Legalizado na Suíça, método foi usado pelo escritor Antonio Cicero. À DW, diretora da Exit – associação de auxílio de suicídio assistido do país – defende procedimento como forma especial de alívio do sofrimento.”Autodeterminação até o final da vida.” Esse é o lema da Exit -Deutsche Schweiz, a mais antiga associação de suicídio assistido da Suíça, fundada em 1982.

O suicídio assistido permite que pessoas em condições de sofrimento incurável, geralmente devido a doenças graves ou terminais, encerrem a própria vida com o apoio de uma organização especializada. O critério central é que o sofrimento seja insuportável e sem alternativas para tornar-se suportável, e que a pessoa ainda seja capaz de tomar decisões.

O pequeno país europeu é pioneiro no assunto, permitindo a prática desde 1941. A legislação suíça não criminaliza o ato de auxiliar alguém a cometer suicídio, desde que a assistência não seja motivada por “interesses egoístas”.

Esse direito não se aplica apenas a doenças terminais. A idade avançada acompanhada da perda de qualidade de vida também pode ser um critério suficiente para acessar o recurso.

Hoje o país conta com diversas organizações consolidadas que prestam esse apoio. Algumas dessas instituições atendem também estrangeiros, como foi o caso do escritor e compositor Antonio Cicero, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), que morreu nesta quarta-feira (23/10) por suicídio assistido na Suíça.

Organizações suíças também trabalham para promover o direito ao suicídio assistido em nível global. Uma delas é a Dignitas, fundada em 1998 e que opera com o lema “viver dignamente, morrer dignamente”. Foi essa a organização que auxiliou o poeta Antonio Cicero.

O tema, no entanto, não é livre de controvérsias, e alguns políticos na Suíça já tentaram promover restrições ao que enxergam como “turismo suicida”.

Diferentemente da eutanásia — proibida na Suíça — o suicídio assistido requer que o próprio paciente administre a medicação fornecida pela equipe médica, mantendo um controle mais direto sobre sua decisão. Os dois procedimentos são proibidos no Brasil.

Já na Suíça, apenas em 2023, 1.252 pessoas realizaram o suicídio assistido com o apoio da Exit -Deutsche Schweiz, com uma idade média de 80 anos. A organização sem fins lucrativos atende apenas pessoas com cidadania suíça ou residência no país e conta atualmente com mais de 160.000 membros.

A DW conversou com Marion Schafroth, diretora da Exit-Deutsche Schweiz, para saber mais detalhes sobre o procedimento.

DW: Como funciona o processo e quanto tempo leva para que um suicídio assistido seja autorizado?

Marion Schafroth: A pessoa interessada entra em contato com a Exit, sempre que possível diretamente, e não por meio de familiares, e é informada sobre os documentos que precisa obter junto ao seu médico. Depois que recebemos o dossiê médico, uma pessoa responsável pelo acompanhamento visita o membro e esclarece a situação em uma conversa.

Essas consultas também servem para discutir preocupações, questões e medos — bem como para esclarecer quais alternativas ao suicídio assistido estão disponíveis. É altamente recomendável que familiares também estejam presentes.

Avaliamos se a decisão foi bem refletida e se encaixa na vida e na visão de mundo da pessoa. A pessoa deve estar ciente de suas alternativas, por exemplo, mudar-se para uma casa de repouso ou se submeter a mais uma operação arriscada, e rejeitá-las.

Se todas as condições forem atendidas, será providenciada a prescrição do medicamento letal, pelo médico de família, médico tratante ou médico consultor da Exit.

O tempo varia muito. Em casos claros e com uma doença já em estágio avançado, o processo pode durar cerca de duas semanas, mas dependendo da situação, pode se estender por várias semanas ou até meses ou anos. Muitos pacientes tornam-se membros da Exit apenas para vislumbrarem a possibilidade de recorrer ao suicídio assistido mais tarde, quando, por exemplo, a dor se tornar insuportável.

Como a organização comprova que o sofrimento é insuportável?

Nós elaboramos um dossiê que reúne relatórios médicos a respeito de várias consultas e avaliações. Como o “sofrimento insuportável” não pode ser provado objetivamente, tanto a pessoa responsável pelo acompanhamento da Exit quanto o médico que emite a prescrição convencem-se, durante as conversas, do sofrimento subjetivamente insuportável e registram isso em seus relatórios.

Que tipos de doenças as pessoas que buscam essa ajuda geralmente têm?

De maneira geral: cerca de 40% são casos de câncer, aproximadamente 30% são de polimorbidades relacionadas à idade (isto é, uma combinação de várias doenças e condições ligadas à velhice, que não são imediatamente fatais, mas que limitam a qualidade de vida de forma subjetivamente insuportável), cerca de 10% são pacientes com dor crônica, cerca de 10% sofrem de doenças neurológicas graves (como, por exemplo, doença de Parkinson, esclerose múltipla etc.) — o restante se distribui entre outras condições.

E se surgir em breve uma nova terapia capaz de curar o requerente?

Essa é uma questão importante. Pessoas muito idosas podem não querer esperar por um medicamento que ainda esteja em fase de desenvolvimento e testes. Para pessoas mais jovens, isso pode ser diferente. Em cerca de cinco ocasiões, como médica consultora, pedi a uma pessoa que desejava morrer que tentasse mais uma terapia.

Se alguém sofre de depressão e não está em condições de tomar decisões claras, o procedimento não é autorizado, certo?

Se a pessoa estiver em uma fase depressiva e, por isso, incapaz de julgar com clareza, o procedimento não é autorizado. Mas nem sempre é o caso: cerca de 2% dos nossos acompanhamentos ocorrem devido a um diagnóstico de doença psiquiátrica. No entanto, ajudamos apenas em casos graves e de longa duração, onde várias tentativas de terapia não trouxeram melhora.

Uma condição é que dois psiquiatras avaliem o caso e confirmem que o paciente é capaz de tomar decisões, apesar de sua doença mental. Esse processo de avaliação pode levar meses.
Concretamente, trata-se de pacientes com históricos de doença de 10 a 30 anos, que sofrem de graves transtornos de personalidade ou de transtorno maníaco-depressivo.

A Exit leva em consideração a opinião de familiares?

Na maioria das vezes, os familiares mais próximos participam das consultas preparatórias e compreendem a pessoa que deseja morrer. Às vezes acontece de alguns membros da família terem uma opinião contrária. Lamentamos, mas isso não impede que o acompanhamento ao suicídio ocorra. O que conta, em última instância, é a decisão do solicitante.

A organização pode, em alguns casos, ser vista como um incentivo para que as pessoas desistam da vida?

Não. A Exit não apoia o suicídio. Nós apoiamos o direito à autodeterminação individual, sem incentivar ou pressionar ninguém. Em nossas consultas, sempre discutimos e apresentamos alternativas à morte.

Existe oposição de certos grupos sociais, como igrejas, a esse tipo de procedimento?

Na Suíça, há anos, apenas uma minoria de cerca de 20% da população se opõe à assistência ao suicídio. As igrejas protestantes aceitam o suicídio assistido, enquanto a Igreja Católica oficialmente se posiciona contra, mas isso não impede os católicos suíços de se tornarem membros da Exit. Lidamos de forma objetiva: é uma decisão individual ser a favor ou contra o suicídio assistido. Trabalhamos com transparência, buscando comunicar e informar abertamente, e não enfrentamos mais uma oposição séria.

Como é o dia do procedimento?

O membro pode definir o dia da morte. Normalmente, o suicídio assistido ocorre na casa do paciente, e os familiares mais próximos ou amigos estão presentes.

A pessoa responsável pelo acompanhamento, que já havia conduzido as consultas preliminares, levará o medicamento no dia marcado. Até o último momento, a pessoa pode, obviamente, desistir (o que nunca vi acontecer).

Asseguramo-nos de que o paciente realmente deseja ir adiante, então, ele pode ingerir o medicamento. O Natrio-Pentobarbital é um pó que se dissolve em meio copo de água e pode ser bebido. Se alguém não puder mais engolir, pode ser administrado por infusão – mas é muito importante que a própria pessoa que deseja morrer abra a válvula da infusão [se a pessoa responsável pelo acompanhamento abrisse a válvula, seria considerado eutanásia ativa, estritamente proibida na Suíça].

Depois de beber o medicamento, ainda restam alguns minutos até a pessoa ficar sonolenta e adormecer. Os familiares podem segurar sua mão ou deitar-se a seu lado na cama.

Como é estar presente nesse momento delicado?

A morte é um momento muito íntimo e comovente. Muitas vezes, a pessoa que vai morrer combina com os familiares qual música deve tocar durante o adormecer/morrer… E é realmente muito emocionante. Frequentemente, lágrimas são derramadas, e mãos são acariciadas suavemente. Se a pessoa ainda é relativamente jovem, mas gravemente doente, a situação costuma ser muito triste. Mas, ao mesmo tempo, sente-se a gratidão por alguém ser libertado de seu sofrimento de uma forma humana. No caso de pessoas muito idosas, que podem olhar para trás e ver uma vida longa e realizada, o ambiente é mais pacífico e tranquilo.

Por que você, como médica e como pessoa, decidiu se dedicar a essa causa?

Embora como médica eu tenha a tarefa de curar (ou prevenir doenças), quando a cura não é viável, trata-se de aliviar o sofrimento. Considero a ajuda no suicídio assistido (bem refletido) uma forma especial de alívio do sofrimento. Vejo como um ato de grande humanidade, quando posso ajudar uma pessoa que, por exemplo, devido a um câncer incurável ou a uma soma de várias doenças, sofre cada vez mais com dores ou, sem perspectiva de melhora, vai se tornando cada vez mais fraca e dependente, a ter uma morte tranquila, pacífica e bem preparada, com acompanhamento humanizado.

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A DW evita noticiar suicídios, pois há indícios de que relatos sobre o assunto podem incitar a imitar tais ações. Se enfrenta problemas emocionais e tem pensamentos suicidas, não deixe de procurar ajuda profissional. Você pode buscar ajuda no site www.befrienders.org/portugese.