12/12/2025 - 10:52
Trump adota discurso da Rússia e sugere que Kiev deveria realizar eleições presidenciais em meio a conflito. Último pleito ocorreu no país em 2019.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , criticou recentemente homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski , por não realizar eleições presidenciais na Ucrânia. A realização do pleito é uma das principais demandas da Rússia para assinar um acordo de paz, alegando que Zelenski não tem legitimidade para tal, pois seu mandato teria terminado em 2024.
“Eles estão usando a guerra para não realizar uma eleição , mas eu acho que o povo ucraniano deveria ter essa escolha. E talvez Zelenski vencesse”, disse Trump em uma entrevista ao Politico publicada nesta terça-feira (10/12). O republicano ressaltou que a Ucrânia deveria realizar um pleito, já que não faz isso “há muito tempo”. Para Trump, a Ucrânia está chegando a um “ponto em que não é mais uma democracia”.
As últimas eleições presidenciais da Ucrânia ocorreram em 2019. Em 2022, a Rússia invadiu o país e deu início a guerra que dura até hoje. Após a invasão, o governo ucraniano declarou a lei marcial, que impede a realização de um pleito enquanto ela estiver em vigor.
Os comentários de Trump foram criticados pelo governo ucraniano, pela oposição e por ONGs. Entre os problemas citados estão a impossibilidade de garantir um pleito seguro, abrangente e sem interferência da Rússia.
Eleições só em condições seguras
Zelenski respondeu às declarações de Trump afirmando que a questão é uma decisão do povo ucraniano, e não deveria ser alvo de palpites externos. Ele também destacou que estaria pronto para realizar eleições se os parceiros internacionais pudessem garantir condições seguras.
“Agora estou pedindo aos Estados Unidos, junto com colegas europeus, se necessário, que me ajudem a garantir a segurança para realizar eleições, e então, dentro de 60 a 90 dias, a Ucrânia estará pronta para realizá-las. Eu, pessoalmente, tenho a vontade e a disposição para isso.”
Zelenski acrescentou que algumas questões precisariam ser resolvidas para que as eleições ocorressem – como proteção contra bombardeios contínuos da Rússia e a garantia de que os soldados ucranianos pudessem participar da votação.
Outro problema, segundo Zelenski, é a base legal necessária para garantir a legitimidade da votação. Ele disse que pediria ao Parlamento ucraniano para mudar a legislação eleitoral e possibilitar eleições durante a lei marcial, atualmente em vigor.
A maioria dos ucranianos se opõe à ideia de realizar eleições durante a guerra, afirmou Anton Hrushetskyi, diretor executivo do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, citando resultados recentes de pesquisas de opinião.
“Primeiro paz, depois eleições”, escreveu Oleksiy Honcharenko, deputado da oposição pelo partido Solidariedade Europeia, no Telegram. O parlamento ucraniano já deixou clara sua posição de que eleições durante a guerra são impossíveis, disse Yevheniia Kravchuk, vice-presidente da maioria na Casa. Ela acrescentou que um cessar-fogo e uma paz estável são pré-requisitos para realizar uma nova eleição.
“As eleições não são apenas o dia da votação, quando todos chegam e tudo acontece magicamente. Sem mencionar que todos os dias e todas as noites centenas de drones e mísseis estão voando sobre a Ucrânia, destruindo infraestrutura, incluindo locais onde as eleições poderiam ser realizadas”, disse Kravchuk na emissora de televisão nacional ucraniana.
Legitimidade das eleições
Analistas e autoridades apontam que milhões de ucranianos enfrentariam desafios para votar. Os dados mostram que mais de 4,3 milhões de ucranianos tinham status de proteção temporária na União Europeia no final de 2025. Para permitir que votem, Kiev precisaria organizar centenas de seções eleitorais em toda a Europa.
Além disso, mais de 4 milhões de ucranianos estão registrados como deslocados internos. Outros cerca de 1 milhão servem nas Forças Armadas da Ucrânia. Organizar uma votação livre e justa na linha de frente seria complicado e pode exigir mudanças legislativas.
Autoridades ucranianas estimaram que, em 2024, 4,5 milhões de ucranianos adultos permaneciam em territórios ocupados pela Rússia. A Rússia controla cerca de 19% do território ucraniano. O Registro Estatal de Eleitores precisa ainda atualizar os registros de eleitores e seções eleitorais.
Oleksiy Koshel, chefe da ONG Comitê de Eleitores da Ucrânia, observou que existem questões não resolvidas, como organizar a votação no exterior, atualizar o registro de eleitores e permitir que pessoas deslocadas internamente votem. O mais importante, disse ele, é a questão de como garantir os direitos de voto e a possibilidade de militares concorrerem a cargos.
Levantar o tema das eleições antes do fim das hostilidades e da assinatura de um acordo de paz cria uma alavanca adicional de pressão sobre a Ucrânia — tanto por parte da Rússia quanto de alguns parceiros internacionais, alertou ele, advertindo que, se as eleições se tornarem parte das negociações, a Rússia tentará ao máximo interrompê-las ou reduzir a participação.
“As eleições exigem passos reais e tempo”, disse Koshel . “Leva anos para resolver questões importantes. Incluir eleições nas negociações de paz é uma ameaça séria. Há um risco real de falsas ameaças de bomba em massa nas seções eleitorais, ataques cibernéticos e interferência. Interromper eleições é difícil, mas reduzir a participação para depois alegar que o governo é ilegítimo, nisso a Rússia é muito boa.”
Andriy Mahera, especialista em direito constitucional do Centro de Política e Reforma Legal, um think tank ucraniano, e ex-vice-presidente da Comissão Eleitoral Central da Ucrânia, enfatizou que a Constituição do país não permite a realização de eleições durante a lei marcial.
Ele acrescentou que o pleito só seria considerado legítimos se seguisse os padrões democráticos internacionais, quando os eleitores podem formar livremente sua opinião sem medo ou coerção, incluindo o medo causado pela guerra, e expressar livremente sua vontade nas urnas.
Parcialidade de Trump
Especialistas ucranianos acreditam que a Rússia está pressionando Trump para que ele influencie a Ucrânia a realizar eleições antes do fim da guerra, esperando desestabilizar o país e garantir um acordo de paz com um presidente potencialmente mais complacente.
O analista político Mykola Davydiuk argumenta que a exigência de Trump por eleições na Ucrânia ignora as circunstâncias reais e as restrições constitucionais. Ele enfatiza que o pleito é uma questão puramente interna e não pode ser ditado pelo exterior.
“Se Trump exige eleições na Ucrânia, por que não exige o mesmo da Rússia? Por que não garantir que pessoas como [o político da oposição e grande mestre de xadrez Garry] Kasparov e outras figuras da oposição possam participar das eleições russas? Por que apenas Putin? Por que nos acusar de não realizar eleições há seis anos, quando a Rússia não tem eleições reais há 20 anos?”, questiona.
Para ele, a exigência de realizar eleições durante a guerra é uma tentativa de aumentar a pressão e uma forma de enfraquecer a Ucrânia antes das negociações de paz.
Quais as chances de Zelenski
Pesquisas realizadas pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev e outras sondagens regulares indicam que, se o pleito fosse realizado, Zelenski poderia ser reeleito. A popularidade do atual presidente estava em cerca de 90% no início da guerra, mas desde então caiu para a faixa dos 50%, mostram as pesquisas.
Analistas políticos e institutos de pesquisa afirmaram que os índices de aprovação de Zelenski foram prejudicados por um grande escândalo de corrupção no setor energético, mas que ele continua sendo o principal candidato entre os políticos tradicionais.
As pesquisas indicam que Valeriy Zaluzhnyi, embaixador da Ucrânia no Reino Unido e ex-comandante-chefe do exército, é o único candidato que representaria uma ameaça séria a Zelenski. Zaluzhnyi, até agora, não declarou ambições políticas, afirmando que, enquanto a guerra continuar, o foco deve ser na defesa do país.
