Às vésperas da inauguração oficial de Nusantara, nova cidade ainda é um grande canteiro de obras, e muitas dúvidas pairam sobre o futuro do mais ambicioso e controverso projeto do presidente Joko Widodo.Nusantara, a nova capital da Indonésia, deverá ser oficialmente inaugurada neste sábado (17/08). Trata-se do projeto emblemático do presidente Joko Widodo, que em breve deixará o poder, após uma década à frente do quarto país mais populoso do mundo. Sua gestão foi marcada por grandes projetos de infraestrutura, sendo Nusantara o mais ambicioso e controverso deles.

Widodo anunciou os planos de construir uma nova capital em 2019, e a construção teve início em 2022. A ideia não era nova. A atual capital, Jacarta, sofre de diversos problemas: poluição, superpopulação, congestionamentos e, o pior de tudo, severas inundações. A cidade está literalmente afundando devido aos níveis excessivos de água subterrânea sendo bombeados para amenizar a falta d‘água.

“Símbolo do crescimento econômico”

Widodo definiu Nusantara como um símbolo do crescimento econômico e do status geopolítico da Indonésia e como uma oportunidade de criar uma nova capital nacional, diferente da Jacarta com seus escritórios governamentais da era colonial.

Desde o início, o presidente enfatizou que Nusantara seria uma “cidade verde” e “zero carbono”, mensagens que ele reiterou nesta semana durante uma reunião de gabinete na nova capital, em meio a maquinário pesado e canteiros de obras movimentados.

“Ar fresco, ar limpo. Enquanto sonhamos com isso, queremos uma capital verde, seja em termos de energia, veículos elétricos, meio ambiente, ar e tudo mais”, declarou a jornalistas.

Falta de investimentos e impacto ambiental

O encontro dos principais líderes políticos da Indonésia em Nusantara nesta semana incluiu Prabowo Subianto, que assumirá a presidência do país em outubro.

Subianto insiste que dará continuidade ao projeto da capital após assumir o cargo. “Eu disse várias vezes que estou determinado a continuar e, se possível, concluir o projeto”, afirmou no evento. “Acredito que em três, quatro, cinco anos, a capital poderá funcionar.”

O fato de Subianto ter que deixar claro que não abandonará os planos de mudar a capital é um indício da controvérsia e da incerteza que ainda pairavam sobre Nusantara a poucos dias de sua planejada inauguração.

Para começar, ainda falta muito para a conclusão das obras. Embora Widodo tenha começado a trabalhar na cidade há duas semanas, estimativas indicam que a nova capital não estará totalmente operacional até a década de 2040. Grande parte da infraestrutura central está inacabada, e muitos projetos essenciais ainda não foram sequer iniciados. Atrasos nas obras têm sido constantes.

Localizada no meio da selva na ilha de Bornéu, conhecida na Indonésia como Kalimantan, a nova capital ainda é um grande canteiro de obras. O custo foi estimado em cerca de 35 bilhões de dólares (R$ 192 bilhões), e o plano do governo é que investimentos privados financiem cerca de 80% desse valor.

A ministra das Finanças do país, Sri Mulyani, disse à DW que o governo gastou 72 trilhões de rupias indonésias (R$ 25 bilhões) em Nusantara nos últimos três anos. A chave para o financiamento é estabelecer incentivos significativos para investidores privados, incluindo grandes isenções fiscais, afirmou. Recentemente, Widodo anunciou que investidores teriam direitos de posse de terras por até 190 anos na capital.

No entanto, até agora o projeto tem enfrentado dificuldades para atrair investimentos estrangeiros. Bahlil Lahadalia, ministro de Investimentos da Indonésia, disse aos legisladores do país em junho que até então não havia capital estrangeiro suficiente disponível. Ele atribuiu isso ao fato de grande parte da infraestrutura central ainda estar inacabada.

Além das dúvidas sobre a viabilidade financeira, o projeto da nova capital tem sido alvo de críticas significativas por seu impacto ambiental. Apesar de ser promovida como uma cidade verde, ambientalistas e grupos indígenas afirmam que a construção de Nusantara acelerou o desmatamento em uma região que já sofre com esse problema.

Começo pouco promissor

Embora a inauguração de Nusantara ainda esteja prevista para este sábado, o evento foi drasticamente reduzido em relação ao que foi originalmente planejado. A lista de convidados foi cortada de 8 mil para pouco mais de mil pessoas.

Widodo admitiu esta semana que a lista de diplomatas e autoridades convidados teve que ser reduzida, pois Nusantara ainda não dispõe de instalações adequadas. “As acomodações não eram suficientes, assim como a comida, já que o ecossistema ainda precisa ser construído aqui”, disse.

É um começo pouco promissor, e está cada vez mais claro que haverá um longo período de transição antes que Nusantara possa realmente funcionar como a capital do país. Embora a legislação que abre caminho para a mudança oficial da capital já tenha sido aprovada, inaugurar Nusantara não concluirá automaticamente o processo.

Esse selo legal oficial virá com um decreto presidencial nomeando Nusantara a nova capital. Widodo admitiu que isso poderá vir a ser feito por um futuro presidente. No entanto, em uma declaração em julho, ele deixou aberta a possibilidade de ele mesmo emitir o decreto antes do fim de seu mandato, em outubro, dizendo que a decisão depende de a infraestrutura, como água e eletricidade, estar ou não pronta.

“Grande ideia primeiro, detalhes depois”

Para Ben Bland, autor de uma biografia de Widodo, a forma como os planos para Nusantara foram anunciados e depois executados é típica da presidência dele.

“Grande ideia primeiro, detalhes depois. Isso exemplifica a maneira como ele abordou muitos outros problemas”, disse Bland à DW. “Ele quer consertar as coisas, mas quer simplesmente ação, ação, ação, em vez de pensar ‘como podemos fazer isso da melhor forma?'”

Embora as visões ambiciosas de Widodo sejam importantes para que projetos sejam executados, ainda há mais perguntas do que respostas quando se trata de Nusantara. enfatizou Bland.

“Será que o próximo presidente seguirá adiante com a construção? Ela se tornará uma nova megacidade, e todos os órgãos do governo, embaixadas e grandes empresas se mudarão para lá? Acho que ainda é cedo para dizer”, considerou o biógrafo.

Para Widodo, não há espaço para dúvidas. Recentemente, ele reconheceu que grande parte da cidade pode levar 20 anos para ser concluída, mas disse não haver motivo para arrependimentos. “A capital Nusantara é uma tela em branco para pintar o futuro. Nem todos os países têm a oportunidade e a capacidade de construir sua capital do zero.”