Prisão do ex-vice de Maduro, acusado oficialmente de envolvimento em corrupção na estatal petrolífera do país, gerou especulações sobre expurgo político. Analistas ligam episódio à campanha eleitoral.O advogado e político venezuelano de ascendência sírio-libanesa Tareck El Aissami era uma das figuras mais importantes da Venezuela chavista, tendo sido vice-presidente do país entre 2017 e 2018. Em março do ano passado, o “czar do petróleo”, como era conhecido, caiu em desgraça, renunciando a seu cargo como ministro do Petróleo em meio a um escândalo de corrupção na estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA). Na época, explicou que estava se afastando para colaborar com as investigações realizadas pela Procuradoria Geral da República.

O que se seguiu foi um silêncio total sobre essa figura. É por isso que sua prisão na terça-feira (09/04) causou tanto alvoroço e desencadeou uma série de especulações, em meio a um clima pré-eleitoral marcado pela polêmica desqualificação da candidata da oposição María Corina Machado.

Além de El Aissami, cujo paradeiro era desconhecido desde seu afastamento do governo há um ano, também foi preso o ex-ministro de Economia e Finanças e ex-presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento (Fonden) Simón Alejandro Zerpa, e o empresário Samark José López, acusados dos crimes de “apropriação ou desvio de patrimônio público, ostentação ou valorização de relações ou influência” e “associação criminosa”.

“Esses canalhas que, em má hora, usaram seus cargos que o Estado lhes deu para obviamente fazer avanços importantes na economia, se aliaram a empresários para buscar, nessa conspiração econômica, destruir a economia”, declarou o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, descrevendo El Aissami como “chefe de uma organização criminosa”.

De acordo com as investigações, uma rede de funcionários usou “suas posições para realizar operações ilegais de petróleo” ao “atribuir cargas” de petróleo, “sem qualquer tipo de controle administrativo ou garantias, violando os regulamentos de contratação da PDVSA”.

O procurador-geral ressaltou que, uma vez que “esse petróleo alocado ilegalmente foi comercializado, os pagamentos correspondentes” à petroleira estatal não foram feitos.

Saab afirmou que a investigação “continua aberta” e que mais de 50 pessoas foram presas e acusadas, e que “novas prisões” não estão descartadas.

Figura-chave

É difícil estabelecer as razões exatas que levaram à queda em desgraça de Tareck El Aissami, a quem o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, havia defendido veementemente quando os Estados Unidos o acusaram em 2017 de envolvimento em lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, e em 2019 o colocaram na lista de procurados pela Justiça.

“El Aissami foi um homem importante para Chávez e para Maduro. Era um homem eficiente, trabalhava em equipe e se tornou indispensável, além de ter relações importantes com o mundo árabe, especialmente com o Irã”, diz à DW Carmen Beatriz Fernández, da consultoria política DataStrategIA e professora de comunicação pública na Universidade de Navarra, na Espanha.

“Nos anos mais recentes, ele foi parte vital da construção de uma narrativa econômica de 'a Venezuela foi consertada' que, após a dolarização de fato da economia em 2019, visava vender uma imagem de normalização do país e de resiliência e reinvenção nacional, apesar das sanções”, acrescenta Fernández. “O entorno de El Aissami fazia negócios lucrativos, e algumas poucas ilhas de prosperidade floresceram na Venezuela, em Caracas e em outras capitais do país, com luxo explícito, carros de luxo, construção de shopping centers e escritórios, novos restaurantes e iguarias importadas”, afirma a especialista.

Corrupção

O escândalo de corrupção da empresa estatal de petróleo acabou com a carreira dele. “Toda o seu entorno se envolveu em uma rede de corrupção na qual 20 bilhões de dólares desapareceram dos cofres públicos”, diz a acadêmica.

“Minha impressão foi que o problema de El Aissami com Maduro tinha a ver com dinheiro e negócios. Maduro precisava de caixa para enfrentar os desafios eleitorais, e El Aissami não soube explicar as contas para ele. Uma campanha sem dinheiro é uma condenação. Maduro se viu à beira de um processo eleitoral sem dinheiro para colocar nas ruas”, diz ela.

Andrés Caleca, economista, ex-presidente do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela e ex-candidato presidencial nas primárias da oposição, duvida que haja uma luta real contra a corrupção. “Eu não acredito nisso. Inclusive ainda continuam havendo denúncias de vendas ilegais de petróleo. De fato, o homem encarregado da PDVSA era um indicado de Tareck El Aissami, e é impossível que todo o esquema pudesse ter sido realizado sem que o segundo em comando soubesse disso.

Expurgo político?

“Não acho que o problema de fundo tenha sido a corrupção. Acho que provavelmente há um problema de expurgo político”, disse Caleca à DW. Mas ele observa que “o expurgo aconteceu no ano passado. O que é inexplicável é que a prisão tenha ocorrido um ano depois, quando todos os seus cúmplices foram presos no ano passado”.

Na opinião dele, o momento da prisão pode ser devido a uma tentativa do governo de mostrar, no período que antecede as eleições, que punirá os corruptos. “Acima de tudo, dado o grau de desespero das bases chavistas e ex-chavistas, por verem todos os dias como a elite governante enriqueceu, enquanto o povo ficou cada vez mais pobre, essa pode ter sido uma intenção. Mas, se for esse o caso, tenho certeza de que será inútil”, ressalta, afirmando que “o povo não está mais acreditando nisso”.

De acordo com Beatriz Fernández, o governo poderia estar “tentando matar vários coelhos com uma cajadada só”. Por exemplo, “para mostrar um compromisso com a luta contra a corrupção e a impunidade que vai até a base mais dura do chavismo, como uma mensagem eleitoral, buscando reconquistar as pessoas que se sentiram enganadas, mas também enviando uma mensagem de alerta para aqueles que fazem parte da nomenklatura”.

Outro objetivo poderia dar uma mostra de “bom comportamento em relação aos Estados Unidos, que está prestes a emitir seu veredito sobre as sanções no próximo 18 de abril”. A acadêmica também menciona o interesse do governo em “controlar a agenda noticiosa”.

“Mostrar Tareck El Aissami agora faz parte de uma estratégia de comunicação para distrair a opinião pública de outros eventos políticos”, diz Fernández.