Para especialistas, tensão entre Trump e Petro e possível fim do financiamento contra o narcotráfico rompem parceria histórica e favorecem o crime organizado.O anúncio do presidente americano Donald Trump de que seu governo encerraria a ajuda financeira milionária que aporta à Colômbia para combater o narcotráfico levou Bogotá a convocar o embaixador colombiano em Washington – um sinal de estremecimento nas relações antes próximas entre os dois países.

Trump ainda acusou o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de ser um “lider do tráfico” e incentivar a produção de drogas. O colombiano, por sua vez, rebateu taxando seu homólogo americano de “grosseiro e ignorante”.

O desencontro entre Trump e Petro teve início já no início da nova gestão do republicano, quando fez suas primeiras ameaças de sobretaxa a Bogotá, à época motivadas por desacordos em relação à deportação de imigrantes colombianos. Mais recentemente, a Casa Branca ordenou um desdobramento militar no Caribe, com ataques a embarcação associada a um grupo armado colombiano que supostamente transportava drogas.

Embora o assessor econômico de Trump Kevin Hassett tenha afirmado nesta segunda-feira (20/10) que Washington não pretende aumentar tarifas contra produtos colombianos, o governo de Petro vê o movimento como uma “ameaça de invasão dos EUA”.

A ameaça de corte da ajuda financeira, porém, se mantém. Se concretizada, ela pode romper uma relação de três décadas de colaboração entre a Justiça, os serviços de inteligência e as forças policiais e militares da Colômbia e dos Estados Unidos, afirma à DW Elizabeth Dickinson, analista sênior do International Crisis Group (ICG).

“Seria um golpe muito duro para a Colômbia, principalmente na cooperação entre as forças de segurança de ambos os países”, afirma. Para especialistas, o resultado imediato será o fortalecimento do narcotráfico (leia mais abaixo).

Viviana García Pinzón, especialista em segurança e pesquisadora do instituto Arnold Bergstraesser (ABI), associado à Universidade de Freiburg, ressalta que a dependência de Bogotá aos EUA extrapola os termos econômicos, já que envolve também questões de segurança, ajuda humanitária e desenvolvimento.

A Colômbia é o país da América do Sul que mais recebe verbas de Washington, segundo os dados mais recentes do governo americano, com mais de 740 milhões de dólares (cerca de R$ 4 bilhões) pagos em 2023. Metade desta verba é destinada ao combate do tráfico de drogas, enquanto o restante é gasto em programas humanitários e de alimentos.

Além de enviar um sinal negativo sobre a relação bilateral, o corte pode afetar diretamente programas de fortalecimento da justiça, lembra o economista Luis Fernando Mejía, diretor executivo do Centro de Pesquisa Econômica e Social Fedesarrollo, de Bogotá. “A perda desses recursos poderia retardar projetos de desenvolvimento e agravar a incerteza econômica e diplomática”, aponta à DW.

Em setembro, Trump já havia retirado a Colômbia da lista de países que lutam contra o narcotráfico e revogou o visto do presidente colombiano.

Nesta terça-feira, porém, a disputa pública arrefeceu após Petro anunciar que teve uma reunião “longa, franca e construtiva” com o encarregado de negócios dos EUA, John McNamara. “Os altos funcionários reafirmaram o compromisso de ambas as partes em aprimorar as estratégias de combate às drogas”, disse o ministério das Relações Exteriores da Colômbia.

Violência cresce na Colômbia

Víctor Mijares, cientista político da Universidade dos Andes, na Colômbia, vê risco imediato de o atrito desestabilizar os equipamentos militares colombianos, em um momento em que o país enfrenta uma nova crise de segurança que revive o fantasma da violência política dos anos 1980 e 1990. Nos últimos meses, Bogotá não escalou a tensão apenas com Washington, mas também com Israel, seus principais fornecedores de armas e aliados em segurança.

O governo de Petro, de esquerda, vem sendo criticado pela dificuldade de arrefecer os conflitos internos por meio de sua Justiça Especial para a Paz, a chamada “paz total” que se revelou lenta em sua promessa de reintegrar guerrilheiros à sociedade.

No início do ano, Petro suspendeu suas negociações de paz com guerrilheiros após uma onda violência eclodir na região de Catatumbo, retomando rotina de conflitos armados e deslocando a população civil. Em agosto, o senador e pré-candidato à presidência da Colômbia, Miguel Uribe Turbay, morreu após sofrer um atentado.

A ofensiva de Trump ainda pode pressionar a fronteira colombiana com a Venezuela, onde atuam grupos guerrilheiros. O país vizinho também vê uma intervenção cada mais incisiva dos EUA na região. “A situação é bastante delicada. Isso coloca sob muita pressão o empresariado, a sociedade civil e a economia colombiana”, diz Mijares.

Cortes geram “vazio de poder”

O enfraquecimento militar colombiano pode resvalar nos próprios objetivos dos EUA de combater o narcotráfico na região, apontam os especialistas.

“Se concretizado, o retiro de apoio enfraqueceria a capacidade do Estado de manter presença nos territórios mais afetados pelo conflito e pelo narcotráfico. Isso geraria vazios de poder que poderiam ser aproveitados por grupos criminosos, afetando a segurança e a implementação dos acordos de paz”, aponta Luis Fernando Mejía, da Fedesarrollo. “Em última análise, beneficiaria o crime organizado ao reduzir a capacidade operacional do Estado para enfrentá-lo.”

Viviana García Pinzón também entende que o vácuo deixado pelo corte financeiro seria ocupado pelo narcotráfico. “Por onde se olha, essas decisões dos Estados Unidos fortaleceriam esse terreno fértil para o crime organizado, para as economias ilegais e para as economias de guerra”, enfatiza.

Tensão diplomática como debate eleitoral

A tensão diplomática com os EUA também ganha apelos eleitorais para o pleito presidencial de 2026. Para Camilo González Posso, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz, de Bogotá, o interesse americano de contrabalancear a crescente influência da China na região leva a uma narrativa de que o voto em Petro, primeiro presidente de esquerda eleito no país, é um voto anti-EUA.

“Ao usar a linguagem que usam, tanto [o secretário de Estado dos EUA, Marco] Rubio quanto Trump estão exercendo ingerência nas eleições”, afirma o especialista da Indepaz. Para ele, o efeito é contrário, e leva Petro a inclinar seu país ainda mais para a Europa, China e os Brics.

“Ambos os líderes, com suas posições, tentam influenciar o resultado eleitoral”, concorda Elizabeth Dickinson, analista do International Crisis Group . “Trump foi muito claro em sua preferência de que vença a direita na Colômbia”.

Os especialistas, contudo, não esperam uma resposta homogênea da população à disputa, dada a polarização política crescente no país. Petro, assim como Trump, tem usado as redes sociais para atacar o adversário, um movimento que leva a críticas de má condução da política exterior.

“A direita está mais próxima da posição de Trump. Mas, tratando-se de dois presidentes muito explosivos e irresponsáveis em sua comunicação por meio das redes sociais, não acredito que possamos esperar uma reação homogênea, nem dos pré-candidatos, nem da população colombiana”, conclui Mijares, da Universidade dos Andes.