15/05/2022 - 12:39
O homem come carne desde a pré-história. Esse consumo aumentou com o passar do tempo.
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Somente nos últimos 50 anos, a produção global de carne foi quadruplicada, chegando a cerca de 350 milhões de toneladas anuais, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
E a tendência não mostra sinais de queda. As previsões atuais sugerem que até 455 milhões de toneladas de carne serão produzidas em 2050.
Há muito tempo, os cientistas têm levantado preocupações sobre o impacto ambiental deste hábito, particularmente em relação aos animais criados de forma industrial. Especialistas consideram ainda essa uma fonte alimentar “ineficiente”, por requer mais energia, água e solo para produção do que outros alimentos.
Um estudo sobre o impacto da agropecuária, por exemplo, revelou que a produção de carne bovina é responsável por seis vezes mais emissões de gases de efeito estufa e precisa 36 vezes de mais solo em comparação com a produção de proteínas vegetais, como a ervilha.
Assim, evitar o consumo de carne e laticínios é a maior maneira de reduzir o impacto ambiental no planeta, conclui o estudo. Essa mudança na dieta poderia reduzir o uso global de terras agrícolas em mais de 75%.
Além disso, 60% da perda global de biodiversidade é causada por dietas à base de carne, segundo fontes do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
A psicologia por trás do consumo de carne
Apesar destes dados, muitos continuam consumindo de carne sem nenhum peso na consciência. Benjamin Buttlar, psicólogo da Universidade de Trier, na Alemanha, atribui isto ao hábito, à cultura e às necessidades sentidas.
“Muitos apenas apreciam o sabor. E outro aspecto é a identidade da alimentação. Muitas cozinhas tradicionais giram em torno de certos pratos de carne”, disse Buttlar, acrescentando que a natureza habitual de comer animais significa não questionar muitas vezes esse ato.
“E, na maioria das vezes, estes hábitos nos impedem de refletir que o consumo de carne é realmente ruim porque é apenas algo que fazemos o tempo todo”, observa.
Há também a facilidade de dissociação devido ao fato de um pedaço de carne não parecer um animal. No entanto, quando confrontados com uma perspectiva diferente, seja ao falar com um vegetariano ou um vegano ou ao assistir a um documentário sobre o bem-estar animal, Buttlar diz que podemos sentir a necessidade de nos justificar, por exemplo, dizendo que os humanos sempre comeram carne.
Pesquisas mostram homens são os que mais costumam justificar que o consumo de carne é algo natural, normal e necessário na dieta.
“Você vê isso nas tendências alimentares”, explicou Buttlar. “Há muito mais mulheres jovens aderindo à dieta vegetariana do que homens, porque ainda é um estereótipo masculino que os homens comem carne. E isto remonta à ideia de homens fortes caçando e equívocos evolutivos sobre o consumo de carne”.
A hipótese de que “carne nos tornou humanos”
Cientistas há muito acreditavam que comer carne ajudou os ancestrais do Homo sapiens a desenvolver formas corporais mais humanas e que comer carne e medula óssea deu ao Homo erectus a energia necessária para formar e alimentar um cérebro maior há cerca de 2 milhões de anos.
Mas um estudo recente questionou a importância do consumo de carne em nossa evolução.
Os autores do estudo argumentaram que, embora as evidências arqueológicas para o consumo de carne aumentem com o aparecimento do Homo erectus, isso também poderia ser explicado pela maior atenção dada ao período de tempo. Ou, dito de outra forma, por um viés de amostragem.
Quanto mais paleontólogos procuravam evidências arqueológicas de ossos esquartejados, mais eles as encontravam. Como resultado, o aumento de ossos observado durante este período não necessariamente evidencia uma explosão no consumo de carne, escreveram os autores.
“Fiquei realmente muito surpresa com esta descoberta”, disse Briana Pobiner, paleoantropóloga do Museu Smithsoniano de História Natural nos EUA e coautora do estudo. “Durante muito tempo, usei a narrativa de que o Homo erectus evoluiu porque o consumo de carne aumentou, e por isso estas descobertas são algo que me obrigaram a reexaminar minha percepção da nossa história evolucionária”.
E o papel dos alimentos de origem vegetal na evolução?
Comer carne também pode não ter sido responsável pelo superdimensionamento de nosso cérebro, segundo Pobiner, que pesquisa a evolução da dieta humana.
“Não vemos um grande aumento no tamanho do cérebro por volta da época em que o consumo de carne começou. O tamanho do cérebro ficou absolutamente maior com o Homo erectus, mas na verdade não ficou muito maior em comparação com o tamanho do corpo até cerca de 1 milhão de anos atrás”.
Há algumas evidências de que os primeiros seres humanos começaram a cozinhar os alimentos por volta da época em que seus cérebros estavam ficando maiores. O aquecimento dos alimentos libera nutrientes extras e acelera o processo de digestão por ficarem mais macios e fáceis de mastigar.
Para a pesquisadora, a evolução humana pode ser atribuída a uma dieta saudável. “E, curiosamente, há ideias de que não foi um tipo particular de alimento que impulsionou nossa história evolutiva, mas foi a capacidade de comer uma grande variedade de alimentos que nos tornou tão bem sucedidos e humanos”, acrescentou.
Atualmente, 75% dos alimentos do mundo provêm de apenas 12 plantas e cinco espécies animais. O consumo excessivo de uma única fonte de alimento, no entanto, pode causar problemas de saúde.
“Inúmeros estudos mostram que, o consumo de proteína animal está relacionado ao desenvolvimento de uma variedade de cânceres”, afirma Milton Mills, clínico geral e de cuidados críticos nos EUA.
Mills, que defende as dietas à base de plantas e mantém um site sobre o tema, discorda dos argumentos que vegetarianos ou veganos normalmente não obtêm proteínas e nutrientes suficientes em suas dietas.
“Essas teorias tiveram origem há 50, 60 anos, quando havia a impressão errada de que a carne era de alguma forma mais nutritiva do que vegetais. Era um equívoco grotescamente falso de que certos aminoácidos só eram obtidos com o consumo de carne. Isso não é verdade”, disse Mills.
Como mudar os hábitos?
Com um apetite inalterado por carne, a população mundial poderá ser grande demais para se alimentar até 2050, quando o mundo deve alcançar 10 bilhões de habitantes.
Mas como reduzir os níveis de consumo global de carne? Buttlar acredita que a mudança deve vir de cima para baixo. “Por exemplo, tornando a carne e derivados tão caros quanto deveriam ser para garantir o bem-estar animal e em termos de custos para o clima, e reduzindo o preço das alternativas”.
O que também é importante, de acordo com Buttlar, é permitir que as pessoas façam experiências positivas com alternativas baseadas em plantas.
“Em vez de tentar mudar hábitos dizendo: ‘você não deve comer carne’, deveríamos dizer: ‘você já experimentou isso? Isto é muito bom’. E uma vez percebido que os alimentos à base de plantas têm o mesmo sabor ou são até mais gostosos, e ainda mais benéfico para a minha saúde, para o clima e para o bem-estar animal, então a mudança virá automaticamente”.