05/02/2023 - 11:00
Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o coronavírus SARS-CoV-2 como uma pandemia global, em 11 de março de 2020, muita coisa aconteceu na ciência: vacinas e tratamentos por meio de medicação já estão disponíveis, e a doença, antes aguda, ficou menos agressiva.
Mas há um porém nisso tudo: enquanto a maioria das pessoas infectadas por covid-19 sobrevive e se recupera completamente, outras têm de conviver com o sofrimento decorrente da enfermidade.
Fraqueza crônica, dores de cabeça, distúrbios de memória e de sono, queda de cabelo e perda da libido estão na extensa lista de sintomas agrupados sob o termo “covid longa”.
Ao menos 65 milhões atingidos
Em um artigo publicado na revista científica Nature Microbiology, pesquisadores estimam que pelo menos 65 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de covid longa. Mas, segundo a imunologista da Universidade Yale, nos Estados Unidos, Akiku Iwasaki, “esse número ainda é muito baixo”.
Juntamente com três outros cientistas, Iwasaki divulgou um parecer geral da atual situação da pesquisa sobre covid longa em um painel na Academia Nacional de Ciências Leopoldina, na Alemanha. E os especialistas afirmam: ainda existem muito mais perguntas do que respostas.
No entanto, em meio ao aumento dos dados sobre covid longa, Iwasaki e os demais pesquisadores identificaram quatro causas principais que podem ocasionar diversas mudanças biológicas e que poderiam explicar os vários sintomas da enfermidade.
SARS-CoV-2 não desaparece
A primeira causa dos sintomas da covid longa pode ser inflamação crônica, desencadeada por reservatórios do SARS-CoV-2 localizados em algum lugar do corpo. Aglomerados, esses vírus continuam se multiplicando e mantêm o sistema imunológico constantemente enfraquecido.
“Há cada vez mais estudos que mostram que tanto os antígenos virais quanto o RNA viral ainda podem circular no corpo meses após a infecção”, diz Iwasaki.
Covid-19 impulsiona a autoimunidade
O caso é que uma infecção aguda por coronavírus poderia desenvolver, posteriormente, uma resposta imunológica que não combateria apenas o vírus, mas sim atacaria e destruiria as células do próprio corpo.
Segundo Iwasaki, essa conexão entre doenças infecciosas e a consequente autoimunidade é bem conhecida: “Por isso, é possível que a autoimunidade seja outra causa da covid longa”.
Um exemplo disso pode ser a encefalomielite miálgica, mais conhecida como síndrome da fadiga crônica. O que parece ser um cansaço excessivo é, na verdade, uma doença neurológica grave, conhecida há décadas, mas que, devido à pandemia, teve aumento de casos.
“No verão de 2020, elaboramos um estudo de observação para descobrir se a síndrome da fadiga crônica pode ser uma consequência da covid-19. A resposta é sim”, afirma a imunologista Carmen Scheibenbogen, que realiza pesquisas sobre o tema no Hospital Charité, em Berlim.
“Há evidências de que os anticorpos desempenham um papel no desenvolvimento da encefalomielite miálgica”, diz Scheibenbogen – embora a próxima causa também possa estar envolvida no desenvolvimento do problema.
Reativação de outros vírus
“A terceira hipótese que estamos investigando é a reativação de vírus latentes, como o Epstein-Barr ou outros vírus da herpes”, explica Iwasaki.
Após uma infecção, vírus da herpes permanecem no corpo e não causam nenhum problema enquanto o sistema imunológico estiver em estado de alerta. Mas uma infecção por covid-19 liga as defesas o suficiente para reativar o vírus.
“Pudemos observar essa reativação em uma parte dos pacientes”, observa Iwasaki.
Scheibenbogen também acredita na possibilidade de que a reativação dos vírus seja outra razão pela qual as pessoas desenvolvem síndrome da fadiga crônica.
Danos permanentes
Quanto mais grave for a infecção de covid-19 aguda, maior é a probabilidade de danos permanentes causados por sintomas oriundos da covid longa, explica Iwasaki, sobre a quarta hipótese que os pesquisadores estão investigando.
“Os quatro processos biológicos podem ocorrer individualmente, sequencialmente ou em conjunto”, diz a imunologista.
Mas distingui-los com base em biomarcadores é importante para tratar adequadamente as pessoas afetadas.
E essa é a questão que mais preocupa os pesquisadores: como ajudar os pacientes que sofrem com consequências da covid por muito tempo?
Vacinação reduz o risco de covid longa
“Covid longa é mais um motivo para se vacinar”, reforça o epidemiologista Michael Edelstein, da Universidade Bar-Ilan, em Ramat Gan, Israel.
Ele diz que a vacina evita de maneira segura formas graves da doença e diminui riscos de danos permanentes.
“As meta-análises mostram que o risco de contrair covid longa [em pessoas vacinadas] é reduzido em cerca de 25% a 30%”, argumenta Edelstein, que, ao mesmo tempo, admite que a vacinação não é a solução definitiva para o problema.
Por isso, os cientistas querem mais esforços e dinheiro investidos em pesquisas de covid longa, a fim de esclarecerem as muitas questões ainda em aberto sobre o tema.
Por exemplo, que influência tem a data da vacinação e o número de doses? Quais medicamentos já disponíveis no mercado podem ser usados para tratar pacientes com covid longa? E por que algumas pessoas desenvolvem sintomas similares aos de covid longa após a vacinação?
A fim de se aproximarem da resposta dessa última pergunta, Iwasaki e sua equipe estão atualmente elaborando um estudo.
Covid longa não é psicossomática
Apesar de muitos questionamentos ainda pendentes, uma constatação os especialistas têm como certa: sintomas de covid longa não têm conexão com a psique como causa.
É claro que, uma vez que o problema pode ser um empecilho no cotidiano das pessoas afetadas, os fenômenos psicossomáticos podem ser uma consequência, uma comorbidade, mas nada além disso.
“As características imunológicas descritas podem prever a covid longa com precisão de 96%. Não há motivo para citar doença psicossomática como causa”, diz Iwasaki sobre os resultados de um estudo do qual ela participou, mas ainda não foi revisado.
Na realidade, os pesquisadores acreditam que essa suposta conexão entre covid longa e a psique como uma de suas causas seria prejudicial por dificultar tanto o trabalho dos médicos quanto a busca por terapia apropriada por parte dos enfermos.