10/06/2025 - 8:29
Última vez que envio militares ocorreu contra vontade do governador nos EUA foi há 60 anos. Geralmente medida conta com aval do governo estadual.O envio da Guarda Nacional pelo presidente Donald Trump a Los Angeles não é o primeiro caso de um presidente dos Estados Unidos acionando esses militares da reserva de um estado para conter protestos.
Mas é uma situação incomum: os reservistas da Guarda Nacional são normalmente mobilizados, em uma variedade de situações de emergência, com o aval dos governadores dos estados afetados.
A decisão de Trump de mobilizar a Guarda Nacional é a primeira desse tipo desde 1992. Se for considerado que a decisão foi tomada sem a aprovação do governador local, é a primeira desde 1965.
Trump, um republicano, enviou cerca de 4 mil soldados da Guarda Nacional da Califórnia para Los Angeles, apesar das objeções do governador da Califórnia, Gavin Newsom, e da prefeita de Los Angeles, Karen Bass, ambos democratas.
A Guarda Nacional foi mobilizada para conter os protestos que começaram na sexta-feira passada, depois que autoridades federais de imigração prenderam dezenas de pessoas em Los Angeles durante operações em áreas com muitos moradores de origem latino-americana.
2020: morte de George Floyd
Não é incomum mobilizar a Guarda Nacional em situações emergenciais, mas normalmente são os chefes dos executivos locais que o fazem. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando governadores em mais de 20 estados ativaram unidades dessa força de reserva em 2020 para lidar com os protestos pela morte de George Floyd.
Também Newsom enviou cerca de 8 mil soldados da Guarda Nacional para reprimir protestos contra injustiça racial que começaram após a morte de George Floyd por um policial em Minneapolis, no estado do Minnesota. Bem mais da metade desses soldados foi enviada ao Condado de Los Angeles, onde a polícia prendeu mais de 3 mil pessoas.
Em 2020, Trump solicitou aos governadores de vários estados que enviassem soldados da Guarda Nacional para Washington, D.C., para reprimir os protestos após a morte de George Floyd pela polícia de Minneapolis. Muitos concordaram e enviaram soldados. Trump também ameaçou, na época, invocar a Lei da Insurreição, o que acabou não ocorrendo.
1992: espancamento de Rodney King
A última vez que um presidente dos EUA havia ordenado que a Guarda Nacional fosse às ruas para manter a ordem fora em 1992, quando George W.H. Bush o fez para pôr fim aos violentos tumultos que eclodiram em 29 de abril daquele ano, depois da absolvição de quatro policiais que haviam espancado brutalmente o afro-americano Rodney King um ano antes.
O espancamento de King pelos policiais, que foi gravado por um morador de Los Angeles e amplamente divulgado pela imprensa, deu origem a tumultos que duraram quatro dias e deixaram cerca de 60 mortos, mais de 2 mil feridos e grandes danos materiais.
Em 1992, tanto o então governador republicano da Califórnia, Peter Wilson, quanto o prefeito democrata da cidade, Tom Bradley, pediram ao presidente Bush que invocasse a Lei de Insurreição para permitir que a Guarda Nacional tomasse as ruas da cidade.
1965: marchas por direitos civis no Alabama
A decisão de mobilizar mais de 4 mil militares contra a vontade do governador é uma situação não vista em seis décadas nos Estados Unidos.
A última vez que algo semelhante ocorrera foi em março de 1965, quando o então presidente, Lyndon B. Johnson, enviou a Guarda Nacional ao Alabama sem o aval do então governador do estado, George Wallace.
Johnson queria proteger os participantes de marchas pacíficas pelos direitos civis dos negros e o fez contra a vontade de Wallace, um segregacionista.
Tropas da Guarda Nacional desempenharam um papel fundamental na proteção de manifestantes pacíficos que reivindicavam o direito ao voto. Eles haviam sido brutalmente agredidos em duas marchas e foram protegidos pela Guarda Nacional na terceira delas. A primeira delas ficou conhecida como o Domingo Sangrento.
O então presidente Lyndon B. Johnson enviou soldados da Guarda Nacional para escoltar milhares de manifestantes ao longo da marcha de 81 quilômetros da cidade de Selma até o Capitólio estadual, em Montgomery, liderada por Martin Luther King. A decisão de Johnson contrariou a do então governador Wallace, que apoiava firmemente a segregação racial.
As marchas de Selma a Montgomery são frequentemente creditadas por ajudar na aprovação da Lei dos Direitos de Voto de 1965, que acabou com práticas eleitorais segregacionistas e discriminatórias nos Estados Unidos.
Qual a situação jurídica?
Para fundamentar sua decisão, Trump invocou no sábado o Título 10 do Código dos EUA, que descreve o papel das Forças Armadas dos EUA, e evitou invocar a Lei da Insurreição, como Bush fez em 1992 e Johnson em 1965.
No entanto, Trump não descartou fazê-lo, pois, quando questionado sobre essa possibilidade no domingo, respondeu que dependeria “de haver ou não uma insurreição”.
A Lei da Insurreição remonta a 1807. Ela concede ao presidente a capacidade de mobilizar as Forças Armadas dos EUA para reprimir episódios de agitação civil e é considerada um dos poderes de emergência mais poderosos dos EUA.
Uma seção do Título 10 permite que o presidente envie unidades da Guarda Nacional se os EUA forem invadidos, se houver uma rebelião ou o risco de rebelião ou se o presidente for “incapaz de executar as leis dos Estados Unidos com as forças regulares”.
Essa mesma seção permite que as tropas da Guarda Nacional protejam agentes federais que estejam executando a lei e também protejam propriedades federais.
Portanto, as tropas da Guarda Nacional não podem prender manifestantes, mas podem proteger os agentes do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (U.S. Immigration and Customs Enforcement) que estiverem realizando prisões.
O procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, entrou com uma ação judicial contra o uso dos soldados da Guarda Nacional, afirmando que Trump havia “pisado” na soberania do estado. Ele busca uma ordem judicial que declare o uso da Guarda por Trump ilegal e uma ordem para interromper a mobilização.
O estado argumenta que a mobilização não atende a nenhum dos requisitos do Título 10 porque não houve rebelião nem invasão e tampouco há uma situação que impeça a aplicação das leis dos EUA no estado. “Vou ser bem claro: não há invasão. Não há rebelião. O presidente está tentando fabricar caos e crise para seus próprios fins políticos”, disse Bonta.