Destino do território palestino no pós-guerra depende do apoio de Egito e Catar. Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos condicionam ajuda financeira e diplomática ao desarmamento do Hamas.Egito, Catar e Turquia são apoios regionais cruciais para o plano de paz de Donald Trump acordado entre o grupo militante palestino Hamas e Israel em 10 de outubro. O cessar-fogo na Faixa de Gaza foi selado nesta semana no Egito, com a assinatura de uma declaração pelo presidente dos Estados Unidos e os líderes dos três países.

Por isso, pode ser que o futuro de Gaza e de seus cerca de 2,1 milhões de habitantes dependa dessas nações – isso, é claro, se o acordo de paz avançar para as próximas fases após mais de dois anos de guerra.

Egito quer ser potência regional

“O papel do Egito como um mediador central nas conversas para assegurar um cessar-fogo e acabar com o genocídio de Israel em Gaza lhe permitiu reafirmar seu valor estratégico perante parceiros internacionais”, afirma à DW Timothy Kaldas, diretor interino do Tahrir Institute for Middle East Policy.

“O Egito vai querer manter essa oportunidade de demonstrar seu peso diplomático na região”, diz ele, acrescentando que esse papel impulsionou a ajuda internacional e financiamentos que o país recebe.

Em fevereiro de 2024, os Emirados Árabes Unidos (EAU) assinaram um projeto de construção no valor de 35 bilhões de dólares (R$ 189,2 bilhões) em Ras al-Hikma, península egípcia do Mediterrâneo próxima à cidade de Alexandria. No mês seguinte, a Comissão Europeia prometeu a Cairo um total de 7,4 bilhões de euros (R$ 46,6 bilhões) em empréstimos e outros tipos de assistência financeira.

Kaldas também vê como “vitória diplomática” para o Egito que “discussões anteriores sobre o deslocamento forçado de palestinos de Gaza para o Egito e Jordânia tenham sido abandonadas no plano defendido por Trump”.

Além disso, ele afirma que Cairo deve querer desempenhar um papel significativo na reconstrução do território, estimada em 70 bilhões de dólares (R$ 378,4 bilhões), sendo 20 bilhões de dólares apenas nos primeiros três anos, segundo a avaliação mais recente das Nações Unidas, do Banco Mundial e da União Europeia.

“O Egito tem muita capacidade de construção que eles expandiram com megaprojetos, e os egípcios definitivamente gostariam de fazer outros pagarem às construtoras egípcias para trabalhar em Gaza.”

Mas Kaldas também acha que as autoridades egípcias vão querer ser cautelosas, apresentando seu engajamento em Gaza como apoio à população palestina, e não como realização dos interesses de Israel.

Catar como mediador estratégico

Já o Catar, o outro país árabe que assinou o documento em apoio ao plano de paz de Trump, está “mais interessado em garantir que o cessar-fogo se mantenha por tempo suficiente para abrir uma rota política em que a sua mediação seja indispensável”, observa Kristian Alexander, pesquisador sênior no Instituto Rabdan de Segurança e Defesa, de Abu Dhabi.

O Catar tem laços estreitos com os EUA, o aliado mais poderoso de Israel. Em 1996, Washington inaugurou sua maior base aérea regional, Al Udeid, localizada 30 quilômetros a sudeste da capital catariana, Doha. Em 2022, o país foi nomeado pelos EUA como um grande aliado fora da Otan e também tem abrigado – a pedido dos EUA, segundo fontes oficiais catarianas – líderes políticos do Hamas desde 2012.

“Enquanto Doha aceita que o Hamas deve se desarmar e ceder o controle em Gaza, ser pressionado a expulsar a liderança política imediatamente sem um acordo abrangente destruiria o próprio trunfo que torna o Catar útil”, explica Alexander.

No início de setembro, um ataque israelense à liderança política do Hamas em Doha levantou dúvidas sobre o status do Catar como um aliado favorecido dos americanos e seu papel como mediador nas negociações de paz.

Os interesses de Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita

Na sexta-feira (17/10), o jornal israelense Israel Hayom noticiou que a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU) e o Bahrein haviam alertado a Casa Branca de que “enquanto o Hamas mantiver suas armas, não continuaremos com o processo”.

Os EAU não são um mediador de linha de frente como o Catar ou o Egito, mas são apoiadores diplomático e financeiro cruciais do plano pós-guerra, segundo Alexander. Em 2020, como parte dos Acordos de Abraão, o país assinou um acordo de normalização de relações com Israel.

A Arábia Saudita também não estava na primeira fila quando o acordo de cessar-fogo foi assinado no Egito, mas desempenhou “um papel crucial nos bastidores” e por isso obteve um “sucesso diplomático indireto” com o cessar-fogo, na avaliação de Sebastian Sons, pesquisador sênior do think tank alemão Centro para Pesquisa Aplicada em Parceria com o Oriente.

“Riyadh quer ver estabilização não só na Faixa de Gaza, mas por toda a região, já que isso é necessário para sua diversificação econômica”, afirma Sons. “Contudo, a Arábia Saudita não quer ser muito envolvida em Gaza de forma nenhuma.”

Sons acredita que o país possa estar disposto a treinar soldados palestinos em cooperação com o Egito e a Jordânia, em vez de enviar suas próprias tropas à Faixa de Gaza.

“Acima de tudo, Riyadh quer se assegurar de que o Hamas já não desempenha mais um grande papel”, afirma Sons. Mas, segundo ele, “não é segredo que não consideram a Autoridade Palestina e seu presidente, Mahmoud Abbas, particularmente dignos de confiança”.

Ainda resta saber se Israel e Arábia Saudita retomarão as conversas para o restabelecimento de relações diplomáticas, movimento endossado pelos EUA. A última rodada de negociações está parada desde os ataques do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023. A Arábia Saudita tem insistido que qualquer normalização das relações com Israel só pode ser alcançada com a adoção de uma solução de dois Estados, que prevê a criação de um Estado palestino independente ao lado de Israel.

Por ora, Trump parece estar inclinado a um acordo que permita a Israel normalizar relações com seus vizinhos na região. Na sexta-feira, ele disse em entrevista à emissora americana Fox esperar ver a adesão da Arábia Saudita e de outros países.