…Fé secular

Interior da Igreja de São Josafat, no centro da cidade.

Fui a Prudentópolis pela primeira vez em meados de 2000 e me surpreendi com o fato de que uma cidade tão repleta de atrações ainda não tivesse se tornado um grande pólo de turismo. A pequena cidade paranaense, a 207 quilômetros de Curitiba, capital do Estado, esconde dois grandes tesouros para o viajante em busca de novidades: primeiro, ela é o berço da cultura da Ucrânia no Brasil, preservando a gastronomia, a religião, o artesanato, enfim, a cultura desse país do Leste Europeu. Só para se ter uma idéia, são mais de 30 igrejas espalhadas pela cidade e pela zona rural, que mantêm a arquitetura bizantina, trazida pelos primeiros imigrantes que ali chegaram, no final do século 19. O segundo tesouro de Prudentópolis são suas cachoeiras – são mais de 100 quedas catalogadas, 50 delas de grande porte, e 10, pasmem, com mais de 100 metros de altura.

Sete anos depois, retorno a Prudentópolis e percebo que pouca coisa mudou. Embora mais conhecida e divulgada (ganhou até o justo apelido de Terra das Cachoeiras Gigantes), a cidade ainda não foi descoberta pelo turismo de massa. Surgem por aqui e ali empresas que oferecem passeios por suas cachoeiras, o número de hotéis cresceu, mas bem pouco. Ainda é difícil encontrar aqueles ônibus de turistas apressados e barulhentos.

Para todos os gostos

A Cachoeira de São Sebastião

Não que Prudentópolis esteja abandonada, muito pelo contrário: as estradas de terra são boas e estão ainda mais sinalizadas, com placas indicativas que não deixam o visitante se perder. A deliciosa comida ucraniana (desconhecida da maioria dos brasileiros) continua sendo feita da forma tradicional e servida em vários restaurantes; a estrutura de visitação na área de algumas cachoeiras melhorou. De forma geral, Prudentópolis continua a mesma, e talvez esteja aí seu grande atrativo. Embora repleta de superlativos, ainda mantém aquele sabor de cidadezinha do interior, cheia de coisas para se descobrir.

No campo, dividindo espaço com as imponentes florestas de araucária, a vida rural parece correr em outro tempo: ovelhas pastando, charretes cruzando o horizonte, casinhas de madeira em cores vivas, hortas bem cuidadas e jardins repletos de flores. Em meio a tudo isso, um povo simpático, com cabelos muito louros, quase brancos, geneticamente ligados a seus antepassados ucranianos.

Adriano e Patrícia Lis, moradores da fazenda que dá acesso à Cachoeira de São João

Seus pais e avós chegaram por volta de 1895, quando, a partir de um acordo com o então presidente brasileiro Prudente de Moraes (daí o nome da cidade), eles desembarcaram no Estado do Paraná e se fixaram em várias cidades. Receberam terra em troca de construírem as redes telegráficas da região. Encontraram uma paisagem desconhecida, com clima muito diferente do que estavam acostumados, natureza exuberante e muito trabalho. Resistiram – e ainda resistem – ao ritmo da cidade grande.

Paisagem exuberante dentro do quintal

Começo o passeio dessa vez por uma das cachoeiras que ainda não conhecia, o Salto de São João. Na entrada da fazenda que dá acesso à exuberante queda de 84 metros, sou recebido por Patrícia e Adriano Lis, de 7 e 9 anos. Eles abrem o portão esbanjando simpatia. Embora a cachoeira esteja no quintal da família Lis, não cobram nenhuma taxa dos visitantes, mas colocam à disposição alguns produtos que produzem na própria fazenda, como o mel e doces em compota. A estratégia dá certo: difícil resistir ao pote que exibem, alguns com grandes pedaços de favo dentro, tenros, deliciosos. É nosso alimento na trilha que leva até a queda. Adriano vai junto, falante, contando histórias da região e de sua vida de criança que tem aquela paisagem exuberante no quintal.

A maior queda da cidade, o Salto de São Francisco, com 196 metros de altura

Alguns lugares de Prudentópolis (poucos) chegam a cobrar pela entrada nas cachoeiras que estão em propriedade privada. Quando cobram, são nada mais que R$ 1, R$ 2. É o caso do Recanto Perehousk. Ali, o que atrai os visitantes são as várias quedas de água em seqüência, menores. O rio, não muito fundo, vai atravessando paredes de pedras e formando pequenos cânions. É o lugar ideal para quem quer fazer um piquenique com a família e descansar.

Não muito longe dali (nada é muito longe em Prudentópolis) está a mais celebrada de todas as cachoeiras, a de São Francisco. É a maior de todas, com 196 metros de queda, ou melhor, de espetáculo. O acesso é por uma estrada de terra que termina num ponto alto de onde se avista a queda bem de frente. Quando estive ali, há sete anos, não havia nenhum tipo de proteção para quem queria ver o salto. Hoje, uma grade baixa mantém os turistas longe do perigo de queda. A altura e o belo paredão de pedras fazem com que o Salto de São Francisco se torne um dos mais conhecidos cartões-postais do lugar, e os poucos folhetos turísticos da região o estampam com orgulho.

Três exemplos de igrejas em estilo bizantino na zona rural de Prudentópolis

Adrenalina com sotaque europeu

Para os que querem mais adrenalina, a dica é fazer uma trilha que vai até a base do São Francisco, onde a água bate com força nas pedras e volta a ser rio. Basta ter um mínimo de preparo físico e espírito de aventura. A dica é ir com um guia e começar a caminhada bem cedo, pois são mais ou menos três horas para descer e outras quatro para subir. O banho na cachoeira gigante e a trilha na mata fechada valem cada gota de suor.

De fácil acesso, mais nem por isso menos impressionante, as Quedas de São Sebastião e o Salto do Mlot são outras grandes atrações da cidade. A porteira de um sítio particular indica que se está no local certo. O som da água caindo, ao longe, também. Por entre as árvores, descendo um pouco na trilha, pode-se ver uma das quedas despencando, a de São Sebastião, com 130 metros de altura. No entanto, o som da água parece vir do outro lado. Eco? Não. É que exatamente em frente a essa queda fica a outra, a do Mlot, com 120 metros. Dá para acreditar? Por uma trilha pela mata, de pouco mais de meia hora, pode-se descer até o poço onde as duas se unem. Ali, você está onde a natureza nos presenteou com uma paisagem inusitada, única e duplamente bela.

Tão surpreendente quanto as cachoeiras são as marcas da cultura ucraniana espalhadas por toda a cidade, nos nomes dos estabelecimentos comerciais, nas peles e nos cabelos claros dos moradores, no cardápio dos restaurantes e nas festas tradicionais. A cidade de 48 mil habitantes é a maior colônia de ucranianos no Brasil – 80% da população descende de famílias que vieram da Ucrânia.

Para Mieroslawa Krevei, diretora do museu da cidade, o fator que manteve a comunidade unida e a cultura ancestral preservada foi a forte religiosidade. “Assim que os imigrantes chegaram, já mandaram erguer uma capela e chamaram um sacerdote. Fizeram da fé em comum a base para manter costumes, danças, gastronomia e até o idioma”, afirma.

Até hoje, na Matriz de São Josafat, no centro da cidade, as missas são rezadas em ucraniano. Além das suas cúpulas prateadas, que rompem o céu suavemente, chama a atenção o altar recoberto de pinturas em estilo bizantino, chamada de ikonostás, imagens coloridas que são uma marca do caráter festivo dos ucranianos. Além de enfeitarem igrejas, tal alegria pode ser encontrada também no artesanato, nas roupas utilizadas nas danças folclóricas, nos bordados que enfeitam altares e nas pêssankas – os ovos pintados que deram origem aos ovos de Páscoa. Ainda são feitos por muitos artesãos da cidade, que preservam essa técnica milenar.

Preservar, por sinal, é palavra que faz sentido em Prudentópolis, a tal ponto que os moradores conservam a tranqüilidade de um lugar que tinha tudo para ser uma verdadeira Meca do ecoturismo, do turismo cultural e do turismo religioso. Devo confessar que reside aí uma contradição que assola minha cabeça cada vez que faço reportagens como essa – divulgar os lugares maravilhosos que existem em nosso País, ainda por descobrir, mas torcendo para que não percam sua identidade. Prudentópolis me faz pensar que isso é possível.

… Ucrânia Tropical

Acima, cúpulas da Igreja de São Josafat. Abaixo, agricultor da região transporta tabaco (produzido na região) para beneficiamento.

Serviço

Como chegar

De Curitiba são 207 quilômetros. Siga pela rodovia 227 até encontrar a 376, entrando na pista no sentido Ponta Grossa. Em Ponta Grossa, pegue a 373 e siga mais 93 quilômetros até o trevo de Prudentópolis.

Onde ficar

Mayná Palace Hotel: Rua Ozório Guimarães, 935, Centro, tel. (42) 3446-2091 – e-mail: mayna@visaonet.com.br.

Onde comer

Churrascaria do Penteado: Além de churrasco, pizza e pratos a la carte, aceita encomendas (com algumas horas de antecedência) de comidas tradicionais ucranianas. Aproveite para experimentar o peroghê, uma espécie de ravióli recheado com batatas e requeijão e coberto com creme de leite azedo. Rua Domingos Luís de Oliveira, 1.378, tel. (42) 3446-1334.

O que fazer

Além de tomar banho de cachoeira e fazer trilhas, há empresas em Prudentópolis que oferecem pacotes com rapel, rafting, tirolesa e muitos outros esportes de aventura. Mayná Tour: O próprio hotel Mayná oferece todo serviço de guias, carros 4 x 4 e muitas dicas para a viagem. Ninho do Corvo – Parque de aventuras: Fica na Estrada Velha – Linha Paraná (como tudo em Prudentópolis, é fácil de encontrar, pois as estradas são bem sinalizadas), tels. (42) 3224-0606 e (42) 9102-1963. Aventura Nativa: Rua Candido de Abreu 1.501 – Centro (em frente do museu), tel. (42) 8807-0006. Museu do Milênio: Visita ao museu e venda de artesanato típico ucraniano, como bordados e trajes tradicionais. Rua Cândido de Abreu, s/n, tel. (42) 446-2030. De segunda a sexta-feira: das 13 às 18 horas. Vera Lúcia Daciuk – Artesanato em pêssankas: Uma das mais conhecidas artesãs de Prudentópolis. Tel. (42) 3446 1027.