24/04/2025 - 8:55
Morte de Francisco reacendeu esperanças de que a Igreja Católica tenha seu primeiro líder africano dos tempos modernos – mas há ceticismo sobre as chances dos cardeais que representam o continente.Católicos de todo o mundo se reuniram para lamentar a morte do papa Francisco. O chefe da Igreja Católica, que faleceu em Roma na segunda-feira de Páscoa aos 88 anos, ficou conhecido como “o papa do povo” durante seus 12 anos de papado.
Muitos católicos da África, em particular, relataram que sentiam uma afinidade com o falecido pontífice argentino, que preferia levar uma vida simples em vez de fazer demonstrações dramáticas da influência global da igreja.
Em boa parte da Nigéria, que tem uma das maiores populações católicas do continente, parece haver um manto de tristeza e pesar pairando sobre as igrejas e catedrais após as alegres celebrações da Páscoa no fim de semana.
“Ele era um papa que eu amava, tão humilde”, disse Miranda Mosheshe em Lagos. “Ele fez muito pela fé católica em todo o mundo.”
Mosheshe é um dos muitos fiéis que disseram à DW ter altas expectativas sobre a sucessão de Francisco : “Desejo que, pela graça de Deus, tenhamos outro papa que imite seus atributos – tudo como ele!”
Habemus Papam Africanii?
Em nenhum outro lugar do mundo a Igreja Católica está crescendo mais rapidamente do que na África. De acordo com números divulgados pelo Vaticano, os africanos agora representam 20% dos católicos em todo o mundo.
Nesse contexto, os apelos para que um papa africano seja eleito para liderar a igreja têm se multiplicado nos últimos anos.
O conclave – reunião de 135 cardeais encarregados de eleger o próximo pontífice – está marcado para o início de maio, e alguns nomes africanos figuram nas listas de possíveis candidatos.
No primeiro milênio depois de Cristo, houve três papas do norte da África. Será que chegou a hora do primeiro papa africano dos tempos modernos?
Durante o conclave, cada cardeal pode votar em um deles para ocupar o cargo mais alto da Igreja Católica. Como em qualquer outro cargo de liderança, a experiência anterior é um dos principais fatores que determinam quem vence a disputa.
Há 18 cardeais da África que ficarão isolados com os outros durante o conclave, e dois deles têm sido citados nas listas de cotados.
Peter Turkson: o carismático pacificador de Gana
O cardeal ganense Peter Turkson foi arcebispo de Cape Coast e mudou-se para Roma em 2009, onde se tornou presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz.
“Há alguma semelhança entre a personalidade do [falecido] papa e a do cardeal Turkson”, diz a freira Jacinta Tuoniba, de Tamale, norte de Gana. “As virtudes da humildade, simplicidade, compaixão, amor pelos pobres e necessitados e, especialmente, compaixão pela Terra.”
O padre Thaddeus Kuusah, sacerdote da Arquidiocese de Tamale, concorda com essas opiniões.
“Ele definitivamente tem todos os atributos para liderar a igreja”, disse ele à DW. “É alguém que viveu sua vida e trabalhou pela paz”, referindo-se aos esforços de mediação de Turkson com o Conselho Nacional de Paz de Gana, especialmente durante as eleições contestadas de 2008.
“O próprio Senhor disse: ‘Abençoados são os pacificadores’. Oramos para que Seu espírito desça sobre o colégio de cardeais para escolher alguém que tenha o coração e a mente de Cristo para liderar a igreja”, disse Kuusah.
Fridolin Ambongo Besungu: o vibrante líder da igreja do Congo
Em toda a África, há de fato a necessidade de mais pacificadores – sentimento que não ressoa apenas entre os católicos.
A República Democrática do Congo (RDC) está em conflito há décadas, e nos últimos meses houve uma escalada sangrenta das tensões entre o governo e os rebeldes do M23 no norte do país.
Com cerca de 50 milhões de membros – aproximadamente metade da população do país – a Igreja Católica na RDC é uma das maiores congregações da África subsaariana.
O país também é o lar de uma das figuras mais proeminentes do catolicismo na África: o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, que dirige o Simpósio de Conferências Episcopais na África e Madagascar. Ambongo Besungu foi confidente do papa Francisco por muitos anos como integrante do Conselho de Cardeais Conselheiros.
Entretanto, há diferenças notáveis entre Francisco e o cardeal Ambongo Besungu. Apesar de ele ter sido citado como possuidor de algumas posições liberais, como fazer lobby por oportunidades iguais para as mulheres, Ambongo foi um dos que criticaram um decreto papal de Francisco em 2023 que permitiu a bênção de casais do mesmo sexo.
Falando em nome das conferências episcopais da África, Ambongo Besungu se recusou a aceitar o decreto, e recebeu grande apoio em todo o continente – enquanto a reação de Roma à revolta foi notavelmente mais branda.
Donatien Nshole, secretário-geral da Conferência Episcopal da República Democrática do Congo (CENCO), destaca que, apesar disso, as relações do falecido papa com a RDC sempre foram calorosas e amigáveis, marcadas pelo apoio inabalável de Francisco à paz no Congo.
Nshole diz ter lembranças vívidas da visita do papa Francisco a Kinshasa em 2023, quando ele recebeu uma delegação da província de Kivu do Norte como parte de seus esforços para fomentar um entendimento entre as facções em guerra no país.
Nas paróquias, há grande apoio a uma possível candidatura do cardeal Ambongo Besungu ao papado. Hugues Tamfumu, em Kinshasa, disse à DW que isso seria “uma vitória para os africanos mostrarem que a África é capaz de liderar [a igreja]”. “Todos os cristãos o aplaudiriam se ele conseguisse.”
Um papa africano para as necessidades africanas?
Para alguns africanos, é exatamente o fato de cardeais como Ambongo Besungu se distanciarem do que muitos consideram uma liderança eurocêntrica que os agrada.
Tamfumu, por exemplo, diz que a firme rejeição de Ambongo Besungu às bênçãos para pessoas do mesmo sexo representa o que os africanos esperam de sua igreja: “Ele disse: ‘Não, nós, africanos, não aceitaremos isso’. Ele foi muito claro”.
No entanto, uma posição tão firme contra a homossexualidade pode acabar sendo uma desvantagem no conclave. Fora da África, os passos conciliatórios da igreja sob o comando de Francisco foram amplamente bem-vindos, e alguns líderes seniores da Igreja até mesmo insinuaram que o falecido papa poderia ter ido mais longe.
Ao mesmo tempo, no topo da hierarquia dos católicos na África também surge uma retórica um pouco mais conciliatória sobre o futuro da igreja, embora sob uma perspectiva mais ampla.
Questionado pela DW sobre as chances de um papa africano, Nshole apontou que “há espaço para todos” na Igreja Católica – e que a eleição de um novo pontífice não era uma competição “em termos de cotas, alternâncias ou raça”.
Nshole acredita que o mais importante é conseguir “um papa que seja um pastor de coração, independentemente de suas origens”.
“Todas as opções seguem abertas”
Nos bastidores, no entanto, os especialistas estão céticos quanto às chances de Turkson ou de Ambongo Besungu serem escolhidos. Primeiro, há a questão da idade.
Aos 76 anos, Turkson pode parecer muito velho para alguns, enquanto Ambongo, com 65 anos, pode ser considerado muito jovem por outros, que temem que o próximo papa possa reinar por décadas a fio.
Além disso, há também a questão do fracasso da igreja em lidar de forma ampla e aberta com inúmeros casos de abuso sexual.
Embora tenha havido progresso nesse tema particularmente doloroso para a Igreja Católica sob Francisco na Europa, na América do Norte e em outros países, o assunto ainda parece ser um tabu na África.
Os cardeais presentes no conclave podem hesitar em votar em um candidato cuja posição sobre essa questão possa ser interpretada como branda ou ambígua – mesmo que alguns não estejam exatamente procurando um papa Francisco 2º.
Do jeito que está, a decisão sobre o próximo papa será difícil, como sempre foi. O arcebispo de Lagos, Alfred Adewale Martins, advertiu os fiéis para que não tenham muitas expectativas sobre o conclave.
Falando à DW, Martins sinalizou que, após o papado de Francisco, encontrar um sucessor notável pode ser mais complicado do que nos conclaves anteriores.
“O fato de ele mesmo ter escolhido cardeais de lugares distantes é, por si só, uma indicação de que é possível que qualquer pessoa de qualquer lugar” suba na hierarquia do Vaticano, afirmou. A diversidade na África é certamente notável”, acrescentou. “Ninguém pode ignorar isso.”
Wendy Bashi (de Kinshasa), Olisa Chukwumah (de Lagos) e Maxwell Suuk (de Tamale) contribuíram para esta reportagem.