06/10/2025 - 8:23
Queda de Lecornu evidencia dificuldade para Macron formar um governo com um parlamento fragmentado e renova apelos por renúncia do presidente.Menos de 24 horas após anunciar a composição de seu governo, imediatamente criticada pela oposição e até por aliados, o primeiro-ministro da França, Sébastien Lecornu, apresentou nesta segunda-feira (06/10) sua renúncia ao presidente Emmanuel Macron, que a aceitou.
O terceiro governo nomeado em um ano foi também o mais curto. A frágil coalizão governista ruiu em poucas horas, e, diante da ameaça de cair já nos seus primeiros dias, o novo premiê parece ter optado por se antecipar ao que se apresentava inevitável. “Não se pode ser primeiro-ministro quando não existem as condições para governar”, declarou.
Por que o governo caiu?
O premiê renunciou por causa do descontentamento dentro da aliança de governo. Lecornu anunciara um governo de continuidade na noite de domingo, o que incluía o retorno do ex-ministro das Finanças Bruno Le Maire, desta vez à frente do Ministério da Defesa. Essa nomeação desagradou o partido conservador Republicanos (LR), aliado de Macron desde setembro de 2024.
O líder do partido, Bruno Retailleau, que acabara de ser reconduzido ao cargo de ministro do Interior, denunciou uma composição que não refletia “a ruptura prometida” e convocou uma reunião de emergência da liderança de seu partido para esta segunda-feira.
A causa do descontentamento seria o retorno de Le Maire, um “desertor” do LR que se uniu às fileiras de Macron em 2017 e que foi ministro das Finanças daquele ano até 2024. Para a direita, Le Maire simboliza a política orçamentária que levou ao alto nível da dívida pública do país, de mais de 115% do Produto Interno Bruto (PIB).
Outro motivo de descontentamento para os conservadores teria sido a grande fatia reservada ao partido de Macron na composição do governo, com dez ministros, em comparação com apenas quatro para o LR.
O LR, o histórico partido de direita dos ex-presidentes Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, também havia pressionado Lecornu até o último momento para que incluísse o combate à imigração ilegal em seu programa de governo.
Já a oposição, formada pelo partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) e pelo bloco de esquerda, criticou nos termos mais duros um governo no qual 12 dos 18 membros faziam parte da equipe deposta no início de setembro. Cargos importantes permaneceram praticamente inalterados em relação ao gabinete anterior.
Em reação, o partido de extrema esquerda A França Insubmissa (LFI) e o Partido Verde, que integram o bloco da esquerda, anunciaram que apoiariam uma moção de censura do governo.
Já a líder do RN, Marine Le Pen, disse estar “sem palavras” e criticou especialmente o retorno de Le Maire, “o homem que levou a França à falência”.
Também os socialistas se mostraram insatisfeitos. “O que os macronistas estão fazendo? Sua teimosia está mergulhando o país cada vez mais no caos”, declarou Boris Vallaud, líder da bancada do Partido Socialista (PS).
E o que acontece agora?
Todos as atenções se voltam agora, mais uma vez, para Macron. Após aceitar a renúncia de Lecornu, restam três opções para o presidente francês – nenhuma delas fácil.
A primeira seria nomear um novo primeiro-ministro, o que tem se revelado uma tarefa ingrata para Macron, já que esse nome precisa ser aprovado pela Assembleia Nacional.
Desde a decisão do presidente de dissolver a Assembleia Nacional após as eleições europeias de 2024, o legislativo está dividido em três grandes blocos: a aliança da esquerda, o bloco centrista/macronistas e a ultradireita.
Nenhum deles tem maioria absoluta. A oposição de ultradireita e esquerda detêm mais de 320 cadeiras, enquanto os centristas e seus aliados conservadores detêm 210.
Depois do fracasso de dois aliados (Lecornu e François Bayrou), parece pouco provável que Macron vá escolher um novo nome de seu próprio campo. Porém, ele tem relutado em nomear um esquerdista, apesar dos apelos do PS, pois a esquerda quer diluir sua reforma previdenciária, conquistada a duras penas.
Uma figura da esquerda também irritaria a centro-direita, que quer mais ênfase na lei e na ordem, no combate à imigração e na austeridade econômica.
A segunda opção seria dissolver o parlamento e convocar uma nova eleição legislativa, uma medida que Macron disse não estar disposto a adotar e que poderia potencialmente levar a um governo da ultradireita se ela obtiver a maioria parlamentar.
A líder da ultradireita, Marine Le Pen, disse nesta segunda-feira que a dissolução da Assembleia Nacional era “absolutamente inevitável” e acrescentou que seria “sensato” se Macron renunciasse.
Essa seria a terceira opção – reiteradamente descartada pelo presidente. Quem a defende argumenta que Macron é responsável pela instabilidade política que assola a França desde junho de 2024 devido à sua decisão de convocar novas eleições.
Não está claro quem poderia ganhar uma eleição presidencial, mas as pesquisas sugerem que a RN tem boas chances de vitória.
Dois complicadores adicionais
A situação política da França tem sido frágil desde 2022, quando Macron perdeu a maioria no parlamento. Ela piorou ainda mais após ele convocar inesperadamente eleições legislativas antecipadas em 2024, o que resultou no atual parlamento sem maioria e dividido entre três blocos ideológicos distintos.
Isso já complica bastante a situação, mas há dois outros fatores que tornam tudo ainda mais difícil.
O primeiro é a crise orçamentária, com a França sob crescente pressão para regular seus gastos públicos. A dívida pública chega a 3,3 trilhões de euros, a França tem o maior déficit da zona do euro, e Macron encarregou uma série de primeiros-ministros de aprovar orçamentos enxutos.
Michel Barnier foi o primeiro a tentar, mas foi derrubado pelo parlamento em dezembro passado por sua proposta de cortes para o orçamento de 2025. Seu sucessor, Bayrou, conseguiu aprovar a legislação de 2025, mas foi destituído no mês passado devido às suas propostas de cortes de 44 bilhões de euros no orçamento de 2026. Lecornu, que teria como principal tarefa aprovar um orçamento, durou menos de um mês.
O outro fator-chave que contribui para a instabilidade política na França é a corrida para suceder Macron, que não pode concorrer em 2027. Todos os partidos políticos têm tentado se posicionar de olho na votação. Isso dificulta ainda mais encontrar um consenso no parlamento, pois os legisladores não têm disposição para ceder em negociações.
Foi justamente disso que Lecornu reclamou ao se pronunciar nesta segunda-feira. “Os partidos políticos continuam a adotar uma postura como se todos tivessem maioria absoluta na Assembleia Nacional”, disse. “Bastava pouco para que funcionasse. É preciso sempre colocar o país à frente do partido”, afirmou.