Ex-colônia russa vendida aos EUA no século 19, ali tanto a delegação do Kremlin como a da Casa Branca devem se sentir em casa.O presidente dos EUA, Donald Trump, fez um esforço para acomodar seu homólogo russo, Vladimir Putin, e sediar a reunião entre ambos desta sexta-feira (15/08) sobre a Ucrânia no Alasca. Trump teve que voar cerca de 5.400 quilômetros para chegar à base militar Elmendorf-Richardson, onde ocorre o encontro, partindo de Washington. Putin, por sua vez, terá que voar pouco menos de 7.000 quilômetros para chegar à base, que fica ao norte de Anchorage, a maior cidade do Alasca.

Além disso, historicamente, o Alasca é um lugar com laços tanto com os Estados Unidos quanto com a Rússia. Isso significa que tanto a delegação dos EUA como a da Rússia devem se sentir em casa nesse extremo subártico do continente americano.

Antiga colônia russa, vendida aos EUA

Uma travessia terrestre conectava o extremo leste da Rússia ao Alasca até o fim da última era glacial, há cerca de 10 mil anos, e foi provavelmente assim que os primeiros humanos chegaram ao continente americano. Depois, o aumento do nível do mar tornou o Estreito de Bering intransitável e os povos indígenas do Alasca ficaram de certa forma isolados. O nome Alasca deriva da palavra aleúte Alyaska, que é como os indígenas das ilhas Aleutas, que habitam essa região, chamam a área.

Em 1725, o czar russo Pedro, o Grande, enviou o marinheiro Vitus Bering em uma expedição durante a qual ele cruzou o que hoje é conhecido como Estreito de Bering. Nas décadas seguintes, marinheiros russos chegaram a vários lugares do Alasca, estabelecendo assentamentos e entrando no lucrativo comércio de peles. Em 1799, o czar Paulo I concedeu direitos comerciais exclusivos à Companhia Russo-Americana, que também desempenhava funções administrativas no Alasca.

No entanto, em meados do século 19, a receita do comércio de peles diminuiu, pois os colonialistas russos já haviam caçado muitas focas e lontras. E a Rússia, que também se encontrava em turbulência econômica devido à Guerra da Crimeia, decidiu vender o Alasca.

A Grã-Bretanha, que na época governava o Canadá, mostrou interesse em comprar a região. No entanto, os Estados Unidos não queriam que seu rival controlasse o território e compraram o Alasca por 7,2 milhões de dólares, uma quantia enorme para a época.

Petróleo e uma montanha renomeada

O Alasca foi considerado por muito tempo uma área vazia e selvagem até que grandes reservas de petróleo foram descobertas em 1967. A extração de petróleo é a principal responsável pelo atual boom econômico local. De fato, poucas horas após assumir o cargo em janeiro de 2025, Trump assinou uma ordem executiva expandindo a produção de petróleo e gás no Alasca, ao mesmo tempo em que flexibilizou os padrões de proteção ambiental.

Em seu discurso de posse, Trump também anunciou seu plano de renomear de volta a montanha mais alta do Alasca para Monte McKinley. A montanha de 6 mil metros de altura, a mais alta dos Estados Unidos, era conhecida como Monte McKinley de 1917 a 2015, até que o presidente Barack Obama restaurou seu nome indígena original, Denali.

Trump tem grande admiração pelo ex-presidente dos EUA William McKinley, que também usou tarifas como alavanca de política externa e expandiu o território dos EUA para incluir o Havaí e várias ilhas do Pacífico e do Atlântico.

Igrejas ortodoxas, lançadores de mísseis e refugiados

Até hoje, o Alasca é o lar de cerca de 80 comunidades cristãs ortodoxas russas que celebram o Natal no início de janeiro, de acordo com a fé ortodoxa.

Na época da Guerra Fria, o Mar de Bering, que separava os EUA da União Soviética, ficou conhecido como Cortina de Gelo. Naquela época, o Alasca se tornou a primeira linha de defesa do continente americano em caso de um ataque soviético. É por isso que o Exército dos EUA montou infraestruturas como a base Elmendorf-Richardson, instalações de radar e lançadores de mísseis no Alasca.

A ex-governadora do Alasca Sarah Palin, republicana que concorreu à vice-presidência ao lado de John McCain nas eleições presidenciais de 2008, alertou sobre o perigo representado pela Rússia. Ela queria ver maior vigilância e determinação ao lidar com seu “vizinho”, cujas tropas acabavam de invadir a Geórgia, razão pela qual Palin pediu a admissão da Geórgia e da Ucrânia na Otan.

Os EUA e a Rússia estão, na verdade, muito próximos. As duas ilhas Diomede, no estreito de Bering, estão a apenas três quilômetros de distância uma da outra – a maior pertence à Rússia, a menor ao Alasca e, portanto, aos EUA.

Em outubro de 2022, dois russos aproveitaram a proximidade, partindo da Rússia em um pequeno barco e cruzando para a ilha de St. Lawrence, que pertence ao Alasca, para evitar serem recrutados pelo Exército para lutar na Ucrânia.

Não é o primeiro encontro histórico no Alasca

Trump e Putin discutirão essa mesma guerra em Anchorage, sem a presença de representantes ucranianos, apesar do fato de a Ucrânia estar sob ataque da Rússia.

Não é a primeira vez que um chefe de Estado estrangeiro é recebido por um presidente dos EUA em Anchorage. Em setembro de 1971, o imperador japonês Hirohito desembarcou aqui em sua primeira viagem ao exterior. Após uma reunião com o presidente dos EUA Richard Nixon, ele viajou para Londres, Bonn e Paris.

Putin, no entanto, não poderia viajar para a Grã-Bretanha, Alemanha ou França, pois provavelmente seria preso e extraditado, já que o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão internacional contra o líder russo. Mas, como os EUA não reconhecem o tribunal, Putin não tem nada a temer no Alasca.