20/05/2025 - 13:40
Pesquisa interna na Bundeswehr revela que não há extremismo sistêmico, com menos de 1% dos soldados radicalizados. Alguns analistas, porém, questionam o fato de o levantamento ter sido feito pela própria corporação.Menos de 1% dos soldados alemães nutre “atitudes consistentemente extremistas de direita”, segundo um novo estudo conduzido pelo Centro de História Militar e Ciências Sociais (ZMSBw) da Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha).
O estudo constatou que apenas 0,4% dos soldados demonstram atitudes extremistas de direita. Entre os funcionários civis da Bundeswehr, a proporção é de 0,8%, muito inferior aos 5,4% medidos na população alemã em geral, disseram os autores.
O relatório, no entanto, revelou outras visões problemáticas entre os soldados: 6,4% têm “atitudes misóginas consistentes” e 3,5% têm “atitudes xenófobas consistentes”.
De modo geral, o estudo traz notícias positivas, especialmente porque a Bundeswehr tem sido afligida nos últimos anos por casos bem documentados de redes de extrema direita e conspirações terroristas envolvendo membros das Forças Armadas.
Em 2022, um tenente da Bundeswehr chamado Franco A. foi condenado após planejar um ato que “ameaçava a segurança do Estado” enquanto se passava por um refugiado sírio.
Em 2017, foi descoberta que uma rede nacional de sobrevivencialistas armados suspeitos de planejar um golpe militar que incluía vários soldados da ativa e da reserva. Alguns meios de comunicação alemães chegaram a falar de um “Exército paralelo” dentro da Bundeswehr, que teria sido ignorado pelo Serviço de Contrainteligência Militar da Alemanha (MAD).
O que esperar de uma pesquisa voluntária?
“Sim, eu diria que o estudo oferece um certo alívio”, disse um dos autores da pesquisa, Markus Steinbrecher, à DW. “Mas se extrapolarmos a porcentagem – 0,4% –, teoricamente ainda temos um número alto de três dígitos de pessoas no Exército com opiniões extremistas.”
Isso coincide em grande parte com os números do MAD. As estatísticas do Ministério da Defesa indicam que, em 2023, o MAD investigou 1.049 casos de suspeita de extremismo nas Forças Armadas, dos quais 776 eram de direita, 22 de esquerda e 51 islâmicos. A Bundeswehr emprega atualmente pouco mais de 260.000 pessoas, incluindo 180.000 soldados e 80.000 civis.
O novo estudo ZMSBw realizou mais de 4.300 entrevistas com militares no final de 2022, além de 18 debates em grupos pequenos em oito bases militares na Alemanha.
Steinbrecher admitiu que o estudo, baseado principalmente em pesquisas voluntárias, tem suas deficiências. “As pessoas podem, é claro, marcar um ‘X’ em qualquer lugar, mesmo que tenham outras opiniões. Estamos cientes disso”, afirmou. “É por isso que fizemos várias verificações em diferentes etapas, a fim de ter uma ideia de quão grande a subestimação pode ser.”
No entanto, alguns especialistas ainda estão céticos quanto à utilidade da pesquisa. Anke Hoffstadt, pesquisadora de extremismo de direita na Universidade de Ciências Aplicadas de Düsseldorf, disse que o estudo era academicamente sólido, mas destacou o fato de a ZMSBw pertencer à própria Bundeswehr.
“Eles são independentes e se atém a padrões científicos, mas, claro, estão dentro da estrutura que estão analisando”, disse Hoffstadt à DW.
Bundeswehr sob os holofotes
A pesquisadora também observou que os entrevistados podem ter sido influenciados pelo momento em que as pesquisas foram realizadas, em 2022, na esteira de um investigação política mais rigorosa sobre o extremismo de direita na Bundeswehr e na polícia alemã.
Em 2020, a então Ministra da Defesa, Annegret Kramp-Karrenbauer, dissolveu uma companhia inteira da unidade de elite Comando de Forças Especiais (KSK) na cidade de Calw, após a divulgação de detalhes de uma festa com sinais claros de extremismo.
Na festa de 2017, soldados supostamente fizeram saudações a Hitler, contrataram profissionais do sexo, ouviram rock de extrema direita e atiraram cabeças de porco.
Também em 2020, a Bundeswehr admitiu o desaparecimento de cerca de 60.000 cartuchos de munição.
“Naquela época, todos na Bundeswehr sabiam que estavam sob os holofotes”, disse Hoffstadt. “O estudo não é um fracasso, tampouco é de má-fé, mas eu recomendaria uma leitura crítica.”
“Cidadãos uniformizados”
Os autores da pesquisa também afirmaram que pessoas com visões extremistas de direita “demonstram um interesse crescente em ingressar nas Forças Armadas”, embora isso não signifique que serão admitidas no Exército. “Estar interessado não significa que se candidatem, e candidatar-se não significa que serão aceitos”, disse Steinbrecher.
Existem, de fato, obstáculos significativos ao ingresso dessas pessoas. Os novos candidatos devem passar por exames de segurança antes de se tornarem recrutas, e as regras de confidencialidade são suspensas para médicos que examinarem os candidatos para que possam relatar tatuagens que possam indicar visões extremistas.
Os militares alemães não estão apenas comprometidos em defender o país e sua Constituição – a Lei Fundamental – como também têm o dever legal de defender ativamente os direitos democráticos – o que significa, por Exempel, declarar sua oposição quando alguém expressar opiniões extremistas. Os soldados alemães, em outras palavras, devem ser “cidadãos uniformizados”, totalmente responsáveis por defender a Lei Fundamental. Determinadas opiniões, como a negação do Holocausto, são proibidas nas Forças Armadas.
pesar dessas salvaguardas, Hoffstadt não acredita que a Bundeswehr esteja fazendo o suficiente para manter atitudes extremistas fora de seus quadros, especialmente no contexto de uma sociedade mais ampla, onde as atitudes de direita estão sendo cada vez mais normalizadas – como demonstrado no êxito eleitoral recente do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Bundeswehr deve se manter vigilante
“Houve muitos ‘casos isolados’ nas Forças Armadas para que possamos confiar no poder dessa vigilância”, disse a especialista. “Eles realizam muitos seminários, reuniões e educação política, mas nas bases, não há uma consciência muito aguçada sobre a complexidade da mentalidade moderna de direita.”
Steinbrecher argumenta que a Bundeswehr possui medidas antiextremismo mais fortes do que a maioria das outras corporações. “Eu acho que isso se tornou uma prioridade”, disse ele. “Também estou envolvido em um projeto de pesquisa internacional com países da Otan, e posso dizer objetivamente que a Alemanha realmente lidera quando se trata de prevenção ao extremismo.”
Ele, porém, alerta que, com o governo alemão agora determinado a , talvez até mesmo com a reintrodução de algum tipo de serviço militar, poderá ser muito mais difícil realizar verificações com o mesmo grau de rigor.
“Não podemos nos acomodar”, disse Hoffstadt. “Poderíamos dizer ‘ah, menos de um por cento, ufa, está tudo bem’. Mas isso pode ser apenas a ponta do iceberg. Temos que continuar analisar o iceberg como um todo.”