02/09/2025 - 10:33
Em 2 de setembro de 1945, uma cerimônia a bordo do encouraçado norte-americano USS Missouri, ancorado na baia de Tóquio, marcou a assinatura da rendição do Japão, o último membro do Eixo a ser derrotado na Segunda Guerra Mundial, menos de quatro meses após a Alemanha nazista. Era o fim oficial do conflito, iniciado seis anos antes, em 1° de setembro de 1939.
Só representantes de nove países em guerra contra o Japão – entre eles EUA, China, Reino Unido, URSS, entre outros – participaram da cerimônia.
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No entanto, outras dezenas de nações alinhadas com o esforço aliado contra o eixo também estavam em estado de guerra com os japoneses, entre elas vários países latino-americanos, como Brasil, México, Cuba, Honduras, Nicarágua, El Salvador, Chile, Uruguai e a Costa Rica, entre outros.
Outras, como Paraguaie Bolívia se limitaram a declarar guerra à Alemanha nazista. Em alguns casos, notadamente o da Argentina, o estado de guerra só foi declarado na reta final do conflito.
Entre 1939 e 1945, os governos de países latino-americanos se dividiram entre neutralidade, simpatia pela causa aliada – e em alguns poucos casos pelos fascistas do Eixo – e cálculo estratégico influenciado por tensões internas.
Apesar de distante das grandes batalhas da Europa, Ásia e África, o conflito foi sentido intensamente no cotidiano da América Latina, alimentando mudanças sociais, realinhamentos políticos, e transformação econômica em muitas nações.
Embora a contribuição militar direta da região tenha sido largamente indireta – com as exceções do Brasil e México –, os países latino-americanos tiveram grande contribuição econômica para a causa aliada.
Oito décadas depois do fim do conflito, não faltam histórias sobre a Segunda Guerra Mundial que envolvam a América Latina, como uma dramática batalha naval na costa do Uruguai, a presença pracinhas brasileiros na Itália, aviadores mexicanos bombardeando alvos nas Filipinas, judeus encontrando refúgio no Caribe e milhares de voluntários da região que serviram no conflito sob o uniforme de outras nações.
Solidariedade e pressão após ataque japonês no Havaí
Até dezembro de 1941, quando o conflito ainda estava restrito à Europa e à China, as nações latino-americanas mantinham oficialmente uma posição de neutralidade e, em alguns casos, tinham governos com alguns membros que até simpatizavam com o Eixo. Também havia interesses econômicos para manter a neutralidade, já que vários países, como o Brasil e Argentina, tinham laços econômicos tanto com empresas dos países do Eixo quanto do Reino Unido.
Outras, como o México e Uruguai, eram mais explicitamente a favor de países europeus em guerra contra a Alemanha nazista e a Itália fascista.
Mas o desejo de neutralidade de quase todas as nações foi por água abaixo após o ataque surpresa japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, e a posterior declaração de guerra da Alemanha nazista aos EUA. Alguns países, como Cuba, Panamá e Costa Rica, rapidamente se solidarizaram com os EUA e declararam guerra ao Eixo. Outros, como o México, Colômbia e Venezuela, romperam relações com os países da aliança. Em janeiro de 1942, após pressão dos EUA, quase todos os países da região já haviam rompido relações – com apenas duas notáveis exceções: Argentina e Chile.
Brasil: único país latino-americano a enviar tropas para a guerra na Europa
Em agosto de 1942, o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista e Itália fascista, poucos meses depois de romper relações com os dois países.
A declaração do regime do ditador Getúlio Vargas foi resultado de pressão dos EUA, de ministros simpáticos à causa aliada, mas também de grande parte da população, que estava indignada com o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães. Nos dias que precederam a decisão, seis navios foram afundados em um espaço de apenas cinco dias por um único submarino alemão, o U-507. O total de mortes passou de 600.
Até então, Getúlio Vargas já havia concedido a permissão para que os Aliados usassem portos e bases aéreas no Brasil. Mas a partir daí a participação brasileira seria mais direta. O país começou a arregimentar dezenas de milhares voluntários para colher borracha na Amazônia, os “soldados da borracha”, para compensar a perda de seringais no Sudeste Asiático ocupado pelos japoneses. Ao todo, 26 mil desses voluntários acabaram morrendo na selva.
Em troca desse apoio, os EUA forneceram ao Brasil 200 milhões de dólares em armas e munição de guerra destinadas à Marinha e ao Exército, além de linhas de crédito para ajudar na industrialização do país.
Na frente interna, o regime e a população também se voltaram contra comunidades de imigrantes alemães e italianos e seus descendentes, que em muitos casos passaram a ser perseguidos. Em junho de 1945, foi a vez de o Brasil declarar guerra ao Japão, e o roteiro de repressão a imigrantes dessa comunidade se repetiram.
Já a contribuição mais celebrada foi o envio pelo Brasil de 25 mil pracinhas para combater na Europa, caso único entre os países latino-americanos. Ao final, cerca de dois mil brasileiros haviam morrido no conflito, entre eles 443 pracinhas.
Argentina: neutra até o último minuto
À época a nação mais próspera da América Latina, mas politicamente instável, a Argentina iniciou a década de 1940 entrelaçada economicamente tanto com o Reino Unido quanto seus adversários alemães e italianos e disposta a manter uma política estrita de neutralidade.
Os argentinos eram grandes exportadores de produtos agropecuários para os britânicos, mas também sediavam empresas de países do Eixo. E o país estava imerso em tensões políticas locais, que resultaram num golpe de estado em 1943, que abriu caminho para a ascensão de um grupo de militares – entre eles o germanófilo Juan Perón – que insistiu na neutralidade, mesmo sob pressão contrária dos EUA. Ainda assim, muitos argentinos simpatizavam com os aliados e 4.000 se voluntariaram para as fileiras de países contra o Eixo.
Em 1944, a posição da junta argentina começou a ser encarada como intolerável pelos americanos, que romperam relações com Buenos Aires, confiscaram bens argentinos nos EUA e a discutiram planos de intervenção no país sul-americano. Só no início de 1945, quando a derrota da Alemanha nazista já era uma questão de poucos meses, o governo argentino começou a rever sua posição. A declaração de guerra contra a Alemanha e o Japão ocorreu em 27 de março do mesmo ano – cinco semanas antes da derrota final dos nazistas.
Depois da declaração, os EUA e outros países aliados restauraram suas relações com Buenos Aires. Mas, por causa da demora, a Argentina, ao contrário do Brasil e México, acabou não se beneficiando de investimentos dos EUA durante o conflito.
Semanas após a rendição da Alemanha, o território argentino ainda foi palco de um último capítulo da atuação da marinha nazista: a chegada de dois submarinos alemães, que aportaram em Mar del Plata e cujos capitães preferiram fugir para a América do Sul em vez de render para tropas aliadas.
México: oposição ao fascismo, participação no Pacífico e arsenal de mão-de-obra
Ao contrário de outros países latinos que mantinham posições ambivalentes ou até simpáticas ao Eixo, o México foi um vocal crítico da Alemanha nazista e da Itália fascista anos antes do ataque japonês a Pearl Harbor. Nos anos 1930, o país havia condenado a invasão italiana da Etiópia, a anexação alemã da Áustria, além de ter se alinhado com facções antifascistas na guerra civil da Espanha.
Em dezembro de 1941, o país rapidamente rompeu relações com o Eixo na esteira de Pearl Harbor. Em maio de 1942, declarou guerra, após o afundamento de navios mexicanos por forças do Eixo no Caribe.
Junto com o Brasil, o México foi o único país latino-americano a atuar militarmente no exterior pela causa aliada. Cerca de 300 membros da Força Aérea Mexicana tomaram parte em combates contra os japoneses nas Filipinas ocupadas ao lado dos americanos e australianos. Os aviadores ficaram conhecidos como as “Águias Astecas”.
Já a contribuição militar indireta mexicana foi além. Dezenas de milhares de mexicanos que residiam nos EUA também serviram nas Forças Armadas americanas. Alguns também lutaram sob uniforme canadense.
O país ainda teve uma contribuição econômica substancial, fornecendo minerais e produtos agropecuários para os aliados e o PIB do país cresceu 10% entre 1939 e 1945. O México ainda acertou com os EUA um gigantesco programa de fornecimento de mão-de-obra conhecido como “Bracero”, no qual centenas de milhares de mexicanos foram ao país vizinho para substituir trabalhadores convocados para a guerra.
Uruguai: palco da única grande batalha da América do Sul
O Uruguai era desde o início do conflito largamente simpático à causa aliada, especialmente por causa de intensa atuação diplomática do Reino Unido.
Logo nos primeiros meses da guerra, em dezembro de 1939, o país foi palco de um dos acontecimentos mais dramáticos da Segunda Guerra na América Latina: a Batalha do Rio da Prata. Naquele mês, o encouraçado alemão Graf Spee se envolveu numa batalha com três navios britânicos no estuário do Rio da Prata, perto da costa uruguaia. Com seu navio danificado no confronto, Hans Langsdorff, o capitão do Graf Spee, decidiu de maneira surpreendente refugiar seu enorme navio de guerra no porto de Montevidéu. Os uruguaios, no entanto, ordenaram que o navio partisse em no máximo 72 horas.
Temendo que os britânicos tivessem concentrado mais navios na costa e disposto a não sacrificar sua tripulação numa batalha fútil, Langsdorff, que segundo relatos da época estava longe de ser um nazista fanático, decidiu afundar o Graf Spee nas águas próximas à capital uruguaia. Posteriormente, o capitão e sua tripulação partiram para Buenos Aires. Langsdorff acabou cometendo suicídio pouco depois. Sua decisão permitiu que centenas de tripulantes sobrevivessem à guerra. Muitos permaneceram na América do Sul. Nos anos 2000, partes do encouraçado foram içadas das águas.
América Central e Caribe: refúgio, palco de ataques de submarinos e prioridade estratégica para os EUA
Estrategicamente, o Caribe e a América Central eram consideradas regiões cruciais para o esforço de guerra dos EUA a partir de 1941. A região abrigava o Canal do Panamá, que foi reforçado com a presença de centenas de aviões e forte presença de tropas. Os EUA ainda montaram patrulhas para salvaguardar o fluxo de petróleo que partia da Venezuela e comboios de navios que levavam armas para a Europa.
Os alemães e italianos também estavam cientes da importância da região e posicionaram dezenas de submarinos nas águas do Caribe. Entre 1941 e 1945, as forças do Eixo afundaram cerca de 400 navios na área. Já os aliados afundaram 17 submarinos – um deles foi alvo da marinha cubana, que também participou ativamente da escolta de comboios. A Colômbia, por sua vez, permitiu a instalação de bases americanas e participou de patrulhas contra submarinos.
Já países como República Dominicana e El Salvador se notabilizaram por emitir em larga escala vistos para judeus europeus que fugiam do regime nazista. O ditador dominicano Rafael Trujillo chegou a conceder terras do país para o estabelecimento de uma comunidade judaica.
Cuba, à época dominada na prática pelo militar Fulgencio Batista, no entanto, foi na outra direção e de maneira infame barrou em 1939 a entrada do navio St. Louis, que transportava centenas de refugiados – a embarcação acabou voltando para a Europa e muitos dos passageiros acabaram morrendo no Holocausto.
Países da região também prenderam cidadãos de países do Eixo e descendentes, e, em milhares de casos, os deportaram para os EUA, que chegaram a montar campos no Texas para abrigá-los. Metade desse grupo foi usado como moeda de troca com o Eixo por cidadãos de países aliados aprisionados, enquanto cerca de 2.000 teuto-latinos permaneceram presos até o fim do conflito.