11/09/2025 - 8:06
Bombardeio de Israel contra líderes do Hamas em Doha pode desestabilizar ainda mais o Oriente Médio. Catar prometeu consequências. Ação israelense pode ainda ter impacto nas negociações sobre conflito em Gaza.Até agora, a resposta do Catar ao ataque israelense a um prédio na capital do país, Doha, na terça-feira (09/09), que matou cinco líderes políticos de baixo escalão do grupo Hamas e um oficial de segurança local, limitou-se a uma condenação verbal.
Emir do Catar, o xeque Tamim bin Hamad Al Thani, condenou o ataque e afirmou que o país responsabiliza Israel pelas “consequências”.
O primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani, disse que o ataque de Israel contra Doha “acabou com qualquer esperança” para os 48 reféns que ainda permanecem na Faixa de Gaza, acrescentando que se sentiu “traído” por esse atentado contra a soberania de seu país.
“Acho que o que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez foi simplesmente acabar com qualquer esperança para estes reféns”, disse o também chefe da diplomacia do Catar, país mediador junto com o Egito e os Estados Unidos nas conversas para a trégua em Gaza. “Não tenho palavras para expressar nossa indignação por este ataque. É terrorismo de Estado. Fomos traídos”, declarou.
Já Netanyahu afirmou que o ataque foi “totalmente justificado”, já que o Hamas organizou o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 contra Israel, com mais de 1.200 mortos e 250 reféns. O premiê também relacionou o ataque com o tiroteio em Jerusalém, que deixou seis mortos na segunda-feira.
O Hamas – grupo islâmico palestino classificado como organização terrorista por União Europeia, Israel, Estados Unidos e outros países – confirmou apenas que Himam al-Hayya, filho de seu principal negociador, Khalil al-Hayya, foi morto. De acordo com a agência de notícias AFP, Khalil e o líder do Hamas no exterior, Khaled Meshaal, também estavam no prédio atacado. A AFP informou que não conseguiu entrar em contato com nenhum dos dois.
Diplomacia ou escalada militar?
Para Sanam Vakil, diretora do Programa do Oriente Médio e Norte da África do think tank Chatham House, com sede em Londres, “o ataque é um alerta para toda a região, onde os limites das parcerias e alianças tradicionais estão sendo redefinidos”.
“Os países do Golfo sabem que suas parcerias com os Estados Unidos são importantes do ponto de vista econômico e de segurança. Por isso, é difícil imaginar uma ruptura ou rompimento imediato”, acrescenta a especialista.
Hugh Lovatt, pesquisador do Conselho Europeu de Relações Exteriores, não acredita que a situação atual possa se transformar em um conflito entre Catar e Israel. “O Catar não vai, de forma alguma, retaliar militarmente”, afirma. Em vez disso, ele especula que o país poderia usar seu fundo soberano para exercer pressão econômica.
Essa opinião é compartilhada por Neil Quilliam, especialista em relações exteriores da consultoria Azure Strategy, com sede em Londres. “O Catar não está preparado para escalar a situação. Uma retaliação levaria Israel a responder com mais força, e a confiança de Doha nos EUA para garantir sua proteção deve estar abalada no momento”, completa.
O Catar e os EUA, que são o parceiro mais importante de Israel e um forte apoiador na guerra contra Gaza, também são aliados estratégicos. O Catar abriga a maior base militar dos EUA na região e utiliza sistemas de defesa aérea americanos.
O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que não estava “muito empolgado” com a ação. Ele também afirmou em uma publicação nas redes sociais que não havia sido notificado com antecedência sobre o ataque ao Catar: “Essa foi uma decisão tomada pelo primeiro-ministro [israelense] Netanyahu; não foi decisão minha”.
“Considero o Catar um forte aliado e amigo dos EUA e sinto-me muito mal com o ataque naquele local”, escreveu Trump, também salientando que acreditava que eliminar o Hamas continuava a ser um “objetivo válido”.
Negociações sobre Gaza em risco?
O ataque israelense interrompeu a última rodada de negociações sobre um cessar-fogo em Gaza e a possível libertação dos reféns mantidos pelo Hamas após quase dois anos de guerra. Inicialmente, o premiê do país afirmou que o Catar não se deixaria intimidar pelo ataque.
“O Catar não poupou esforços para parar essa guerra e fará tudo o que estiver ao seu alcance para pôr fim a ela, para acabar com a hostilidade em Gaza”, afirmou a jornalistas, acrescentando que a sua mediação “continuará, e nada nos impedirá de seguir a desempenhar esse papel”.
A posição consolidada do Catar como negociador-chave entre Israel e o Hamas baseia-se nas suas ligações únicas com ambos os lados do conflito.
Nesta quarta-feira, porém, Al Thani disse à emissora americana CNN que está “reavaliando tudo” em relação ao papel de seu país nas negociações de cessar-fogo entre o Hamas e Israel. “Tenho repensado, até mesmo sobre todo o processo das últimas semanas, que Netanyahu está apenas desperdiçando nosso tempo”, declarou.
Monitorando o Hamas
Na opinião de Quilliam, “o Catar é realmente o mediador extraordinário na região quando se trata de Israel”. Isso começou a se desenvolver especialmente a partir de 2012, quando a liderança política do Hamas se mudou da Síria para a capital do Catar, Doha. Na época, os EUA queriam impedir que o Hamas se mudasse para o Irã, um firme apoiador do grupo com quem compartilha a oposição a Israel e aos Estados Unidos. Washington presumiu que, em Doha, seria mais fácil monitorar o grupo.
Para Quilliam, os laços do Catar com o Hamas podem ser melhor descritos como uma relação profissional. “O Catar está mais propenso a manifestações políticas do islamismo na região”, afirmou. Países vizinhos, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, costumam ser mais abertamente contrários a grupos islâmicos.
Ele acrescenta que o Catar também é um crítico ferrenho de Israel, destacando-se de outros países da região [como Bahrein ou Emirados Árabes Unidos, que estabeleceram relações diplomáticas com Israel como parte dos Acordos de Abraão mediados pelos Estados Unidos em 2020].
No entanto, o especialista ressalta que, embora o Catar respeite o Hamas como um movimento político e de resistência, não endossou publicamente o controle exclusivo do grupo sobre Gaza.
Relações pragmáticas
A postura do Catar geralmente tem sido apreciada por Israel, que ao longo do tempo desenvolveu confiança nas habilidades catarianas de negociação. No entanto, Catar e Israel não têm laços formais, mas sim relações pragmáticas desde a década de 1990.
Para o governo de Netanyahu, manter o Catar na mesa de negociações é importante devido à pressão crescente dentro e fora de Israel para acabar com a guerra em Gaza. Desde então, mais de 64.500 palestinos foram mortos, número que não pode ser confirmado, mas é considerado confiável, provindo do Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas. Além disso, cerca de 50 reféns permanecem em cativeiros do Hamas, dos quais se estima que apenas 20 ainda estejam vivos.