08/01/2025 - 19:51
Europeus devem ter dificuldades para elevar despesas com defesa para 5% do PIB em detrimento dos gastos sociais. Analistas dizem que demanda americana pode ser tática para negociar meta menos ambiciosa.A exigência do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, junto a seus aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para que gastem 5% de seus Produtos Internos Brutos (PIBs) anuais em defesa abalou as capitais europeias, quinze dias antes de o republicano retornar à Casa Branca.
“Acho que a Otan deveria receber 5%”, disse Trump em coletiva de imprensa nesta terça-feira (07/01). “Todos eles conseguem pagar.”
Trata-se de um aumento colossal em relação ao compromisso assumido pelos Estados-membros da aliança de dedicarem 2% de seus PIBs, com o qual todos concordaram, mas que se mostrou bastante difícil para várias nações europeias. A nova meta proposta por Trump também é mais complicada de se atingir do que os 4% que ele defendeu em seu último mandato como presidente.
Na cúpula da Otan em Washington, no ano passado, a aliança militar revelou que pelo menos dois terços de seus membros gastaram 2% ou mais em defesa naquele ano, sendo que somente a Polônia ultrapassou a marca de 4%.
Houve, porém, um reconhecimento tácito de que os membros europeus da Otan terão que abrir ainda mais suas carteiras para reavivar um moroso complexo industrial de defesa de modo a combater uma potencial ameaça russa. Ainda assim, vários analistas ouvidos pela DW disseram que aumentar os gastos com defesa para 5% parece algo impossível no cenário econômico atual, mesmo para nações relativamente mais ricas.
Estratégia de negociação?
Uma leitura otimista da exigência de Trump é a de que isso seria uma tática de negociação, e que a Otan, sendo uma aliança entre iguais, chegaria a um acordo amigável, afirma Rafael Loss, um pesquisador de política do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), entidade que avalia questões de segurança e defesa na região Euro-Atlântica.
“Acho que aumentar os gastos com defesa para 3,5% pode ser visto como mais realista pelos europeus”, disse Loss à DW. “Mas o cenário pessimista é que Trump fala sério sobre retirar os Estados Unidos da Otan e encorajar [o presidente russo, Vladimir] Putin a fazer o que quiser.”
Ian Lesser, chefe do escritório do German Marshall Fund em Bruxelas, também avalia que a recente demanda de Trump parece “essencialmente uma jogada inicial”, e que ele pode se contentar com menos. “Mas, mesmo 3% ou 3,5% seria um exagero para muitos Estados-membros”, observou.
Gastos da Rússia chegam a 7% ou 8%
Em dezembro, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, lembrou que em 2024 o investimento de defesa da Rússia foi de 7% a 8% do PIB do país. Ele alertou que a Europa precisa adotar uma “mentalidade de guerra” e “turbinar” sua produção de defesa.
Rutte fez um apelo para que os países renunciem de parte de seus orçamentos voltadas para o bem-estar social e gastem mais em defesa.
“Em média, os países europeus gastam facilmente até um quarto de sua renda nacional em pensões, saúde e sistemas de previdência social”, disse Rutte. “Precisamos de uma pequena fração desse dinheiro para tornar nossas defesas muito mais fortes e preservar nosso modo de vida.”
Em que pé estão os líderes europeus da Otan?
Segundo números da própria aliança, nenhum membro da Otan gasta atualmente 5% do PIB em defesa. A Polônia é o país que mais gastou em 2024, com 4,12% do PIB, seguida da Estônia (3,43%) e Estados Unidos (3,38%). A Itália gastou 1,49% do PIB, o que provavelmente foi tema de discussão quando a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, se encontrou com Trump em seu resort em Mar-a-Lago.
Apesar da afinidade ideológica entre Trump e Meloni, a Itália também deve aumentar seus gastos, avalia Leo Goretti, chefe do programa de política externa italiana no Instituto Affari Internazionali, um think tank italiano.
“Na melhor das hipóteses, Meloni pode extrair algumas concessões, como um cronograma atrasado para a Itália aumentar seus gastos com defesa”, disse Goretti à DW, acrescentando que a exigência de Trump colocou Meloni em uma posição difícil em termos de política interna.
“A Itália quer gastar mais em defesa, mas o problema é que há um espaço fiscal muito limitado”, disse o analista. “O custo do bem-estar social, especialmente com os sistemas de saúde e previdência, não oferece muita margem de manobra.”
O Reino Unido, um dos membros mais fortes da aliança em termos militares, enfrenta o mesmo dilema. Embora o país tenha gasto 2,33% em defesa este ano e tenha ficado consistentemente acima da marca de 2%, ainda não atingiu sua meta autoestabelecida de 2,5%.
Aumentá-la para 5% parece ser uma tarefa particularmente difícil, pois o governo britânico prometeu melhorias sociais custosas, incluindo a redução no tempo de espera para consultas médicas e novas unidades habitacionais.
A França e a Alemanha enfrentam uma reviravolta política em torno de suas políticas econômicas, enquanto grupos de extrema direita simpáticos à Rússia estão em ascensão. A França gastou 2,06% em defesa em 2024, embora a atual turbulência política tenha prejudicado as estratégias de defesa do país.
Alemanha: necessidades devem determinar os gastos
A Alemanha, que enfrentará eleições antecipadas no mês que vem, gastou 2,12% em defesa, em parte, devido à sua política econômica e orçamentária. Qualquer proposta de aumento será certamente controversa.
Em seu primeiro mandato, Trump pediu especificamente à Alemanha que aumentasse os gastos com defesa. O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, disse que a aliança tinha um “procedimento regulamentado” para determinar as capacidades militares das quais necessita. “É importante estarmos juntos e agirmos em unidade nessas questões”, destacou.
Friedrich Merz, o principal concorrente de Scholz e favorito a vencer as próximas eleições alemãs, considerou ultrapassadas as metas de gastos com base em porcentagens do PIB.
“Os 2%, 3% ou 5% são basicamente irrelevantes. O que é crucial é que façamos o que for necessário para nos defender”, disse o líder do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), nesta quarta-feira.
Vários analistas disseram acreditar em negociações longas e difíceis entre o novo governo dos EUA e seus aliados europeus, mas acrescentaram que pode haver acordo onde mais dinheiro é gasto.
Se Trump pressionar os europeus pra aumentarem seus gastos em até 5%, eles poderão decidir gastar a maior parte do dinheiro na reforma da indústria de defesa europeia ao invés de comprar dos americanos. Nesse caso, outro tipo de acordo pode ser possível: gastar menos de 5% do PIB, mas comprar mais dos fabricantes de equipamentos militares dos EUA.