Brasil lidera média de preços de voos na América Latina, mesmo quando comparadas rotas com distâncias semelhantes em outros países. Ausência de companhias low cost, concentração e alto custo estrutural agravam cenário.Os preços das passagens aéreas para Belém durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) chamaram a atenção para o tema das elevadas tarifas cobradas no mercado doméstico.

Em casos como o de Belém, as distâncias do território brasileiro fazem com que os combustíveis – que têm grande peso no custo das viagens – elevem os gastos. No entanto, há uma série de outras características do mercado nacional por trás da dificuldade de encontrar voos com preços mais acessíveis, como ocorre na Europa e nos Estados Unidos e até mesmo em outros países da América Latina.

O Brasil lidera a média de preços de voos domésticos na região, com US$ 135, quase o dobro do Peru, com US$ 70, segundo levantamento da plataforma de inteligência turística Mabrian. O estudo projeta uma alta de 12,2% nos preços dos bilhetes brasileiros neste ano, enquanto os peruanos devem subir apenas 1,7%.

Comparando os preços dos voos mais baratos entre algumas das principais rotas domésticas de Brasil, Argentina, Chile, Peru e Colômbia, o Instituto de Investigações Econômicas da Bolsa de Comércio de Córdoba encontrou os voos brasileiros como os mais caros proporcionalmente. Segundo o levantamento, cada milha voada teve custo de US$ 0,093 no Brasil, valor de US$ 0,067 no Peru e US$ 0,043 na Colômbia.

A DW Brasil fez o teste e buscou os voos mais baratos entre as rotas mais relevantes destes países com uma semana de antecedência. No caso de São Paulo-Rio, uma distância em linha reta de 357 quilômetros, o voo mais barato sai por R$ 740, partindo de Congonhas. Em caso de decolagem em Viracopos, o preço cai para R$ 547. Entre Buenos Aires-Córdoba, um trajeto de 647 km o preço foi de R$ 251. O percurso de 571 km entre Lima-Cusco tem custo de R$ 237. O mais barato, Bogotá-Medellín, sai por R$ 165, na distância de 246 km.

No caso dos outros países, há a presença do modelo de companhias low cost, que propicia passagens mais baratas mediante pagamento extra por serviços, que vem crescendo em outros países da região, mas não no Brasil.

A concentração do mercado em apenas três empresas aéreas (Gol, Azul e Latam) que cumprem papéis semelhantes é um fator citado por analistas como um dos que leva ao atual cenário no país.

“O alto custo estrutural, a pesada carga tributária, a instabilidade monetária em um setor onde as aeronaves são financiadas em dólares, mas as receitas são em reais, e a infraestrutura limitada tornou muito mais difícil replicar o que aconteceu em outros países”, afirma Emilio Inés Villar, responsável de turismo internacional na The Data Appeal Company – Almawave Group.

Segundo ele, nos últimos anos México, Colômbia e Chile são casos onde a desregulamentação e os baixos custos operacionais foram condições favoráveis para que este tipo de serviço aéreo prosperasse. “Isso significou que as tentativas de introduzir opções de baixo custo não deram frutos no Brasil”, aponta Villar.

“O combustível faz parte dos custos operacionais, mas não é o único que pode aumentar o custo da passagem. Outros fatores influenciam no Brasil, como taxas e impostos aeroportuários, e até mesmo a falta de alternativas de transporte equivalentes que suportem as comunicações internas no país”, indica o especialista.

Low costs e “zona de conforto”

“As empresas aéreas brasileiras encontraram sua zona de conforto. Não há motivação para novos modelos, já que não há um ambiente acolhedor”, pontua Adalberto Felibiano, especialista em economia do transporte aéreo. O ambiente regulatório e judicial do Brasil são outras razões que desencorajam novas iniciativas, avalia. O país se notabilizou como líder mundial em processos no ramo.

O Brasil registra uma ação contra empresas do setor a cada 0,52 voos, enquanto nos Estados Unidos, o setor reporta um processo judicial a cada 2.585 viagens, segundo dados do Bernardi & Schnapp Advogados. “A sociedade está disposta a isso, e há um custo. Ninguém reclama quando ganha um hotel gratuito quando o voo é afetado por condições meteorológicas”, aponta Felibiano, contrariando outras regiões.

“Na Europa, quem viaja com a Ryanair sabe que vai ter que pagar por cada item”, pontua, citando a aérea irlandesa que se tornou símbolo dos voos baratos, e com grande limitação de serviços não pagos.

Na comparação com os mercados mais consolidados da Europa e dos Estados Unidos, há ainda a diferença entre disponibilidade de mais aeroportos. Cidades como Nova York e Paris contam com diversas opções em seus arredores, com as companhias de baixo custo frequentemente optando por utilizar aeroportos mais afastados, o que diminui seus encargos, aponta Olivier Girard, sócio fundador da Macroinfra.

“No caso de São Paulo, não existe um aeroporto próximo da cidade que possa ser mais barato além de Congonhas e Guarulhos. Potencialmente, poderia ser usado o de São José dos Campos, mas atualmente não há infraestrutura, e seria algo afastado”, afirma. O especialista cita cenários semelhantes de Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

O Brasil chegou a contar com a Webjet, que operou em um modelo semelhante ao das low costs de outros países. Em 2011, a empresa foi vendida para a Gol, que anunciou o encerramento das atividades da aérea em 2012, alegando que o modelo de negócios deixou de ser competitivo.

Desafios em territórios extensos

Fora das capitais do Sudeste, a preocupação com o tema é ainda mais presente, incluindo centros relevantes no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Voos de cidades como Belém e Cuiabá para Brasília e as capitais do Sudeste ultrapassam com frequência os R$ 2 mil pela ida e a volta, em um cenário que costuma envolver longas escalas.

“Um ponto importante é a falta de aeronaves a nível mundial. Há listas de espera para os principais fornecedores, especialmente para aviões de médio porte”, aponta Girard. “Nestes centros em que há demanda, mas que há a limitação de serem voos longos como Belém e Manaus, o avião tem uma rotatividade menor do que entre São Paulo-Rio”, aponta.

“Neste caso, existe uma preferência de alocar seus aviões em rotas aéreas em que tenham mais potencial de vendas de passagens e assim buscar obter maior lucratividade”, afirma. Enquanto voos mais curtos como aqueles que ligam as capitais do Sudeste podem ser realizados várias vezes ao dia, os deslocamentos a cidades ao Norte do país limitam as operações, reduzindo o número de passageiros total.

A conexão em um território amplo e a lucratividade das rotas é um desafio enfrentado de formas diferentes em outros países. Felibiano cita o caso dos Estados Unidos, onde aéreas costumam receber subsídios para operar em regiões mais distantes, como no Alasca. O modelo também é presente no Canadá, especialmente para rotas ao norte do país.

O especialista lembra que atualmente apenas cerca de 2% dos municípios brasileiros mantém serviço aéreo regular. Sem algum tipo de intervenção, ele aponta que muitos voos, como em certas cidades amazônicas, são inviáveis para as aéreas.

Outro modelo, e que é alvo de intensas discussões, é o argentino, no qual a estatal Aerolíneas Argentinas tem conectividade em destinos pouco rentáveis, como na região da Patagônia. A manutenção das rotas nestas áreas é uma justificativa de muitos que defendem um maior controle estatal. Em contrapartida, há as críticas de que a operação é ineficiente e gera prejuízos.

Em 2024, o governo brasileiro implementou o programa Voa Brasil, visando a venda de passagens por R$ 200 para aposentados do INSS em voos de baixa ocupação. Por sua vez, a demanda ficou bem abaixo da oferta, com apenas cerca de 1% dos bilhetes disponíveis vendidos.

Transportes alternativos

Outro fator importante que eleva os preços é a falta de modais alternativos de transporte, especialmente o ferroviário, apontam os especialistas. “Não há concorrência do trem. No caso de Rio-São Paulo, é uma das únicas rotas dentre as mais procuradas no mundo que não tem essa alternativa”, aponta Felibiano.

A ausência de meios eficazes e rápidos como os trens de alta velocidade (TAV) que ligam boa parte das principais cidades europeias acaba sobrecarregando a demanda pelos voos nestes casos de distâncias mais curtas, avalia. Em sua visão, a operação do chamado trem-bala entre as duas cidades poderia auxiliar neste cenário.

As promessas de execução da obra avançaram em 2007 e ganharam fôlego com a Copa do Mundo de 2014, mas não avançaram desde então. Em 2023, a ideia ganhou novo impulso com a autorização para que a empresa TAV Brasil explorasse a iniciativa.

“Na Europa, o principal concorrente do avião é o tráfego ferroviário. São concorrentes bem plausíveis, que saem dos centros das cidades, chegando num tempo um pouco maior, mas sem o deslocamento de ir ao aeroporto e nem a espera pelo voo, ficando próximo em duração total”, aponta Girard.