16/10/2024 - 19:06
Para sua Pós-Graduação em Racismo e Xenofobia, a Universidade Nova de Lisboa não contratou nenhum professor de minorias raciais, gerando protestos. Um dos módulos se chamava “O racismo existe mesmo?”.Protestos forçaram o Observatório do Racismo e Xenofobia, vinculado à Universidade Nova de Lisboa, a cancelar uma pós-graduação sobre o tema. Indivíduos e associações criticaram fortemente o fato de que o curso seria ministrado exclusivamente por indivíduos brancos.
A Pós-Graduação em Racismo e Xenofobia estava sendo anunciada no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova, onde o Observatório funciona. O tema de um dos painéis, “O racismo existe mesmo?”, também motivou várias críticas, com afrodescendentes queixando-se de, mais uma vez, serem invisíveis.
Paula Cardoso, jornalista e criadora da rede Afrolink, interpreta a remoção do anúncio da pós-graduação, nesta terça-feira (15/10) como uma tentativa de fingir que nada aconteceu. Ela foi das primeiras a denunciarem o comportamento que classifica de “insultuoso”.
Como comentou à agência de notícias Lusa, a abordagem de certos temas a chocaram, mesmo partindo de um Observatório que, a seu ver, tem estrutura e práticas racistas. A acusação é tão mais grave pelo fato de a entidade ter sido criada a partir da constatação, de um plano nacional antirracista, de que em Portugal negros e outras minorias raciais estão sub-representados em posições de poder.
“Como uma organização pelas mulheres composta só de homens”
Para Cardoso, um observatório liderado por quem não viveu na pele o problema do racismo acaba sendo o reconhecimento de que é possível uma estrutura do gênero existir sem sequer uma pessoa não branca: “Não faz sentido nenhum. É como uma organização que combate a discriminação contra as mulheres ser composta apenas por homens.”
Além dos docentes, Cardoso critica o conteúdo, a começar pelo título: “Pós-graduação em Racismo e Xenofobia: As pessoas vão aprender a ser racistas e xenófobos? É um nome profundamente infeliz.” Quanto ao módulo que questiona se o racismo existe mesmo, só podia ter sido criado “por alguém que não percebe nada do que está dizendo”, condena.
“Isso é ignorar o pensamento negro, nossa opinião, que está sempre sendo invalidada na hora de decidir, de pensar. Os negros e não brancos não são considerados”.
A jornalista já transmitiu essa e outras ideias ao Observatório, mas sua resposta – em palavras e atos – teria se limitado à admissão de que as críticas seriam legítimas. Portanto “nunca nada é reconhecido como problema. nada acontece”.
Contribuições de negros não são remuneradas
Falando à agência Lusa, a decana da Faculdade de Direito da Universidade Nova, Margarida Lima Rego, afirmou que a escola se empenhara para recrutar professores de backgrounds diversos, mas que até o momento de o programa ser implementado, ninguém estava disponível.
“Isso foi uma falha interna, e a Universidade Nova já está tomando medidas para que não aconteça novamente.” Ela assegurou que a “a faculdade e o observatório não tinham a intenção de minimizar questões importantes e relevantes para qualquer sociedade, nem discriminar quem seja”.
A jornalista Paula Cardoso lamentou em especial que o Observatório, como outras organizações, aceite contribuições de negros, mas só quando não envolvem contrapartida financeira. “Quando chega ao momento de reconhecer a especialização com direito a remuneração, as pessoas negras não são pagas. Isso é Portugal, isso é o racismo estrutural em Portugal”, disse a criadora da rede Afrolink.
Ela alerta para os numerosos comentários e críticas que a situação provocou, recomendando quer sirvam de aprendizado para uma entidade que ignora o imenso conhecimento disponível. Ela lembra que hoje os temas em questão são abordados de outra forma e que existem muitos especialistas com conhecimentos, em Portugal e mais além.
Consultado pela agência Lusa, o Observatório do Racismo e Xenofobia não se pronunciou sobre o assunto.
av (Lusa,ots)