21/11/2025 - 15:01
Kiev recebeu “plano de paz” americano com cautela. Trump dá ultimato para que Zelenski aceite proposta até semana que vem. Políticos ucranianos classificam proposta como “capitulação” diante da Rússia.A mídia americana noticiou nesta semana que o presidente dos EUA, Donald Trump, aprovou um “plano de paz” de 28 pontos para encerrar a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Altos funcionários do governo, liderados pelo enviado especial Steve Witkoff, teriam elaborado o plano secretamente nas últimas semanas, em consulta com o enviado russo Kirill Dmitriev.
O documento propõe, entre outras coisas, a transferência de toda a regiãodo Donbass para a Rússia, incluindo áreas que não estão atualmente sob controle russo. A Ucrânia também seria obrigada a entregar suas armas, reduzir pela metade o tamanho de seu Exército e adotar o russo como segundo idioma oficial.
O gabinete presidencial ucraniano confirmou que Volodimir Zelenski recebeu uma minuta do “plano de paz” dos Estados Unidos. Ele pretende discuti-la com o presidente Donald Trump nos próximos dias.
Zelensky, que conversou por telefone nesta sexta-feira (21/11) com os líderes de Reino Unido, Alemanha e França, mostrou-se cauteloso, se preocupando em não rejeitar imediatamente o plano dos EUA nem ofender os americanos.
Já Trump deu nesta sexta-feira um ultimato a Zelenski para que este aceite até a próxima quinta-feira, 27 de novembro, Dia de Ação de Graças, o plano de paz proposto pela Casa Branca.
“Se as coisas funcionarem bem, os prazos podem ser prorrogados. Mas quinta-feira é o dia que consideramos oportuno”, declarou o presidente em entrevista à emissora Fox Radio.
Já os líderes da Alemanha, França e Reino Unido concordaram hoje, durante o contato telefônico com o presidente da Ucrânia, em “preservar a longo prazo os interesses vitais europeus e ucranianos”, anunciou o governo alemão.
Friedrich Merz, Emmanuel Macron e Keir Starmer também saudaram os “esforços norte-americanos” para pôr fim à guerra da Rússia contra a Ucrânia, mas asseguraram a Zelenski o “apoio total e inalterado no caminho para uma paz duradoura e justa”. Os europeus também disseram desejar que “as forças armadas ucranianas sejam capazes de defender eficazmente a soberania da Ucrânia”, precisou a chancelaria alemã num comunicado citado pela agência de notícias France-Presse (AFP).
“Não trairei a Ucrânia”
Em um pronunciamento à nação publicado nas redes sociais Zelenski assegurou que não “trairá” a Ucrânia e que proporá “alternativas” ao plano. “Apresentarei argumentos, persuadirei e proporei alternativas”, prometeu.
Relembrando como coordenou a resposta de Kiev à invasão russa em fevereiro de 2022, ele disse: “Não traímos a Ucrânia naquela época, e não o faremos agora.”
Oleksandr Krayev, especialista em América do Norte do think tank Ukrainian Prism, afirma que há muitas coisas a esclarecer sobre o conteúdo da proposta e recomenda cuidado com as palavras. “Não está totalmente claro: este plano realmente se originou na Casa Branca, ou foi desenvolvido separadamente por Witkoff e posteriormente endossado por Trump, ou veio do Departamento de Estado? Devido a Trump e muitos outros fatores, as relações com os EUA são bastante frágeis. Uma palavra errada, uma declaração errada da Ucrânia desencadearia imediatamente uma forte reação negativa do outro lado do Atlântico”, disse o especialista.
“Plano para capitulação ”
Políticos da oposição ucraniana apontam que as propostas que circulam na mídia contêm elementos que correspondem diretamente às exigências russas: a continuação da ocupação, restrições ao Exército ucraniano, neutralidade sem outras garantias de segurança genuínas, proibição da expansão das capacidades de defesa e da liberdade de escolha de alianças, e a destruição da identidade ucraniana.
“Oleksiy Honcharenko, membro do parlamento pelo grupo de oposição Solidariedade Europeia e representante da Ucrânia na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Pace), considera os acordos anunciados pelos EUA e pela Rússia na mídia como um plano para a capitulação da Ucrânia.
“A garantia mais importante para a Ucrânia, como para qualquer outro país, são suas próprias Forças Armadas. A Rússia quer enfraquecer o Exército ucraniano para finalmente destruir a Ucrânia no próximo ataque”, disse ele à DW. “Algumas coisas são simplesmente inaceitáveis para a sociedade ucraniana”, acrescentou o político da oposição.
Arseniy Yatsenyuk, que foi primeiro-ministro de 2014 a 2016 e agora dirige o Fórum de Segurança de Kiev, acredita que o que está sendo anunciado como um “plano de paz” conjunto pelos EUA e pela Rússia é, na prática, o que Vladimir Putin e Donald Trump discutiram em Anchorage, no Alasca, em agosto deste ano. “Tudo o que está sendo apresentado agora como um suposto novo plano de paz não tem nada a ver com paz. É um plano para a capitulação gradual da Ucrânia. Todos os princípios desse chamado ‘plano de paz’ nada mais são do que a posição de Putin, que ele já expressou há quase quatro anos”, declarou Yatsenyuk, segundo a agência de notícias Interfax-Ucrânia.
Teste à reação de ucranianos e europeus?
Observadores na Ucrânia acreditam que o anúncio de tal “plano de paz” pode ser simplesmente uma forma de avaliar o sentimento público ucraniano. “Esta notícia foi lançada claramente nas mídias como um teste para ver o quão cansados estão a Ucrânia e seu povo e até que ponto estão dispostos a ceder”, escreveu no Facebook Iryna Herashchenko, copresidente do grupo parlamentar de oposição Solidariedade Europeia.
Oleksandr Krayev, do think tank Prisma Ucraniano, também suspeita que o presidente dos EUA e seu círculo íntimo queiram testar a opinião pública ucraniana e os parceiros internacionais da Ucrânia para descobrir quais concessões estão dispostos a fazer para pôr fim à guerra na Ucrânia. “Não tenho certeza se os americanos arriscariam suas relações com os europeus em caso de forte resistência, comprometendo assim todo o seu plano de pressionar a China e a Rússia, apenas para levar adiante esse plano estranho”, disse Krayev à DW, enfatizando que o principal problema do “plano de paz” é que ele não cumpre seu objetivo central, um cessar-fogo, do qual o próprio Trump falou.
Quais os objetivos?
O ex-embaixador ucraniano nos EUA Valeriy Chaly não acredita que o “plano de paz” represente as propostas finais de Donald Trump. “Se este fosse o ‘plano Trump’ final, ele ao menos teria informado os membros relevantes do Congresso e as principais capitais europeias, o que obviamente não aconteceu. Portanto, não há motivo para pânico. No momento, trata-se de um ‘plano Dmitriev-Vitkov’ que não tem a menor chance de ser implementado”, escreveu Chaly no Facebook. Em sua opinião, as notícias sobre a existência de tal plano visam estabelecer certos limites para futuros “acordos” por parte dos EUA.
Valeriy Pekar, especialista e cofundador da plataforma cívica Nova Nação, está convencido de que os objetivos da Rússia incluem não apenas a pressão militar na frente de batalha, mas também a desestabilização da sociedade ucraniana. Ele acredita que os “planos de paz” apresentados visam influenciar e enfraquecer psicologicamente o povo ucraniano.
“Esses não são, de forma alguma, os primeiros planos desse tipo a serem divulgados. A reação da sociedade ucraniana reflete o cansaço e o desespero da população, assim como a falta de confiança no Estado. Mesmo aqueles que votariam no governo nas eleições suspeitam que ele seja capaz de traição. Se o público tivesse certeza de que o Estado não assinaria termos inaceitáveis, não estaria tão preocupado. No entanto, é preciso enfatizar que um acordo com o qual a sociedade não concorda é simplesmente inviável”, destacou Pekar no Facebook.
Ele também acredita que o atual “plano de paz” não contém nada de novo. São as exigências maximalistas de Putin. Pekar também enfatiza: “Todos os planos e todas as negociações fracassarão se a Europa não estiver à mesa de negociações. Essa posição também é apoiada pelos EUA, que querem transferir a responsabilidade total por sua própria segurança para a Europa. Uma derrota para a Ucrânia não traria nenhum benefício político para Trump; pelo contrário, dado o apoio à Ucrânia dentro da sociedade americana – apoio que foi de certa forma enfraquecido pelo recente escândalo de corrupção – provavelmente teria o efeito oposto.”
