08/12/2025 - 18:08
Novo governo quer ampliar gastos para impulsionar crescimento, apesar da enorme dívida do país. Analistas advertem que políticas da premiê Takaichi não vão expandir economia e podem ainda gerar turbulências nos mercados.Estimular o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, combater o crescente custo de vida são propagandeados como as principais prioridades da primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi , que assumiu o cargo em outubro.
Takaichi, de 64 anos, vem tentando evitar o destino de seu antecessor, Shigeru Ishiba, que ficou no poder por pouco mais de um ano antes de perder o cargo em meio à insatisfação generalizada da população com a inflação persistente, entre outros problemas.
Admiradora do ex-premiê Shinzo Abe , Takaichi prometeu dar continuidade à chamada Abenomics [junção do nome de Abe com o termo em inglês economics (economia)] de seu mentor – um conjunto de medidas econômicas que envolviam uma política monetária extremamente frouxa, estímulos fiscais e reformas estruturais para tirar o Japão de uma espiral deflacionária de décadas, caracterizada pela queda de preços e baixo consumo.
A economia do Japão, a quarta maior do mundo, se contraiu no terceiro trimestre, o que aumentou a pressão sobre Takaichi.
No mês passado seu governo anunciou um grande pacote de gastos para impulsionar o crescimento e ajudar as famílias japonesas. O pacote, no valor de 135 bilhões de dólares (R$ 733 bilhões), inclui auxílios financeiros para os pais e subsídios de energia.
Estímulo pode acelerar crescimento no Japão?
Werner Pasha, especualista em Japão e professor emérito do Instituto de Estudos do Leste Asiático da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, acredita que o estímulo não fomentará significativamente a expansão econômica.
“Primeiro, o aumento da demanda significa que haverá mais pressão inflacionária, possivelmente já no curto prazo, mas pelo menos no médio prazo”, afirmou o especialista à DW. “Segundo, é questionável se o governo realmente conseguirá aumentar as despesas efetivas tão rapidamente quanto gostaria. No passado, não conseguiu.”
Margerita Estevez-Abe, especialista em Japão da Escola Maxwell da Universidade de Syracuse, também acredita que a maioria dos itens da proposta de orçamento de Takaichi pouco contribuirá para acelerar o crescimento.
Ela disse que Takaichi deve prometer investimentos em uma longa lista de setores fundamentais, como inteligência artificial (IA), semicondutores, biotecnologia, espacial, transporte marítimo e aeroespacial. “Mas isso parece mais uma lista de desejos do que um plano estratégico sério.”
Estevez-Abe argumenta que mais gastos “são a solução equivocada” para os problemas do Japão, que, segundo ela, resultam de desafios estruturais, como o envelhecimento e a diminuição da população, investimentos inadequados em educação pública e má alocação de capitais para setores ineficientes.
“Não acho que o orçamento de Takaichi, ou qualquer coisa que ela tenha declarado até agora, aborde qualquer um dos principais fatores subjacentes”, afirmou.
Situação precária das finanças públicas
Os planos de expansão de gastos da primeira-ministra também correm o risco de sobrecarregar ainda mais as finanças públicas.
O Japão já possui a maior dívida pública entre as economias mais avançadas do mundo, que representa cerca de 250% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
O país, até agora, evitou uma crise de endividamento, em grande parte, devido à estrutura de sua dívida.
Todos os títulos do governo são denominados em moeda japonesa, o iene, e mais de 90% deles são detidos por instituições japonesas, sendo que mais da metade pelo Banco Central.
Embora o governo japonês esteja altamente endividado, a economia como um todo é “rica”, afirma Franz Waldenberger, diretor do Instituto Alemão de Estudos Japoneses, acrescentando que a participação do Japão em ativos externos líquidos como percentual do PIB está “entre as mais altas do mundo”.
“Eu chamo isso de ‘país rico, governo pobre'”, disse Waldenberger à DW.
Alta dos juros e inflação persistente
Apesar disso, a letargia econômica e a recente onda de gastos aumentaram o custo da dívida, com os juros cobrados pelos investidores para manter os títulos do governo japonês em alta nos últimos meses.
As taxas de juros dos títulos do governo japonês de dez anos – o retorno anual total que um investidor espera de um título e que flutua inversamente ao preço do título – saltaram na semana passada para 1,92%, seu nível mais alto em quase duas décadas.
“O mercado de títulos do Japão está à beira de um colapso”, disse à DW Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe para a região da Ásia-Pacífico do banco de investimento francês Natixis. Ele diz que a “onda de gastos desenfreados” do Japão é “como ver um jogador dobrar a aposta em uma mão perdedora”.
A inflação, por sua vez, permaneceu de maneira consistente acima da meta de 2% do Banco Central.
O país, com poucos recursos naturais, depende fortemente da importação de alimentos, energia e matérias-primas para impulsionar sua economia. Um iene fraco está contribuindo para a pressão sobre os preços, tornando as importações mais caras.
“A inflação só diminuirá quando o iene se fortalecer, mas isso exige um aumento da taxa de juros, o que impacta negativamente a capacidade do governo de tomar empréstimos”, disse Estevez-Abe, que vê o plano de Takaichi como uma situação sem saída.
O Banco do Japão elevou sua taxa básica de juros de 0,25% para 0,5% em janeiro, mas desde então a manteve inalterada. E há especulações de que o Banco Central esteja se preparando para aumentar as taxas em sua próxima reunião, nos dias 18 e 19 de dezembro.
Temor de desmantelamento do “carry trade”
A combinação de taxas de juros mais altas e melhores rendimentos dos títulos do governo japonês gerou preocupação nos mercados financeiros sobre como isso afetará o chamado carry trade – prática que consiste em emprestar dinheiro em uma moeda com juros baixos, investir esse dinheiro em outra moeda com juros altos e lucrar com as diferenças entre as taxas de juros.
Durante décadas, investidores globais em operações de carry trade têm contraído empréstimos de baixo custo em ienes japoneses e usado o dinheiro emprestado para comprar ativos de maior rendimento no exterior, como ações americanas e títulos do Tesouro.
Essa prática funciona enquanto as taxas de juros no Japão permanecerem baixas e o iene estiver fraco.
Mas se as taxas de juros e os rendimentos dos títulos japoneses subirem, e o iene se fortalecer, o carry trade poderá ser desfeito, potencialmente desencadeando turbulências no mercado e afetando as avaliações de ativos em todo o mundo, particularmente as de ativos de risco, como criptomoedas e ações de tecnologia.
“Essa confusão está intensificando os temores de uma implosão do carry trade em ienes, aquele esquema Ponzi global de 20 trilhões de dólares, onde empréstimos baratos em ienes alimentam tudo, desde bolhas de tecnologia em Wall Street até excessos em mercados emergentes”, disse Garcia-Herrero, se referindo ao golpe semelhante a uma “pirâmide” financeira que usa dinheiro de novos investidores para pagar os mais antigos.
Embora as chances de isso se transformar em uma crise financeira massiva como a de 2008/09 sejam baixas, a economista avalia disse que poderia atingir os mercados duramente, “reduzindo equidades em 5% a 12% e elevando os rendimentos dos títulos em 20 a 40 pontos-base”.
Pasha descreveu o carry trade do iene como um “fenômeno macroeconômico bastante perverso”, explicando que contribuiu para “a exuberância em relação ao bitcoin e, possivelmente, para a valorização extrema das ações de alta tecnologia e IA”, entre outros problemas.
Dessa perspectiva, Pasha enfatizou que “é até bem-vindo que, eventualmente, existam forças para que o carry trade do iene seja reduzido ou mesmo revertido”.
No entanto, há o perigo de que “os mercados possam se desestabilizar e sair do controle, caso os fluxos financeiros mudem abruptamente”, alertou, acrescentando que “um fenômeno puramente financeiro como o desmantelamento do carry trade será menos prejudicial” para os mercados do que um evento sério no mundo real, como uma intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China ou uma nova pandemia.
