Uma equipe de peritos da Unesco e do Mali encontrou danos desanimadores ao patrimônio cultural da lendária Timbuctu, em junho, após uma viagem de avaliação da situação da cidade invadida e ocupada por rebeldes extremistas islâmicos. A missão é o primeiro passo para a reconstrução e salvaguarda do local, incluído na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.

Timbuctu é a segunda maior cidade do desértico norte do Mali, no oeste da África, habitado por tuaregues e muçulmanos. No século XV foi um importante centro cultural, atraindo caravanas do deserto do Saara e abrigando uma importante universidade islâmica, a Sankore, além de imponentes mesquitas de barro. No início de 2012, rebeldes do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) se aliaram ao grupo Ansar Dine e a outras facções, invadiram a região, afugentaram o Exército malinês e anunciaram a criação de um novo país, o Azawad. Em maio, o MNLA e o Ansar Dine firmaram um pacto para governar Azawad segundo a lei islâmica fundamentalista, a sharia. Porém, um mês depois, o Ansar Dine e outros grupos entraram em conflito com o MNLA e o derrotaram. Com a intervenção da França na região, em fevereiro passado, os rebeldes islâmicos deixaram o poder.

Na cidade ficou um rastro de devastação. “A destruição causada ao patrimônio de Timbuctu é bem mais alarmante do que pensávamos”, diz o especialista Lazare Eloundou Assomo, do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, que liderou a missão. “Descobrimos que 14 dos mausoléus da capital, incluindo aqueles que fazem parte dos sítios do Patrimônio Mundial da Unesco, foram totalmente destruídos, junto com outros dois na Mesquita Djingareyber. O emblemático monumento El Farouk, na entrada da cidade, foi arrasado. Estimamos que 4.203 manuscritos do centro de pesquisa Baba Ahmed foram perdidos e que 300 mil foram contrabandeados para Bamako (a capital do Mali) em estado muito precário.”

A missão, liderada pela Unesco, com o apoio da Missão das Nações Unidas para o Mali, incluiu especialistas de instituições ligadas à ONU, da École du Patrimoine Africain (EPA), do Aga Khan Trust for Culture, da Biblioteca Nacional da França, do governo francês e da União Europeia. De 28 de maio a 3 de junho, a equipe malinesa realizou extensas investigações em Timbuctu e consultas com a comunidade local. Em 6 de junho os membros da equipe internacional viajaram para ora a cidade. Os resultados da avaliação dos dois grupos foram discutidos numa reunião realizada em Bamako em 7 de junho.

O objetivo era reunir o máximo de informação possível sobre o estado do patrimônio cultural da cidade, o que será necessário fazer para  reconstruí-lo e protegê-lo, e como isso deverá ser realizado. Os resultados serão utilizados para finalizar um plano de ação para o Mali, iniciado em uma reunião de alto nível organizada em fevereiro na sede da Unesco em Paris.

“Enquanto estivemos em Timbuctu, nos reunimos com autoridades administrativas e militares locais, líderes religiosos e com os responsáveis pela guarda do patrimônio cultural, para obter uma melhor compreensão do que aconteceu. Não apenas para os sítios, museus e coleções de manuscritos, mas também para o patrimônio vivo local e as práticas culturais e religiosas que definem os povos da região – predominantemente islâmicos”, disse Eloundou Assomo.

A equipe visitou todos os locais danificados ou destruídos. “Prestamos atenção especial aos mausoléus nos cemitérios dos Três Santos e Alpha Moya. Visitamos o Instituto Ahmed Baba e bibliotecas particulares para avaliar a condição das coleções de manuscritos e o estado de conservação das mesquitas. Também tivemos longas conversas com as comunidades de Timbuctu e ouvimos suas opiniões sobre as melhores formas de reconstruir os mausoléus, salvaguardar os manuscritos, dar nova vida ao patrimônio imaterial e tecer essa ação em um movimento mais amplo de paz e reconciliação sustentável.”

No dia 5 de junho, a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, reiterou o compromisso da organização de ajudar a reconstruir o Mali. Na cerimônia de entrega do Prêmio da Paz Félix Houphouet-Boigny ao presidente francês, François Hollande, por sua contribuição para acabar com o controle dos insurgentes no norte do Mali e trazer paz à região, Irina Bokova disse que a reabilitação da herança do Mali “não é apenas uma questão de reparar o dano”, mas também uma questão de valores. “A Unesco salvou os templos do Egito e reconstruiu a ponte de Mostar, na Bósnia. Vamos reconstruir os mausoléus do Mali e salvaguardar o patrimônio cultural inestimável do país”, declarou.