02/03/2022 - 15:59
Quando a usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, foi tomada pelas forças russas na semana passada, o Ministério do Exterior ucraniano alertou sobre a possibilidade de “outro desastre ecológico”.
Os níveis normais de radiação na zona de exclusão de Chernobyl – que inclui quatro reatores fechados, um dos quais explodiu em 1986 e espalhou resíduos radioativos por toda a Europa – foram excedidos, de acordo com o regulador nuclear estatal da Ucrânia, supostamente por causa da atividade militar na área.
Mas, além da usina nuclear de Chernobyl, há preocupação de que alguns dos 15 reatores nucleares ativos da Ucrânia possam ser atingidos no fogo cruzado entre tropas russas e ucranianas.
“É uma situação única na história da energia nuclear – na verdade, na história – em que uma nação que opera 15 reatores nucleares está no meio de uma guerra de grande escala”, afirma Shaun Burnie, especialista em energia nuclear do Greenpeace na Ásia Oriental, em entrevista à DW. Essas usinas fornecem cerca de metade da eletricidade da Ucrânia, embora neste momento apenas nove dos 15 reatores estejam operando, diz Burnie.
“A ideia de proteger [as instalações nucleares] no caso de uma guerra em larga escala nunca fez parte do planejamento de uma nação, pelo menos em termos de energia nuclear comercial”, afirma.
Embora alguns reatores da era da Guerra Fria tenham sido construídos na então União Soviética no subsolo para evitar ameaças militares, as “enormes instalações” na Ucrânia foram todas construídas sobre o solo, explica Burnie.
“Uma usina nuclear é uma das instalações industriais mais complexas e sensíveis, que exigem um conjunto muito complexo de recursos em estado de prontidão – e o tempo todo – para mantê-las seguras. E isso não pode ser garantido numa guerra”, escreveram Burnie e seu colega Jan Vande Putte, também do Greenpeace na Ásia Oriental, em um comunicado divulgado nesta quarta-feira (02/03) sobre a vulnerabilidade das usinas nucleares durante o conflito militar.
Perigo de vazamento de radiação
Os reatores em operação são especialmente vulneráveis caso ocorra um desligamento da rede elétrica durante a guerra. Se bombardeios pesados na região impedirem o fornecimento de energia para uma usina, o resfriamento do reator e do combustível armazenado em locais com paredes relativamente frágeis podem ser desativados.
Na pior das hipóteses, isso poderia levar a um colapso semelhante ao de Fukushima e a “liberações enormes de radioatividade”, disse Burnie.
Essas preocupações estão sendo acentuadas pelo aumento da atividade militar ao sul da usina de Zaporizhzhia – uma das duas maiores da Europa, que tem seis reatores e armazena combustível nuclear irradiado. O conflito armado na região de Zaporizhzhia “aumenta o espectro de grandes riscos”, afirma o comunicado.
O local já é vulnerável, dizem os autores, pois alguns reatores antigos foram construídos e projetados há meio século, na década de 1970. Roger Spautz, ativista nuclear do Greenpeace da França e Luxemburgo, diz que a vida útil original de 40 anos desses reatores já foi expandida – como também é o caso da França.
“O maior risco é um míssil atingir os locais onde são armazenados os combustíveis ou eles não poderem ser resfriados devido ao sistema de energia desativado”, comenta Spautz. “Você precisa de eletricidade funcionando 24 horas por dia”, diz ele, acrescentando que os geradores de backup a diesel podem não conseguir funcionar por várias semanas, algo que seria necessário em tempos de guerra.
Há uma chance improvável de um ataque direto às instalações nucleares, disse Burnie, mas as estruturas construídas para o armazenamento de combustível poderiam ser “destruídas acidentalmente” no fogo cruzado.
“Instalações que contêm forças perigosas”
“As usinas nucleares são definidas como ‘instalações que contêm forças perigosas’ no direito internacional humanitário e nunca devem ser atacadas”, diz Doug Weir, diretor de pesquisa e política do Observatório de Conflitos e Meio Ambiente, sediado no Reino Unido, referindo-se à Convenção de Genebra.
Burnie acredita que a Rússia, que tem mais que o dobro de reatores do que a Ucrânia, entende as consequências de um ataque direto a essas instalações – incluindo a contaminação nuclear da própria Rússia se os ventos soprarem na direção leste.
“Não esperamos ver um ataque deliberado a locais como Zaporizhzhia, mas os tipos de armas pesadas que a Rússia está usando não são particularmente precisos”, frisa Weir. “A batalha nas proximidades de tais locais deve ser evitada a todo custo.”
Na segunda-feira, Petro Kotin, chefe do operador estatal de usinas nucleares da Ucrânia, Energoatom, expressou sua preocupação à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre colunas russas de equipamentos militares e artilharia que estão “em movimento nas proximidades imediatas” das instalações nucleares.
Ao informar à AIEA sobre bombardeios próximos às usinas da Energoatom, Kotin disse que “ameaças altamente indesejáveis para todo o planeta” poderiam estar entre as consequências e pediu para a agência internacional intervir e apoiar uma zona segura de 30 quilômetros ao redor das instalações nucleares.
Spautz afirma que outra preocupação é que os militares russos possam tomar uma usina nuclear e não ter o pessoal necessário para gerenciá-la adequadamente. “Você precisa de várias centenas de técnicos que conheçam a instalação”, diz ele.
O comunicado do Greenpeace sobre a vulnerabilidade das usinas nucleares na Ucrânia afirma que serão necessários funcionários em caso de inundação do rio Dnipro, que flui nas proximidades da usina de Zaporizhzhia.
Caso o sistema de barragens e reservatórios do Dnipro – que fornece água para o resfriamento dos reatores de Zaporizhzhia – for danificado e o fornecimento de água for limitado, o combustível nuclear poderá começar a superaquecer e liberar radiação.
“Todas essas instalações precisam de monitoramento constante”, afirma Burnie. “Eles não são passivamente seguros.”