados”, disse Kite.
Há várias maneiras de tentar diminuir os possíveis fatores; a equipe sugere vários testes possíveis para o rover Perseverance da Nasa realizar que podem revelar pistas.
Kite e sua colega Sasha Warren também fazem parte da equipe científica que dirigirá o rover Curiosity Mars da Nasa para procurar pistas sobre por que Marte secou. Eles esperam que esses esforços, bem como as medições do Perseverance, possam fornecer pistas adicionais para o quebra-cabeça.
Na Terra, muitas forças se combinaram para manter as condições notavelmente estáveis por milhões de anos. Mas outros planetas podem não ter tanta sorte. Uma das muitas perguntas que os cientistas têm sobre outros planetas é exatamente o quão sortudos somos – isto é, com que frequência essa confluência ocorre no universo. Eles esperam que estudar o que aconteceu com outros planetas, como Marte, possa fornecer pistas sobre climas planetários e quantos outros planetas podem ser habitáveis. “É realmente impressionante que tenhamos esse quebra-cabeça ao lado e ainda não sabemos como explicá-lo”, concluiu Kite.