08/10/2024 - 6:31
O Nobel é considerado a prestigiada premiação existente no mundo. Mas ele também é criticado pela forma como os vencedores são escolhidos. Qual é a relevância do prêmio em uma era de pesquisa global?Todo mês de outubro, alguns cientistas são acordados por um telefonema com a notícia de que foram agraciados com um Prêmio Nobel de medicina, física ou química.
Assustados e com os olhos embaçados, eles vestem uma camisa por cima do pijama, participam de uma videochamada com o comitê em Estocolmo e tentam explicar a pesquisa de uma vida inteira para a mídia mundial em poucos minutos.
Os jornalistas, então, tentam desesperadamente entender o que são “pontos quânticos” ou ” emaranhamento quântico dos fótons”, fazem suas reportagens e, em seguida, respiram aliviados, pois estão livres do Nobel até o ano que vem. Na semana seguinte, os prêmios já deixaram o ciclo de notícias.
E isso levanta a questão: esses prêmios, concedidos pela primeira vez em 1901, com toda a sua pompa e cerimônia, ainda são relevantes?
O Prêmio Nobel ajudou a popularizar avanços científicos, mas será que ele também dá uma falsa impressão de como as descobertas são feitas? E continua favorecendo a ciência dos EUA, da Europa e dos homens?
Uma nobre ideia por trás do Prêmio Nobel
Os prêmios tiveram origem no testamento de um cientista com sentimento de culpa: Alfred Nobel, inventor da dinamite.
O objetivo de Nobel era recompensar “aqueles que, durante o ano anterior, tivessem conferido o maior benefício à humanidade através de descobertas científicas”.
O Prêmio Nobel é um marco significativo para os avanços científicos. Os prêmios dão crédito, por exemplo, ao desenvolvimento de vacinas, que protegem milhões de pessoas de infecções graves, como Covid-19, à invenção de lâmpadas LED que economizam energia e de tecnologias de edição de genes que curam doenças.
“Sem dúvida, o Nobel é o Monte Everest da ciência. O Prêmio Nobel mostra o auge das descobertas científicas, e há um apego emotivo a ele”, explica Rajib Dasgupta, médico e professor de saúde pública de Nova Déli, na Índia.
No mínimo, os prêmios nos ajudam a lembrar que temos a sorte de viver em uma era de novos avanços científicos, depois do DNA, depois das vacinas, depois das teorias do Big Bang e das partículas subatômicas.
O Prêmio Nobel provoca a curiosidade sobre a ciência?
A premiação é certamente uma maneira de conquistar a atenção do público para a ciência, quando o anúncio dos vencedores vira pauta da mídia.
O grau de cobertura do Prêmio Nobel pelos meios de comunicação varia de acordo com o país. Na Índia, por exemplo, Dasgupta conta que a premiação é acompanhada de perto pela mídia e com ampla cobertura.
“O interesse vem de uma inclinação educacional para assuntos STEM na Índia, especialmente entre a classe média”, explica Dasgupta à DW, referindo-se ao aprendizado científico de ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Ensinar as crianças sobre o Prêmio Nobel faz parte do currículo escolar indiano para que as pessoas se interessem pela ciência, o que também acontece em outras partes do mundo.
Como no Reino Unido, onde a professora de biologia Lily Green, que dá aula no ensino médio para alunos de 11 a 18 anos, em Newbury, ensina uma perspectiva histórica do Prêmio Nobel em suas aulas de ciências, apesar de não ter interesse em acompanhar os anúncios dos prêmios todos os anos.
“Nós usamos o Nobel para ensinar os conceitos mais fundamentais da ciência. As melhores descobertas para as crianças e jovens são aquelas que despertam a curiosidade, como escândalos ou grandes histórias, como a de Barry Marshall, que se infectou com bactérias para mostrar como elas causam úlceras”, conta Green.
Mas a professora duvida que o Prêmio Nobel desempenhe um papel importante para inspirar os alunos a estudar ciências na universidade.
“Eles estudam, pois são cativados e interessados em ciência e não porque querem ganhar um Prêmio Nobel”, diz ela à DW.
Mito do cientista genial
Nos primeiros anos do Prêmio Nobel, eles eram concedidos principalmente a homens, como Albert Einstein ou Ernest Rutherford.
Marie Curie, em termos da proporção entre cientistas homens e mulheres vencedores, foi e ainda é uma exceção. E Curie recebeu dois Prêmios Nobel, se tornando assim uma dupla exceção.
Os prêmios ajudaram a construir a ideia do cientista genial: alguém que, sozinho, fez a ciência avançar com seu brilho absoluto.
Mas, na realidade, o progresso científico funciona de forma muito diferente, principalmente na pesquisa contemporânea.
As descobertas científicas nascem de colaborações entre centenas de pesquisadores de todo o mundo, de diferentes campos de pesquisa. A ciência é uma comunidade, é multidisciplinar e diversa.
Hoje, os prêmios Nobel são divididos entre grupos de cientistas. Mas para cada ganhador do Nobel, há milhares de outros cientistas, estudantes de doutorado e técnicos que fizeram parte da pesquisa, realizaram os experimentos, mas que permanecem sem crédito, pelo menos entre o público em geral.
Green concorda que havia uma tendência de supervalorizar o trabalho de um cientista individual nos prêmios Nobel, mas também acha que a ideia do cientista gênio solitário vem diminuindo.
“Estamos ensinando cada vez mais que a ciência é um esforço colaborativo. Isso ajuda as crianças a verem a quantidade de trabalho necessária para as descobertas científicas”.
Falta diversidade no Prêmio Nobel
As maiores críticas ao Prêmio Nobel estão relacionadas à sua falta de diversidade e ao viés em relação às instituições científicas ocidentais.
Nas ciências, menos de 15% dos laureados são mulheres.
E poucas pessoas fora dos países europeus e dos EUA ganharam um Prêmio Nobel. Os EUA, o Reino Unido e a Alemanha dominam a classificação do número de laureados do Prêmio Nobel, totalizando 663 entre eles. A China tem oito e a Índia tem 12.
“A maioria dos prêmios é justa, mas eles não são isentos de política. Instituições de muitos países estão sendo ignoradas, inclusive na Índia. E, certamente, os comitês do Prêmio Nobel não são tão inclusivos quanto deveriam ser”, acredita Dasgupta.
O Prêmio Nobel também pode contribuir com a desigualdade ao enviar mais fundos e reconhecimento para instituições que já ganharam prêmios.
Para Dasgupta, as instituições na Índia e em outros lugares precisam se fortalecer para competir com os EUA ou com os países europeus. Somente assim esses países poderão manter os talentos que criaram e vêm exportando.