05/10/2025 - 18:17
Liderança militar do grupo palestino foi dizimada e não se sabe quantos combatentes restam. Mesmo assim, ele continua capaz de conduzir ataques e seria praticamente impossível eliminá-lo completamente.Quase dois anos após o início da ofensiva militar de Israel contra o Hamas, observadores avaliam que o grupo islâmico palestino está numa situação bem ruim, mas não foi derrotado. Isso apesar do superior poder de fogo israelense e da insistência de lideranças do país na “vitória total”.
“O Hamas sofreu muitos reveses militares, mas ainda tem a capacidade de se reagrupar e também mantém o comando e o controle”, afirma Marina Miron, pesquisadora do Departamento de Estudos de Guerra do King’s College em Londres.
A ofensiva israelense teve início após o ataque terrorista do Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023, que deixou 1,2 mil mortos e mais de 250 reféns.
Antes do começo do atual conflito, estimava-se que o grupo palestino possuía entre 25 mil e 30 mil combatentes. Nos últimos dois anos, várias fontes de segurança israelense afirmam que entre 17 mil e 23 mil integrantes do Hamas foram mortos.
As Forças de Defesa de Israel (FDI) não oferecem nenhuma prova sólida sobre o número de mortos entre os combatentes do Hamas. Muitos observadores sugerem que essas baixas podem ser consideravelmente menores do que o divulgado.
Quando o conflito completou um ano, em outubro de 2024, relatórios detalhados da FDI contabilizavam 8,5 mil combatentes mortos, segundo o monitor de conflitos baseado nos Estados Unidos Armed Conflict Location and Event Data (ACLED). “Esse número inclui integrantes de outros grupos armados e possivelmente outros membros não combatentes do Hamas”, acrescenta o monitor.
Um banco de dados israelenses confidencial, citado pela imprensa britânica e israelense, parece confirmar essa suspeita. Segundo essa fonte, até maio de 2025, apenas 8,9 mil combatentes identificados como do Hamas ou da sua aliada Jihad Islâmica morreram ou estão provavelmente mortos. Isso significa que mais de 80% dos mais de 66 mil mortos em Gaza são civis, concluíram as publicações.
Milhares de novos recrutas
O ACLED sugeriu que o Hamas pode ter recrutado mais combatentes nos últimos dois anos. No início de 2025, autoridades de inteligência dos EUA disseram à agência de notícias Reuters que acreditavam que o grupo palestino poderia ter alistado de 10 mil a 15 mil novos membros.
“Há indicadores, inclusive nas redes sociais, do aumento do número de jovens palestinos sem treinamento prévio que têm se juntado às Brigadas Qassam [braço militar do Hamas] e realizado ações de guerrilha”, escreveu Leila Seurat, pesquisadora do Centro Árabe de Pesquisa e Estudos Políticos em Paris, num artigo publicado na revista Foreign Affairs em agosto.
Observadores pontuam que há interesse de ambos os lados em exagerar a força do grupo palestino. Para o Hamas, essa é uma forma de esboçar poder durante as negociações de cessar-fogo. Para Israel, projetar o grupo como um adversário sério pode ser “um pretexto para destruir o enclave e expulsar seus moradores”, segundo afirmou ao jornal americano The New York Times Mohammed al-Astal, um especialista baseado no sul da Faixa de Gaza.
Embora haja controvérsias sobre o número de combatentes do Hamas, é certo que Israel matou a maior parte da liderança experiente do grupo, restando apenas um comandante da formação do conselho militar anterior ao 7 de outubro de 2023.
Tática de guerrilha
Nos últimos dois anos, o Hamas mudou suas táticas. Opera agora mais como um grupo descentralizado e tem recorrido cada vez mais à guerrilha, com táticas de ataque e fuga e emboscadas com explosivos, segundo o ACLED, evitando se envolver em combates diretos com soldados israelenses.
Os ataques com mísseis disparados pelo Hamas contra Israel diminuíram significativamente. De acordo com autoridades israelenses, grande parte do arsenal do grupo, especialmente o composto por armas mais pesadas, foi destruído.
Mas o Hamas ainda conseguiu lançar dois mísseis no mês passado e organizou ataques mais complexos contra militares israelenses. Em agosto deste ano, por exemplo, em Khan Younis, combatentes usaram armas pesadas num ataque e tentaram sequestrar soldados.
Observadores também destacam que pequenos grupos do Hamas reapareceram em áreas que o exército israelense afirma ter “limpado”. É provável que parte da rede de túneis do grupo, que permite ataques surpresa e o esconderijo de reféns, ainda exista.
Além de Gaza, há evidências que o Hamas aumentou suas atividades na Cisjordânia ocupada, após 15 anos de relativa calmaria na região, embora outros grupos palestinos ainda estejam na vanguarda da violência por lá.
Governo de Gaza
Uma questão muito debatida é quanto controle o Hamas ainda possui sobre Gaza. Sua ala militar luta contra o exército israelense. Mas o grupo, que comanda o enclave desde 2007, era responsável pelo governo civil da região, que incluía desde hospitais e força policial até a coleta de lixo.
Alguns observadores avaliam que o braço civil do Hamas se adaptou. Essa adaptação inclui uma força policial à paisana e um sistema informal de pagamento em dinheiro para funcionários públicos.
Mas isso também pode estar mudando. Funcionários públicos estariam sendo pagos com o dinheiro que o Hamas teria estocado para emergências, mas essa reserva pode estar se exaurindo. Israel tem visado cada vez mais “indivíduos e instalações ligadas à governança do Hamas, municipalidades e forças policiais” para tentar enfraquecer o controle civil do grupo em Gaza, segundo o ACLED.
No final de setembro, em uma reportagem do jornal britânico The Guardian, um funcionário de uma agência humanitária contou que eles não tinham notícias do Hamas desde março e, em vez disso, estavam trabalhando com outros grupos comunitários.
“Palestinos relatam que desde a retomada da guerra autoridades do Hamas têm se ausentado cada vez mais de suas funções públicas, incluindo o policiamento, em parte devido ao caos, mas também por medo de que Israel ataque as estruturas de governo”, disseram analistas do think tank International Crisis Group no início deste ano.
Sobrevivência é prioridade
Um ex-oficial das forças de segurança interna de Gaza disse recentemente à emissora pública britânica BBC que o Hamas perdeu o controle de quase todo o enclave palestino. Gangues e clãs criminosos estariam preenchendo o vácuo de segurança e a sociedade teria entrado em colapso total.
O Hamas também enfrenta uma rivalidade interna crescente, com relatos de que Israel teria aumentado deliberadamente o apoio a grupos adversários em Gaza. Uma dessas organizações seria a chamada Forças Populares, cujos membros são associados ao tráfico de drogas e ao saque de ajuda humanitária. Seu líder aparentemente tentou arregimentar outros grupos armados para trabalhar contra o Hamas.
Muitos observadores concordam que são será possível se livrar completamente do Hamas e que enfraquecer o grupo pode ser o mais próximo que Israel chegará da “vitória total”.
“O Hamas priorizou a sobrevivência em detrimento do confronto direto”, relatou o ACLED em setembro. “Isso é consistente com a visão do grupo de que sobreviver já é uma forma de vitória.”
“O Hamas é uma ideologia”, destacou Hans-Jakob Schindler, especialista do Centro Internacional de Contraterrorismo. “Não é possível destruir uma ideologia. Só é possível reduzir suas capacidades militares e terroristas.”