01/12/2025 - 17:04
Ser paraíso para mineração de bitcoin pode não valer a pena. Sobrecarga da matriz energética e proliferação de golpes viram desafio para governos.A empresa estatal de energia da Malásia acumulou perdas de mais de 1 bilhão de dólares (mais de R$ 5,3 bilhões) devido ao uso ilegal de eletricidade por mineradores de criptomoedas entre 2020 e agosto deste ano, informou o Ministério de Energia do país no início deste mês.
A polícia malaia intensifica a repressão a este crime. Desde janeiro, ocorrem operações em locais suspeitos, como parte de uma ação conjunta com reguladores de energia e autoridades anticorrupção para combater o furto de eletricidade ligado à mineração de criptomoedas.
A estatal afirmou em um relatório ao Parlamento, neste mês, que identificou 13.827 estabelecimentos suspeitos de operarem ilegalmente.
“Essas atividades não apenas ameaçam a segurança dos usuários, mas também colocam em risco a estabilidade econômica do país, aumentam os riscos à segurança pública e representam uma séria ameaça ao sistema nacional de fornecimento de energia”, disse em comunicado.
A exemplo da Malásia, o Sudeste Asiático parece caminhar para uma abordagem mais cética e regulatória em relação às criptomoedas — uma que trata a eletricidade como recurso estratégico e questiona se fileiras anônimas de servidores merecem prioridade em redes elétricas frágeis e altamente dependentes de combustíveis fósseis.
Substituindo a China
A China já foi o maior polo mundial de mineração de criptomoedas, um processo de alta demanda energética que utiliza computadores potentes para resolver complexos problemas matemáticos, validar transações e gerar novas moedas digitais como recompensa.
Mas quando o governo chinês proibiu a prática em 2021, citando riscos à estabilidade financeira e à conservação de energia, vários países do Sudeste Asiático se moveram rapidamente para receber mineradores fugindo da repressão, na expectativa de monetizar a eletricidade barata e atrair novos investimentos.
O caso mais emblemático foi o do Laos, país sem saída para o mar e rico em recursos energéticos, que em 2021 lançou um programa-piloto permitindo que algumas empresas minerassem e negociassem criptomoedas usando excedentes de energia hidrelétrica.
O clima em torno da mineração de criptomoedas se deteriorou nos últimos meses. China e Estados Unidos têm intensificado ações contra a ampla indústria de golpes cibernéticos do Sudeste Asiático , supostamente ligada à mineração de criptomoedas.
Tempestade no horizonte
Ao mesmo tempo, governos do Sudeste Asiático constataram que o ganho esperado com a recepção de mineradores não se concretizou. Enquanto isso, os custos para redes elétricas já sobrecarregadas e metas climáticas aumentam.
No mês passado, o governo do Laos anunciou que encerrará seu programa de mineração de criptomoedas e provavelmente cortará o fornecimento de eletricidade aos mineradores até o primeiro trimestre de 2026, após resultados decepcionantes.
A decisão foi atribuída à ausência de efeitos econômicos mais amplos — como empregos e cadeias produtivas locais — além do alto consumo de energia pela mineração durante a estação seca, quando a geração hidrelétrica diminui.
“Criptomoeda não gera valor quando comparada ao fornecimento de energia para consumidores industriais ou comerciais”, disse à agência de notícias Reuters o vice-ministro de Energia, Chanthaboun Soukaloun.
Em março, o Departamento Central de Investigações da Tailândia apreendeu dezenas de máquinas ilegais de mineração de criptomoedas escondidas em casas abandonadas perto de Bangkok. As autoridades estimam que elas tenham causado um prejuízo de cerca de 327 mil dólares em eletricidade furtada.
Baixo retorno econômico
Na semana passada, o Ministério da Transição Energética e Transformação Hídrica da Malásia afirmou ter criado um comitê governamental para enfrentar o crescente problema do furto de eletricidade ligado à mineração de criptomoedas.
“A atenção deveria estar em como melhorar a segurança da cadeia de fornecimento de energia nesses países”, disse à DW Qiang Tang, professor associado da Escola de Ciência da Computação da Universidade de Sydney, na Austrália.
Saaidal Razalli Azzuhri, especialista em telecomunicações da Universidade da Malásia, acredita que a estimativa atual de 1 bilhão de dólares seja conservadora na contabilização das perdas causadas por mineradores que furtaram energia no país.
“Esse número cobre apenas os locais que foram efetivamente encontrados e inspecionados e não inclui instalações não detectadas ou danos de longo prazo a transformadores e cabos.”
Eletricidade barata ou furtada
Como muitas criptomoedas — especialmente o bitcoin — têm um limite rígido de emissão, suas redes passam por eventos de halving (que significa cortar pela metade em inglês), quando a criação de novas moedas é drasticamente reduzida, comprimindo os lucros dos mineradores.
O último “halving” ocorreu em abril de 2024. Após esse tipo de evento, “a mineração só faz sentido se a eletricidade for extremamente barata ou furtada”, diz Azzuhri.
Mas não são só os custos econômicos que preocupam os governos. Na Malásia, cerca de 80% da eletricidade produzida internamente vem de carvão ou gás natural.
Na região como um todo, combustíveis fósseis ainda representam aproximadamente três quartos da matriz energética, segundo a Agência Internacional de Energia. “Os governos estão cada vez mais desconfortáveis com o uso de energia escassa — majoritariamente fóssil — para a mineração ilegal de bitcoin”, prossegue Azzuhri.
Repressão a golpes
Tudo isso ocorre em meio a uma grande repressão global aos golpes financiados por criptomoedas e aos enormes complexos de golpes no Sudeste Asiático que os operam.
Um relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, publicado em abril, mostrou que grupos criminosos transnacionais do Sudeste Asiático estavam expandindo rapidamente suas operações no mundo inteiro, usando a mineração ilegal de criptomoedas como uma “ferramenta poderosa” para lavar bilhões em recursos ilícitos.
No início deste mês, o governo dos Estados Unidos anunciou a criação de uma força-tarefa para combater o aumento dos golpes de investimento em criptomoedas cometidos por organizações criminosas transnacionais sediadas na região. Segundo o Departamento de Justiça, elas estariam fraudando americanos em quase 10 bilhões de dólares (R$ 53,6 bilhões) por ano.
O órgão acrescentou que os EUA já haviam apreendido e confiscado mais de 400 milhões de dólares em criptomoedas (R$ 2,1 bilhões) e anunciaram procedimentos de confisco para outros 80 milhões de dólares (R$ 428,8 milhões), que serão devolvidos às vítimas.
Em outubro, os EUA e o Reino Unido impuseram sanções históricas ao conglomerado cambojano Prince Group, acusado de operar complexos de golpes com trabalho forçado em vários países do Sudeste Asiático e lavar os lucros por meio de cassinos, imóveis e criptomoedas.
As autoridades americanas apreenderam cerca de 15 bilhões de dólares (R$ 80,4 bilhões) em bitcoin pertencentes a Chen Zhi, cambojano naturalizado e CEO do Prince Group. O empresário, que já atuou como conselheiro da família governante do Camboja, também foi indiciado por fraude eletrônica e lavagem de dinheiro.
