16/08/2021 - 11:39
Terremotos vêm causando devastação no Haiti desde pelo menos meados do século 18, quando a capital, Porto Príncipe, foi destruída duas vezes em 19 anos. O século 21 não tem sido menos duro: o forte tremor deste sábado (14/08) matou centenas e feriu outros milhares. Onze anos antes, um outro abalo sísmico custara dezenas, se não centenas de milhares de vidas.
Por que o Haiti é tão propenso a terremotos?
O Haiti se situa na interseção de duas placas tectônicas, a norte-americana e a caribenha. Sismos ocorrem quando elas se deslocam entre si, criando fricção. Numerosas falhas entre as placas atravessam ou passam perto da ilha de Hispaniola, que o país partilha com a República Dominicana, e nem todas se comportam da mesma maneira.
“Hispaniola está num local onde ocorre a transição de placas que se entrechocam para as que deslizam uma em relação à outra”, explica o geólogo pesquisador Rich Briggs, do Centro de Ciência de Risco Geológico do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).
“É como uma pedra presa no trilho de uma porta de correr de vidro: ela simplesmente não vai se mover de modo suave, porque há tantas forças diferentes em ação.”
O que causou o tremor mais recente?
O terremoto do sábado, de magnitude 7,2, provavelmente ocorreu ao longo da falha de Enriquillo-Plantain Garden, que corta a Península de Tiburon, no sudoeste haitiano, segundo o USGS.
É a mesma zona de falha em que houve o devastador abalo de 2010. Ela é possivelmente também a origem de três outros grandes terremotos no país, entre 1751 e 1860, dois dos quais destruíram Porto Príncipe.
A fricção entre as placas tectônicas em movimento aumenta lentamente, explica Gavin Hayes, consultor-chefe científico para riscos sísmicos e geológicos do USGS. “Essa fricção vai crescendo, e em algum momento a tensão acumulada ali vence a fricção. É quando a falha se move subitamente, o que resulta no terremoto.”
Por que os sismos são tão devastadores no Haiti?
Trata-se de uma combinação de fatores, envolvendo uma área de grande atividade sísimica; a alta densidade populacional do país de 11 milhões de habitantes; e edifícios projetados para resisitir a furações, mas que são vulneráveis a tremores do solo.
Uma edificação típica de concreto armado e blocos de concreto é capaz de sobreviver a ventos fortes, mas é vulnerável a danos e desmoronamentos, se o chão treme. Práticas de construção mal pensadas também representam um papel.
O sismo de 2010 atingiu uma área mais próxima da populosa capital Porto Príncipe, causando ampla destruição. O governo haitiano estimou em 300 mil o número de mortos, enquanto um relatório encomendado por Washington chegou a uma cifra entre 46 mil e 85 mil.
“Acho importante reconhecer que desastres naturais não existem”, comenta a geóloga Wendy Bohon, do consórcio universitário de sismologia Iris. “O que se tem é um risco natural que se intersecta com um sistema vulnerável.”
Quando será o próximo terremoto?
Isso é algo que os geólogos não podem dizer, “mas sabemos que terremotos como esse podem causar abalos de magnitude semelhante na próxima porção de falha tectônica”, confirma Hayes, do USGS. “E é um risco bem significativo, em áreas que não tenham as práticas arquitetônicas para resistir ao tremor.”
A construção de prédios mais resistentes a tremores continua sendo um desafio no Haiti, que é a nação mais pobre do Hemisfério Oeste. Embora haja histórias isoladas de sucesso na construção de estruturas mais resistentes, falta um esforço mais centralizado nesse sentido, afirma Mark Schuller, professor de antropologia e estudos de ONGs na Universidade de Northern Illinois.
Antes do desastre do sábado, o país ainda estava se recuperando tanto do terremoto de 2010 como do furacão Matthew, de 2016. Em julho, o presidente Jovenel Moïse foi assassinado, gerando caos político. O governo haitiano tem se mostrado cada vez mais debilitado, enquanto os ONGs se concentram em seus próprios projetos compartimentalizados.
“No Haiti há o conhecimento tecnológico, há arquitetos treinados, há urbanistas, esse não é o problema”, afirma Schuller. “O problema é a falta de financiamento para a coordenação e a falta de vontade política dos doadores [às organizações que fornecem ajuda].”
av/ek (AP)