Assolado pela seca e por dois anos de guerra civil, país africano manifestou interesse de entrar para o grupo de países emergentes. O Brics vai agora virar Bricse?Acrônimo da língua inglesa, Brics é uma abreviatura que serve para designar os cinco países membros do grupo: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Englobando mais de 40% da população mundial, a organização é responsável por cerca de 26% da economia do planeta. Mas uma nova proposta sugere agora o acréscimo de mais um “e” no final da sigla — “e” de Etiópia.

A ideia de um “Bricse” veio a público no último dia 29 de junho através de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores etíope. Mas se tal adesão faz sentido ou mesmo se tem alguma chance de vingar, ainda é motivo de debate.

Do ponto de vista da Etiópia, tal passo seria “estrategicamente muito importante e positivo”, avalia Alexander Demissie, diretor da consultoria independente The China-Africa Advisory, com sede em Colônia. “Ele expande as oportunidades da Etiópia para promover seus próprios interesses e se tornar parte da transformação contínua da ordem econômica e geopolítica internacional.”

“Remodelagem da ordem econômica e geopolítica”

Segundo Demissie, organizações como o Brics tem transformado o sistema Bretton Woods, “desenvolvendo uma estrutura capaz de oferecer um cenário alternativo a economias emergentes como a Etiópia”. Entre outras coisas, ele cita o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), fundado em 2014 pelos países do Brics como uma alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Através dele, seria possível fornecer capital adicional para o desenvolvimento de infraestrutura na Etiópia, aponta Demissie.

Yared Haile-Meskel, diretor da empresa de consultoria financeira YHM Consulting, em Addis Abeba, já é menos otimista: “Não esperaria nenhum milagre de proteção ou prosperidade”, diz o especialista financeiro, para quem a enorme esperança associada à adesão é exagerada. “Não acho que o Brics resolverá nenhum dos nossos problemas”, conclui. Haile-Meskel critica ainda a dependência da Etiópia — e da África como um todo — tanto do Ocidente quanto dos países do Brics. Estes últimos, na opinião dele, são um “clube exclusivo que busca reafirmar sua própria influência global”.

A Etiópia deve se concentrar nas suas próprias forças, acredita Haile-Meskel. “Temos que ser capazes de vender o nosso próprio poder nacional. Também temos que olhar para outros países na África. A realidade é realmente lamentável. Apesar de fornecermos a maioria dos preciosos metais, não temos nossa própria moeda lastreada em ouro. A África precisa de uma nova mentalidade. Às vezes pagamos um preço caro por imitar os outros.”

Com mais de 120 milhões de pessoas, a Etiópia tem a segunda maior população e uma das maiores economias de mais rápido crescimento no continente. No geral, no entanto, a produção econômica ocupa apenas o 59º lugar no mundo e equivale a menos da metade do PIB da África do Sul, o menor membro do Brics. Nos últimos anos, embora a Etiópia tenha expandido seu comércio com a China e a Índia, entre outros, seu povo – e economia – foram arrasados pela guerra civil e pela seca.

Consequências da guerra e da fome

Desde novembro de 2022 que a antiga zona de guerra no estado de Tigray, no norte do país, parece ter se apaziguado. Estima-se que cerca de 600 mil pessoas tenham sido mortas no conflito, enquanto que pelo menos dois milhões tenham fugido.

Mas a situação ainda não se acalmou completamente, com outros conflitos políticos internos surgindo na sequência, tais como tropas do governo lutando com as milícias de Oromo e Amhara no interior do país.

Além das consequências dos conflitos armados, milhões de pessoas passam fome por causa dos anos de seca. A falta de entrega de grãos da Ucrânia e da Rússia só tem piorado a situação — assim como o desvio de recursos da ajuda alimentar do Programa Mundial de Alimentos da ONU.

A guerra civil foi cara, ao mesmo tempo em que a taxa de inflação aumentou dramaticamente. “Em vez de buscar a adesão ao Brics, o primeiro-ministro Abiy Ahmed deveria se concentrar em reduzir a inflação”, tuitou o economista Steve Hanke, da Universidade Johns Hopkins.

Gustavo de Carvalho, do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA, na sigla em inglês), de Joanesburgo, calcula que mais de 20 países já manifestaram o desejo de fazer parte do grupo Brics. “Muitos deles compartilham características semelhantes: como a Etiópia, eles têm uma importância regional importante, uma economia em rápido crescimento e uma população muito grande”. Além disso, eles estão interessados ​​em usar moedas alternativas, especialmente no comércio bilateral, diz Carvalho, acrescentando que os candidatos à adesão buscam assim se tornar menos dependentes do dólar americano.

Carvalho não vê muitas chances de a Etiópia se tornar um membro do Brics em breve. “Numa escala de probabilidade, diria que a Etiópia fica em algum lugar no meio”, calcula.

“O processo levará tempo”, concorda Alexander Demissie, da China-Africa Advisory, ressaltando, porém, que há “muitos sinais positivos para o futuro”, sobretudo por causa de uma situação favorável para a Etiópia.

A identidade do BRICS

Ainda há muito o que se discutir — e as chances para tal podem estar já na próxima cúpula do Brics, programada para agosto na África do Sul. “Provavelmente apenas um ou dois novos países entrarão no Brics, quando muito”, acredita Gustavo de Carvalho.

Para ele, a cúpula deveria é trazer mais clareza sobre a identidade do grupo. “Uma grande questão — que acho que ainda não foi esclarecida — é a definição de critérios: o que os países precisam cumprir para aderirem ao Brics? Para muitos, isso ainda não está claro.”

Como dito, ainda há muito o que se discutir.