O presidente eleito dos EUA se distanciou do manifesto de ultradireita no passado. Agora, vários autores e colaboradores do documento devem compor seu governo.O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ainda não assumiu a Casa Branca, mas já enfrenta uma série de controvérsias em torno de sua nova administração.

Isso porque vários nomes escolhidos por ele para fazer parte de seu gabinete provocaram discussões acaloradas no Capitólio e na mídia americana. Críticos dizem que os cargos são distribuídos com base na proximidade com Trump, e não no conhecimento técnico.

Além disso, vários nomeados pelo presidente eleito têm conexões com o “Projeto 2025”, um manifesto ultraconservador para o futuro dos Estados Unidos publicado pela Heritage Foundation, um think tank com sede em Washington, D.C.

O plano polêmico traça metas em “quatro frentes que decidirão o futuro da América”: restauração da família, a abolição do Estado administrativo, a defesa da soberania nacional e a garantia “das nossas liberdades individuais dadas por Deus”.

As ações incluem a redução do tamanho da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), a supressão de referências à mudança climática nos documentos do governo, a admissão de menos refugiados e a limitação do direito ao aborto.

“O relatório de 900 páginas estabelece políticas que se baseiam em uma visão social muito conservadora”, analisa Stormy-Annika Mildner, diretora-executiva do Aspen Institute Germany, um think tank com sede em Berlim. “Muitas das propostas querem expandir o poder do presidente”.

Trump se distanciou do texto após polêmica

Durante a campanha eleitoral de 2024 nos EUA, Donald Trump disse não ter relação com o manifesto produzido por expoentes da ultradireita americana. “Não sei nada sobre o Projeto 2025”, escreveu em sua rede social, Truth Social. “Discordo de algumas das coisas que eles estão dizendo, e algumas das coisas que eles estão dizendo são absolutamente ridículas.”

Após a vitória nas urnas, a equipe de Trump continuou a enfatizar a distância entre o novo presidente e o manifesto de ultradireita.

“O presidente Trump nunca teve nada a ver com o Projeto 2025”, disse a nova chefe da assessoria de imprensa do republicano, Karoline Leavitt, segundo a agência de notícias AP. “Todos os indicados e nomeados estão comprometidos de todo o coração com a agenda do presidente Trump, não com a agenda de grupos externos.”

Nomeados são autores do manifesto

No entanto, várias pessoas envolvidas com o manifesto estão na lista de futuros funcionários de Trump para seu novo governo.

Russell Vought, por exemplo, é a escolha de Trump para diretor do Escritório de Gestão e Orçamento (OMB, da sigla em inglês), um cargo de influência que precisará do endosso do Senado.

O diretor do OMB é responsável por preparar o Orçamento proposto pelo presidente e implementar a agenda do governo em todos os órgãos.

Vought escreveu um capítulo do Projeto 2025 sobre a autoridade presidencial — cuja ampliação ele defende. Ele chegou a citar que o OMB, que pode vir a chefiar, tem papel crucial para que isso aconteça.

“O diretor deve ver seu trabalho como a melhor e mais abrangente representação da mente do presidente”, escreveu Vought. O Escritório de Gestão e Orçamento, segundo ele, “é o sistema de controle de tráfego aéreo do presidente” e deve estar “envolvido em todos os aspectos do processo político da Casa Branca”. Idealmente, continuou Vought, ele se tornaria “poderoso o suficiente para se sobrepor às burocracias das agências”.

Vought não é o único autor do Projeto 2025 que em breve poderá fazer parte do governo dos EUA.

Brendan Carr foi nomeado por Trump para presidir a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), um cargo que não requer confirmação do Senado.

Ele é justamente o autor do capítulo do Projeto 2025 sobre a FCC. No texto, Carr pede a limitação da imunidade que as plataformas de tecnologia têm em relação ao conteúdo publicado por terceiros. Isso significa que o YouTube, por exemplo, poderia ser responsabilizado por um vídeo carregado por um usuário e que incluísse conteúdo que violasse a lei.

‘Grandes chances’ de Trump implementar o Projeto 2025

Outros colaboradores do Projeto 2025 que Trump quer ter em seu governo incluem a assessora de imprensa Karoline Leavitt, que aparece em cursos do Projeto 2025 para conservadores interessados em empregos em uma presidência de direita, e Thomas Homan, o futuro “czar da fronteira” de Trump, que está listado como colaborador do Projeto 2025 e foi bolsista visitante da Heritage Foundation.

Com tantas conexões entre o futuro governo de Trump e a equipe do Projeto 2025, parece improvável que o novo presidente não queira implementar pelo menos algumas das políticas mencionadas no manifesto.

Trump poderia contornar o processo de confirmação do Senado?

Embaixadores, secretários de gabinete e indicados para cargos como o de Vought normalmente precisam passar pelo crivo do Senado dos EUA, onde os republicanos detêm uma pequena maioria de 53 assentos contra 47 dos democratas.

No entanto, isso não é garantia de aprovação imediata, já que alguns senadores já se mostraram contrários a algumas indicações de Trump. É o caso de Matt Gaetz, indicado pelo republicano para Procurador-Geral, mas que desistiu do cargo após indicações de que seu nome seria barrado mesmo por colegas de partido.

Mas há uma maneira de contornar o Senado. Pela lei americana, Trump poderia fazer as chamadas “nomeações de recesso”, em que ele indica membros quando o Congresso não está reunido, em um período de férias, por exemplo. Ele já pediu aos republicanos que aprovem esta proposta de contornar a legislação.

“A discussão é se o Senado entrará em recesso para permitir que o presidente nomeie seu gabinete sem estar sujeito à aprovação do Senado”, disse Nolan McCarty, professor de política e assuntos públicos da Universidade de Princeton, à DW.

“Nunca tivemos uma situação em que as nomeações de recesso fossem usadas de forma tão ampla. Normalmente, elas são usadas para uma ou duas nomeações aqui e ali, mas ter uma administração inteira composta por pessoas com nomeações de recesso seria preocupante.”